A onça-parda (Puma concolor), também conhecida no Brasil por suçuarana, é capaz de sobreviver em áreas extremamente alteradas pelo homem, como pastagens e cultivos agrícolas | Foto: Associação Caatinga

Por Antonio Rocha Magalhães
Economista
Ex-Secretário de Planejamento do Ceará
armagalhaes@gmail.com

Esta estória está contada no livro de Francisco de Assis Sampaio sobre o seu avô, o Capitão Pedro Sampaio, da Fazenda Serra Branca, em Canindé. O capitão, que viveu entre 1866 e 1959, era muito rico, tinha onze fazendas e mais de duas mil cabeças de gado. Ele monopolizava o comércio da região oeste de Canindé, comprava de tudo e vendia de tudo. Era o chefe político do lugar, dono de todos os votos. Se ele mandava votar em alguém, não havia o que discutir. O candidato do Capitão era o melhor e pronto.

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Lembro-me ainda de que meu pai falava muito sobre o Capitão Pedro Sampaio. Nós morávamos em Canindé, na Fazenda Paredão. Todos os fazendeiros se conheciam, tinham se encontrado antes ou, pelo menos, se conheciam de nome. Então meu pai falava sobre o Capitão Pedro Sampaio, sempre como muito poderoso. O que ele de fato era.

Os grandes donos de terra, geralmente capitães ou coronéis (porém não de carreira das Forças Armadas), dividiam entre si o eleitorado. Eles formavam dois partidos, na minha época: a UDN – União Democrática Nacional e o PSD – Partido Social Democrático. O Capitão pertencia à UDN, enquanto o chefe local do PSD era o Coronel Nemésio Cordeiro, que foi prefeito. Os dois, entretanto, se davam bem. Já os eleitores brigavam entre si, se fosse o caso, especialmente em períodos de eleição. Ele era amigo do Governador e de autoridades da Igreja. O arcebispo de Fortaleza se hospedava em sua casa. Ninguém disputava o seu poder.

Eu me lembro muito bem da eleição de 1954, entre Paulo Sarasate (da UDN, apoiado pelo Capitão) e Armando Falcão, do PSD. Nós estávamos do lado do PSD, que era o candidato dos Magalhães. A disputa era acirrada, ninguém ouvia argumentos. Não mudou nada.

Pois bem. O que interessa aqui é o que se passava na cabeça do Capitão. Ele era amigo do Padre Cícero Romão Batista, de Juazeiro do Norte. Como tal, era um defensor do meio ambiente (lembramos que o Padre Cícero tinha uma espécie de cartaz de orientação aos agricultores, em relação a este assunto). O Capitão proibia a caça nas suas terras e pedia que fossem protegidos os animais e as plantas. Foi quando surgiu a grande onça, que todos diziam tinha sua morada no Serrote do Arirão. Ela descia do Serrote do Arirão e se deslocava pela Caatinga, descendo um riacho, à procura de alimento.

A grande onça fazia estragos enormes entre os fazendeiros. Comia bezerros, devorava ovelhas, atacava os currais. E os fazendeiros não conseguiam enfrentá-la. Ela poderia, em uma de suas saídas, devorar novilhas do Capitão. Este, portanto, resolveu fazer uma caçada à onça, apesar das suas preocupações ecológicas. Juntou vários caçadores locais, vários dos seus assessores na Fazenda, e ganharam o mundo, em direção ao Serrote do Arirão. Foi tudo em vão. Voltaram de rabo entre as pernas, a onça enganou a todos. Ela continuou a fazer os seus estragos.

Até que o Capitão reconheceu que deveria buscar ajuda especializada, alguém que já tivesse prática na caçada a onças. Acabou encontrando alguém. Na terceira tentativa, conseguiram matar a onça. Pelo que sabemos, devia ser a última daquela região.

O que aconteceu foi que os fazendeiros invadiram as terras, reduziram os territórios de caça das onças e estas responderam com ameaças às suas criações. Como agir em tal situação, mesmo sendo defensor do meio ambiente? Estavam em jogo as suas criações, o seu dinheiro. O Capitão não tinha problemas com animais pequenos e com pássaros. Por isso, queria protegê-los. Mas com a onça era outra coisa. Ela era uma ameaça ao seu patrimônio.

Foi uma festa quando a onça foi morta. Do seu couro, foi feita uma bela montaria para o Capitão, que a exibiu daí em diante, em seu cavalo lustroso.

Mas aconteceu um problema. A onça tinha uma cria de três meses, uma oncinha pequena. O que fazer com ela? O Capitão a adotou e a criou como animal doméstico (até onde ela pode ser domesticada). Ele sempre teve acesso à sua oncinha, que ficou grande e continuou sendo criada por ele. Como ela tinha grandes unhas e podia ser muito valente, o capitão acabou por fazer-lhe uma grande jaula e colocá-la em um canto do alpendre. Na jaula colocava comida para a onça: pedaços de carnes ou pequenos animais vivos. Um dia, ficou com raiva de uma gata que era criada em casa, porque esta o arranhou. Colocou-a na jaula, para que a onça a comesse. Qual não foi sua surpresa ao descobrir, de manhã, que onça e gata estavam uma em cada canto da jaula, mirando-se. A onça toda arranhada. A gata ofereceu toda resistência possível e conseguiu escapar. Quanta coragem. Daí para a frente, desfrutou um status especial na casa, como a gata que havia enfrentado a onça de igual para igual.

Por via das dúvidas, o Capitão resolveu deixar a gata em paz.

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