Há uma semana, no Dia Nacional de Defesa do Rio São Francisco (3 de junho), foram divulgados dados do Mapbiomas com indicação de que a Bacia do Rio São Francisco perdeu 50% da superfície de água natural entre 1985 e 2020, parte de um estudo realizado a pedido do Plano Nordeste Potência, iniciativa de um conjunto de organizações brasileiras que trabalham pelo Desenvolvimento Verde e Inclusivo da região.
“Os preocupantes indicadores do MapBiomas mostram que é urgente a implantação de um profundo programa de revitalização, previsto desde o início do projeto de transposição e nunca realizado. Além das ações de reflorestamento, recomposição de áreas degradadas e obras de saneamento em centenas de municípios, é fundamental um plano de elevação e estabilização da vazão média do rio e incentivos a um modelo de economia que impulsione a regeneração da bacia hidrográfica”, propõe Sérgio Xavier, coordenador do Projeto HidroSinergia, do Centro Brasil no Clima (CBC), que está desenvolvendo o Lab de Economia Regenerativa do São Francisco nas fronteiras dos estados de Alagoas, Bahia, Sergipe e Pernambuco.
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Iniciado há um ano, o Lab está em desenvolvimento, segundo Sérgio Xavier: “entre as inovações que estão sendo articuladas para impulsionar a economia na região semiárida (bioma Caatinga / Bacia do São Francisco) está a criação de uma inédita cooperativa de créditos de carbono e uma rede de geração distribuída de energia solar com pequenos produtores rurais, o que visa elevar renda e envolver reflorestamentos para conter processos de desertificação. Também estamos estudando inovações na cadeia do turismo na região do Cânion, na fronteira de Alagoas, Bahia, Sergipe e Pernambuco”.
Segundo suas informações, no momento a fase é de consolidação dos modelos e articulação do envolvimento de parceiros locais. “Mas em breve devemos ter um modelo replicável e de impacto social, ambiental e econômico relevante. Existem várias cadeias econômicas, baseadas nas vocações naturais e humanas da região, que podem ser impulsionadas, para gerar emprego, negócios e, simultaneamente, viabilizar a regeneração da bacia hidrográfica e da Caatinga, que perdeu mais de 7 milhões de hectares de vegetação nativa nas últimas três décadas”, adianta.
“Turismo, Cultura, reflorestamento, mercado de carbono, conservação de água, usos científicos, medicinais e comerciais de espécies nativas com a manutenção da Caatinga de pé; além de geração descentralizada de energia solar, Economia Circular e bioindústrias são algumas das inúmeras possibilidades para regiões pobres do Semiárido. O Lab está focando no desenvolvimento prático de cadeias produtivas nestes diversos eixos”, completa.
Perda de 50% da superfície
de água em três décadas
A Bacia do São Francisco perdeu 50% da superfície de água natural entre 1985 e 2020. Ações humanas geraram um aumento artificial de 13% da superfície de água de reservatórios. As maiores perdas são observadas no Alto e no Baixo São Francisco, 19% e 21% respectivamente.
Os dados são parte do estudo lançado no dia 3 de junho. Somente a ação humana pode ser insuficiente para manter o recurso na região, especialmente se considerados os cenários de redução de chuvas previstos para os próximos anos. “A criação de reservatórios aumenta a superfície de água, no entanto, temos observado uma tendência de perda de água nos principais reservatórios, além da perda de superfície de água natural significativa na Bacia do Rio São Francisco, isso favorece um cenário de crise hídrica”, ressalta Carlos Souza Jr., coordenador do MapBiomas Água.
O estudo mostra como quatro grandes reservatórios apresentam tendência de queda na superfície de água nos últimos 36 anos. A maior das quedas é registrada na hidrelétrica Luiz Gonzaga (antes Itaparica), entre Pernambuco e Bahia, seguida por Sobradinho, Três Marias e Xingó.
“Esses números refletem o que nós podemos ver na prática. A Bacia do São Francisco sofre com o uso intenso e sem planejamento, seja dos recursos hídricos quanto do seu solo. Hoje existem populações que vivem nessa região e que já sofrem com essas variações. Precisamos implementar soluções como a recuperação das áreas degradadas o mais rápido possível, além de promover uma boa gestão dos recursos”, afirma Renato Cunha, coordenador executivo do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá).
A Bacia do São Francisco é a terceira maior do país e corresponde a cerca de 8% do território nacional. Ainda que haja grandes variações entre os anos, a tendência de queda é clara e soma-se a análises anteriores, inclusive do governo federal. Estudo feito em 2013, pela extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, por exemplo, indicava que poderia haver uma perda de até 65% da vazão até 2040, com base no registro de 2005.
Alterações na paisagem
Outros dados do MapBiomas mostram que o uso da terra na bacia se intensificou no período. Atualmente, a cobertura de vegetação nativa nessa área é de 57%, mas chega a somente 30% no Baixo e 37% no Alto São Francisco.
Apesar de haver áreas consolidadas de agricultura e pastagem, a região hidrográfica perdeu 7 milhões de hectares de vegetação nativa nas últimas três décadas para a agropecuária, restando 36,2 milhões de hectares – desses, somente 17% estão em áreas protegidas. As pastagens ocupam 14,8 milhões de hectares e a agricultura, 3,4 milhões. A formação savânica foi a mais atingida, perdendo 4,6 milhões de hectares (14%). Além de Cerrado, outros dois biomas compõem a bacia, Mata Atlântica e Caatinga.
As regiões do Baixo e Submédio São Francisco apresentam as maiores taxas de aumento de áreas de pastagem, 50% e 85% respectivamente. No Médio São Francisco, o destaque é para o aumento de 650% da agricultura, principalmente para a expansão da soja nos últimos anos. Já na região do Alto São Francisco, a silvicultura cresceu 400%.
Esse avanço das atividades agrícolas se manifesta em outros indicadores. O Médio São Francisco registrou quase 2 mil alertas de desmatamento em 2019 e 2020, totalizando aproximadamente 99 mil hectares derrubados. A mesma sub-região mostrou o maior crescimento no número de sistemas de irrigação desde 1985, 1.870%, seguido pelo Alto São Francisco, com 1.586%.
“A bacia do São Francisco está sob pressão, tanto pela agricultura quanto pela geração de energia, que coloca em risco milhares de pessoas que vivem na região”, complementa Washington Rocha, coordenador da equipe Caatinga no MapBiomas.
MapBiomas
Iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, organizações não-governamentais (ONGs) e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil, para buscar a conservação e o manejo sustentável dos recursos naturais, como forma de enfrentamento às mudanças climáticas.
A plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra em um país disponível no mundo. Todos os dados, mapas, método e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa.
Com informações do MapBiomas