Por Vanda Claudino-Sales
Geógrafa
Professora associada aposentada da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Professora visitante da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)
vcs@ufc.br
A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) é um organismo internacional que vem se sobressaindo na identificação, classificação e proteção de locais (os chamados “sítios”) no espaço geográfico global que são importantes para a sociedade e para a integridade do mundo natural, de um ponto de vista mundial ou regional.
Essa importância pode ser considerada sob a perspectiva cultural ou natural. Do ponto de vista natural, a Unesco titula segmentos territoriais como o selo de “Sítios do Patrimônio Mundial Natural”, “Reserva da Biosfera” e “Geoparks”.
As Reservas da Biosfera têm foco na administração harmônica da diversidade biológica e cultural. Os Sítios do Patrimônio Mundial promovem a conservação dos sítios naturais de valor universal excepcional. Os Geoparks Mundiais da Unesco, por sua vez, fornecem reconhecimento internacional a sítios que promovem a importância e o significado da proteção da geodiversidade do Planeta, por meio do envolvimento ativo das comunidades locais.
Segundo a Unesco, um geopark é um território de limites bem definidos, com uma área suficientemente grande para servir de apoio ao desenvolvimento socioeconômico local, a partir da existência de locais e paisagens de significado geológico universal – nesse geológico, inclui-se todo o mundo abiótico, compreendido por rochas, fósseis, relevos, paisagens, solos, águas. Assim, trata-se de um geológico no sentido amplo, complementar à ideia de biológico, que se circunscreve no domínio do meio biótico.
Nessa perspectiva, um geopark deve abranger um determinado número de entidades geológicas de especial importância científica, raridade e beleza, que seja representativa de uma região e da sua história geológica, eventos e processos. Elementos como importância ecológica, arqueológica, histórica e cultural agregam valor ao conceito abiótico (geológico) em torno do qual os geoparks se organizam.
Significado geológico internacional
Geoparks são assim áreas geográficas únicas, onde os locais e paisagens de significado geológico internacional são gerenciados com um conceito holístico de proteção, educação e Desenvolvimento Sustentável (isto é, o desenvolvimento que agrega crescimento econômico com preservação ambiental e justiça social).
Um geopark, na prática, associa, em todos os sentidos, a sociedade humana à Terra, ao celebrar as formas como o Planeta e sua longa história de 4,6 bilhões de anos têm moldado cada aspecto de nossas vidas e de nossas sociedades.
Em adição, os Geoparks Mundiais da Unesco empoderam as comunidades locais e fornecem a elas a oportunidade de desenvolver parcerias coesas, com o objetivo comum de promover os processos, as características e os períodos geológicos relevantes para a área, bem como temas históricos relacionados à história geológica ou à sua beleza geológica/geomorfológica marcante.
A Unesco estabeleceu a política de titulação de geoparks desde 2001. Na atualidade, existem 127 geoparks, estabelecidos em 35 países (UNESCO, 2019). Até recentemente, a maioria dos geoparks mundiais se concentrava na Europa e na China, mas, nos últimos anos, a iniciativa tem se espalhado pelo mundo. Assim, hoje existem Geoparks Mundiais da Unesco ou candidaturas ativas para uma área se tornar Geopark Mundial em todos os continentes.
Geopark Araripe
No Brasil, existe um único geopark – o Geopark Araripe, situado no sul do Estado do Ceará, que desenvolve e protege a região de ocorrência da Bacia do Araripe. A Bacia do Araripe representa uma bacia sedimentar de idade cretácea (120 milhões de anos), a qual guarda uma riqueza ímpar em termos geológicos, paleontológicos e geomorfológicos.
O Geopark Araripe, que engloba parte da bacia, foi o primeiro a ser instalado nas Américas, o que ocorreu em 2006. Outros vieram na sequência, de forma tal que na área relativa à América do Norte e América do Sul, existem na atualidade dez geoparks, distribuídos entre o Canadá, México, Brasil, Peru, Chile e Uruguai. O Canadá concentra o maior número deles (três).
Envolvimento local
Os Geoparks Mundiais da Unesco são estabelecidos por meio de um processo que envolve autoridades locais e regionais e grupos comunitários, proprietários de terra, cientistas e pesquisadores, profissionais de turismo, povos indígenas e organizações locais.
Esse processo requer compromissos firmes por parte das comunidades locais e fortes e múltiplas parcerias com apoio público e político de longo prazo, visando o desenvolvimento de uma estratégia abrangente que promova o crescimento econômico e atinja todos os objetivos das comunidades, enquanto divulga e protege o patrimônio geológico da área.
Geopark Seridó
No Brasil, vários são os movimentos que buscam se organizar no sentido de obter o selo da Unesco enquanto geopark. No Nordeste, existem grupos organizados nesse sentido, mas nenhum alcança o grau de mobilização, articulação e materialização que o chamado “Geopark Seridó”, que abrange parte da área geográfica do Estado do Rio Grande do Norte.
Um dos grandes ativistas em prol da criação do Geopark Seridó é o geólogo e professor do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Marcos Leite Nascimento. Batalhador incansável da causa do Geopark Seridó, o professor já conseguiu transformar em realidade parte dos objetivos de criação de um geopark, de forma tal que muitos nordestinos acreditam que o Geopark Seridó já é um fato consumado. Não é.
A proposta formal foi encaminhada para a Unseco em dezembro passado, mas já se pode dizer: o Geopark Seridó é uma realidade! Tem logomarca, website, guias turísticos, geoprodutos e muita articulação em torno da concretização de propostas de funcionamento efetivo.
E o que é o Geopark Seridó? A área do Projeto Geopark Seridó situa-se no Semiárido nordestino, região centro-sul do Estado do Rio Grande do Norte, envolvendo totalmente os territórios dos municípios de Cerro Corá, Lagoa Nova, Currais Novos, Acari, Carnaúba dos Dantas e Parelhas. A área do Geopark perfaz um total de 2.802 km2.
No território do Projeto Geopark Seridó a economia acha-se estruturada sobre o tripé composto pela pecuária extensiva, agricultura e mineração, esta última baseada na exploração da scheelita, tantalita, berilo e cassiterita. Mais recentemente novas atividades foram introduzidas e/ou ampliadas, tais como a produção leiteira, a modernização e ampliação da caprino-ovinocultura, a atividade ceramista e o desenvolvimento do setor terciário, com destaque para o turismo. A população estimada em 2014 foi de 133.220 habitantes, tendo Currais Novos o maior contingente populacional, com 44.710 habitantes (Geopark Seridó, 2019).
O clima no Geopark Serido é Semiárido, com tendência à aridez em alguns setores, sendo caracterizado por chuvas trazidas pela Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) e pela Massa Equatorial Atlântica, as quais propiciam totais pluviométricos anuais da ordem de 650 mm. A vegetação é caracterizada pelo domínio da Caatinga, que se apresenta com altos índices de xerofilismo, em razão do clima extremamente rigoroso, constituindo os tipos Hiperxerófila e Subdesértica (Geopark Seridó, 2019).
O quadro hidrográfico da região é representado por rios intermitentes, inseridos na Bacia Hidrográfica Piranhas-Açu, contendo os rios Seridó, Acauã e Salgado. Apresenta uma grande variedade de formas de relevo, estando as mesmas esculpidas em rochas sedimentares cretáceas da Bacia Potiguar e terrenos mais antigos do embasamento cristalino (Nascimento e Ferreira, 2014).
São esses dois últimos elementos – relevo e geologia – que emprestam ao Geopark o seu caráter excepcional do ponto de vista abiótico, geológico, de geodiversidade. O caráter excepcional deste patrimônio geológico, a dimensão cultural da região, em conjunto com a biodiversidade, contribuem para a criação de um geopark na área. A região com efeito possui uma riqueza cultural ímpar, com registros do homem pré-histórico demarcado na arte rupestre, além de apresentar grande desenvolvimento de artesanato em minerais e rochas.
Assim, o geopark integra locais de interesse geológico e geomorfológico de especial valor científico, educativo e turístico, conhecido como geossítios. Vinte e um geossítios foram já inventariados. Esses geossitíos têm importância internacional, nacional ou regional, com elevado interesse científico, educativo, turístico, histórico e cultural.
Eles formam um dos mais completos e belos patrimônios geológicos encontrados no Nordeste brasileiro, com destaque para paisagens exuberantes (serras, picos, cânions, platôs) e elementos paleontológicos como fósseis da megafauna pleistocênica (tatus e preguiças gigantes), além de elementos de mineração com grande potencial geoturístico.
Um dos pontos mais visitados do Geopark Serido é o Cânion dos Apertados (Figura 1). Representa uma feição excepcional, pois apresenta um cânion esculpido em um quartzito resistente por um rio efêmero, com baixa capacidade de incisão. O acamamento do quartzito, que foi deformado por ação tectônica e adquiriu posição vertical, contribuiu para que essa dissecação fosse realizada.
Outro geossítio bastante visitado é o do Açude Gargalheira. Além de representar um barramento no canal do Rio Acauã, integrante da bacia hidrográfica do Rio Piranhas-Açu, a área é caracterizada pela presença de pico topográfico modelado em granitos resistentes, de grande beleza cênica. O granito aflora sem a presença de grande quantidade de formações superficiais como solo e vegetação, de forma a criar uma paisagem dramática de grande beleza, propícia para a visitação turística (Figura 2).
Em diversos pontos do Geopark, ocorrem geoformas que inspiram pareidolia (tendência cognitiva de identificação de formas e feições em elementos aleatórios), criando o geofolclore do parque, o qual incentiva a visitação geoturística (Figura 3).
O Geopark Seridó busca realizar o desenvolvimento sustentável por meio de três componentes principais: geoconservação, educação e geoturismo. A geoconservação objetiva proteger o patrimônio geológico para as futuras gerações; a educação promove o estudo das geociências junto às escolas, universidades e centro de visitação, contemplando o público em geral; o geoturismo busca estimular a criação de atividades econômicas tendo como base a geodiversidade e o patrimônio geológico da região, em cooperação com a comunidade local.
Para uma região que apresenta médios índices de desenvolvimento humano, população relativamente numerosa e carente de recursos, a implantação de um projeto de desenvolvimento territorial sustentável, como é o caso de um geoparque, seria uma alternativa de geração de renda, além de um mecanismo de preservação do meio abiótico e de divulgação do rico patrimônio geológico e geomorfológico.
Geopark Seridó, estamos do seu lado! Estamos torcendo para a concretização efetiva dessa proposta de empoderamento social, desenvolvimento econômico e proteção ambiental nesse belo segmento do território regional. Avante!
Referências
Geopark Seridó. www.geoparqueserido.com.br. Acesso em 27 de dezembro de 2019
Nascimento, M.A.L; Ferreira, R.V. (2014). Geoparque Seridó – proposta. IN: CPRM. Geoparks do Brasil – propostas. Brasília, DF
UNESCO. Global Geoparks. http://www.unesco.org/new/en/natural-sciences/environment/earth-sciences/unesco-global-geoparks/. Acesso em 27 de dezembro de 2019
Já fui lá e é muito mais propaganda do que atrativo. Muito mais mesmo. Achei desorganizado, tirando brejuí que já funcionava pra visitação. Corri foi pra Natal, muito mais negócio!!
A região do Seridó é totalmente diferenciado. O povo, as cidades são limpas, ORGANIZAÇÃO é a palavra chave. Economicamente é muito rica, você pega uma cidade como CURRAIS NOVOS RN com quase 50 mil habitantes, um flutuante em torno de 350 pessoas. Tudo funciona bem, modernidade, para que não está nem no Brasil. O GEOPARQUE SERIDÓ vai agregar valores ao turismo, economia, cultura. Mas fluxo de pessoas é muito grande, CURRAIS NOVOS RN é das cidades que mais tem festa e uma gastronomia local e internacional, onde se come melhor no estado RN