Esta é a sexta e última de uma série de matérias produzidas pela Eco Nordeste a partir da participação na Brazil Energy Conference, em Teresina

No coração do semiárido brasileiro, uma revolução silenciosa avança com a exploração da potência solar, eólica e agora também com investimentos estratégicos em hidrogênio verde. Somente em 2023, o Banco do Nordeste destinou R$ 10 bilhões a projetos de energias renováveis, com apoio desde empreendimentos de larga escala até a instalação de mini e microgeradores em áreas rurais e comunidades tradicionais. Ao todo, a carteira histórica do Banco já soma mais de R$ 37 bilhões investidos em projetos de geração renovável, com forte presença nos nove estados nordestinos e no norte de Minas Gerais e do Espírito Santo.
Em entrevista exclusiva à Eco Nordeste, o superintendente de Negócios de Atacado do Banco do Nordeste, Emiliano Portela, destacou que a transição energética na região precisa ser, ao mesmo tempo, econômica, ambiental e socialmente justa. “O Banco tem linhas específicas como o FNE Sol, voltadas para pessoas físicas, produtores rurais e microempresas. A intenção é garantir que a energia renovável não seja privilégio das grandes empresas, mas também ferramenta de inclusão para quilombolas, ribeirinhos e povos indígenas”, afirmou.
Além do financiamento, o Banco atua na mitigação de impactos ambientais e sociais associados aos grandes projetos. “Reconhecemos que, mesmo sendo limpa, a produção de energia pode causar desequilíbrios se não houver diálogo com os territórios. Por isso, promovemos práticas de governança adaptativa e escuta comunitária”, destacou Emiliano.
Investimentos
A dimensão estratégica desses investimentos foi o tema central do painel “Investindo na Revolução Verde: o papel das grandes empresas de energia renovável na atração de capital para o setor em projetos de larga escala no Brasil”, realizado durante a Brazil Energy Conference 2025, em Teresina, no Piauí, que reuniu nomes de peso do mercado financeiro e do setor energético para discutir o futuro da matriz renovável brasileira.
Samuel Oliveira, sócio da Northstone e um dos fundadores da VOGA (Empresa de Investimentos local adquirida pelo Banco Indusval & Partners), apontou que os desafios não estão apenas na geração, mas também na modernização do sistema de transmissão e armazenamento de energia, gargalo que ainda limita o pleno aproveitamento do potencial solar e eólico do Nordeste. Ele lembrou que “não basta gerar energia, é preciso garantir infraestrutura para integrá-la ao sistema nacional, com segurança jurídica, eficiência regulatória e uso intensivo de tecnologia”.
Já Guilherme Hug, sócio da Fuse Capital e da Transfero, reforçou a importância do Banco Central como agente de inovação ao criar o PIX e impulsionar a inclusão digital. “Foram 72 milhões de brasileiros digitalizados e 4 milhões de fintechs viabilizadas porque o sistema ficou mais barato e mais justo. O próximo passo é a programabilidade da moeda e a tokenização de ativos, inclusive no setor de energia. Isso reduz a dependência dos grandes intermediários e abre espaço para novos players e fontes de financiamento descentralizadas”, defendeu.
Desafios estruturais
Alguns gargalos ainda dificultam a expansão das energias renováveis no Brasil, especialmente no Nordeste. Um dos principais entraves é a falta de linhas de transmissão para escoar a energia produzida em áreas remotas até os grandes centros de consumo.
Para Hug, esse problema está diretamente ligado à previsibilidade regulatória e ao custo do capital no País. “Com CDI acima de 13% ao ano, é difícil atrair investimento em infraestrutura de longo prazo com retorno baixo como o da transmissão. Isso força o Brasil a buscar capital externo, como o chinês, que não necessariamente é o melhor em termos de governança e retorno social”, criticou.
Samuel Oliveira complementou com uma análise técnica sobre a evolução do setor: “o modelo hidrelétrico verticalizado ficou no passado. Hoje precisamos de adensamento de subestações, interligação de sistemas isolados e investimentos consistentes, como os que estão sendo feitos pela State Grid, que deve antecipar a entrega de obras de repotencialização de linhas no Nordeste”. Segundo ele, a duplicação da capacidade de transmissão prevista para 2027 será crucial para destravar novos projetos eólicos e solares.
Em um momento de convergência entre energia e tecnologia, Oliveira lembrou que a infraestrutura por trás de uma simples transação via PIX – como a compra de um sorvete no meio do mar, usando celular – depende de uma cadeia complexa que envolve data centers, conectividade, redes elétricas e segurança digital. “Esse é o princípio do custo marginal de desenvolvimento: hoje você consegue criar soluções com pouco capital porque a infraestrutura já existe. Mas alguém precisa investir nela, e esse alguém pode ser um banco público, como o BNB, ou empresas que apostam no longo prazo”, afirmou.
Protagonismo do Piauí
Welson Oliveira, diretor jurídico da Associação Brasileira de Desenvolvedores de Computação de Alto Desempenho e Computação Especializada, provocou os debatedores a avaliarem o potencial do Piauí na nova matriz energética brasileira. Ambos foram unânimes em reconhecer o Estado como protagonista na produção de energia renovável, com vantagens competitivas que incluem sol e vento em abundância, disponibilidade de terras, infraestrutura crescente e, sobretudo, vontade política para estruturar projetos de grande porte.
Guilherme Hug reforçou que o Piauí reúne condições únicas para se tornar um polo estratégico da revolução energética no Brasil: “aqui, temos uma combinação rara de recursos naturais, ambiente regulatório em evolução e um ecossistema de inovação que pode atrair capital de longo prazo, seja público ou privado. É o tipo de lugar onde grandes projetos podem ser desenhados com previsibilidade e impacto social real”.
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* A repórter acompanhou a Brazil Energy Conference a convite dos organizadores do evento