Mulheres revalorizam artesanato com carnaúba

A imagem mostra quatro mulheres reunidas em um ambiente interno. Elas estão cercadas por cestos e artesanatos feitos de palha de carnaúba. À frente delas, há uma cesta cheia de matéria-prima (palha de carnaúba). O ambiente é simples e transmite a ideia de preservação cultural e trabalho em equipe. Uma das mulheres segura um cesto artesanal, representando o produto final de suas habilidades.
A atividade tem sido reconhecida e já acessa novos mercados. Na foto, da esquerda para direita, Salviana, Fatinha, Cleide e Erenilde | Foto: Andréa Crisóstomo

Em meio ao calor do litoral cearense, nas comunidades de Jirau e Cabreiro, em Aracati, no litoral leste do Ceará, um produto tradicional da região, a palha de carnaúba, tem sido o motor de transformação social e econômica na vida das mulheres. Por meio do Projeto Carnaúba e Desenvolvimento Sustentável, o artesanato local, feito com a palha dessa planta conhecida como a árvore da vida, tem permitido que mulheres como Maria Helena e Maria de Fátima, não apenas preservem uma herança cultural, mas também escrevam novas histórias de empoderamento e sucesso.

A carnaúba, intitulada como “árvore da vida” por seus inúmeros benefícios, ficou mundialmente conhecida pela cera extraída de suas folhas e vai além do que a produção tradicional pode oferecer. A palha da planta, utilizada no artesanato, representa um meio de sustento e um caminho para a valorização do trabalho feminino. É nesse contexto que se inserem as histórias dessas mulheres que, com esforço e criatividade, desafiam as dificuldades econômicas e sociais da região.

Tradição que transforma vidas

A imagem retrata uma mulher sentada em uma cadeira de plástico roxa, concentrada no processo artesanal de trançar palha de carnaúba. Ela utiliza as mãos para entrelaçar as fibras naturais, formando um objeto circular. À sua frente, há peças prontas, como cestos de diferentes tamanhos e formatos, feitos com a mesma técnica. O fundo mostra uma parede de tijolos aparentes e hastes de palha encostadas, enquanto à esquerda há indícios de vegetação.
Dona Boba conquistou a reforma e melhoria de sua casa com as vendas dos artesanatos e agora sonha em comprar seu próprio carro | Foto: Andréa Crisóstomo

Maria Helena, mais conhecida como Dona Boba, é um ícone dessa revolução causada pelas palhas das carnaubeiras. Ela que conquistou a reforma e melhoria de sua casa com as vendas dos artesanatos, agora sonha em comprar seu próprio carro. Desde os cinco anos de idade, a artesã aprendeu a trabalhar com a palha de carnaúba, um ofício passado de geração em geração. “Minha avó me ensinou, depois minha mãe, e agora compartilho com meus filhos”, revela emocionada.

Para Dona Boba, o artesanato não é apenas uma atividade, mas uma forma de dar dignidade e oportunidades para outras mulheres. Ela se orgulha do sucesso da Associação dos Moradores do Serrote e Adjacências, criada com o objetivo de organizar o trabalho e expandir as oportunidades para os artesãos da região.

Com o apoio do projeto, as mulheres de Jirau e Cabreiro têm se destacado nas feiras e eventos, e Dona Boba não é apenas uma artesã, mas uma mentora, que se dedica a inspirar outras mulheres. “Vejo meu papel como o de alguém que ajuda as artesãs a acreditarem em seu potencial. Promovemos encontros e trocas de saberes, fortalecemos a nossa união”, explica.

A visibilidade adquirida pelas artesãs por meio do projeto também tem contribuído para o crescimento das vendas. “Recebemos visitas de lojistas de São Paulo que vêm conhecer o nosso trabalho, gravam vídeos e divulgam nas lojas, e com isso o interesse só cresce. Isso abriu portas para as artesãs da nossa comunidade”, conta Dona Boba, que celebra a conquista de sua casa própria, um sonho realizado com o lucro das feiras e das vendas.

Capacitação e inovação

O Projeto Carnaúba e Desenvolvimento Sustentável, uma parceria entre a GIZ Brasil, as empresas Brasil Ceras, Foncepi, Pontes e a marca Catarina Mina, tem sido essencial para fortalecer o trabalho das artesãs e inserir os produtos no mercado competitivo, tanto nacional quanto internacional.

Entre dezembro de 2023 e junho de 2024, cerca de 40 mulheres de Jirau e Cabreiro receberam capacitação em design e novas técnicas de produção, além de aprender a usar tecnologias inovadoras, como os QR-Codes, que conectam os produtos diretamente ao site da Catarina Mina, e aumentam as oportunidades de comercialização.

Celina Hissa, idealizadora da Catarina Mina, destaca a importância dessa iniciativa: “nosso trabalho é focado na geração de renda, valorização do talento das mulheres dessas comunidades. Combinamos tradição e inovação, e isso abriu portas para as artesãs em mercados exigentes”.

A marca, que tem se destacado no cenário da moda sustentável, já levou as peças feitas com palha de carnaúba até as passarelas do São Paulo Fashion Week, um feito considerável para artesãos de regiões tão remotas.

Além das capacitações, as mulheres aprenderam a inserir seus produtos em mercados mais exigentes, como o de moda e decoração. “Trabalhamos com design, empreendedorismo e marketing. Hoje, elas não apenas fazem artesanato, mas são empreendedoras, com uma nova visão sobre seu trabalho e seu potencial”, explica Daniella Milério, da Catarina Mina.

Autonomia econômica

O impacto do projeto vai além da simples criação de produtos. Ele promove uma verdadeira mudança de mentalidade nas comunidades, onde a produção com palha de carnaúba tem dado à mulher uma fonte de renda mais estável e segura. “Antes, as mulheres não tinham nem ideia do potencial do que poderiam fazer com a palha de carnaúba. Agora, elas se veem como empresárias, capazes de gerir seus próprios negócios”, observa Bruno Filizola, assessor técnico da GIZ Brasil.

Bruno acrescenta que o projeto também contribuiu para a diminuição da dependência das famílias em relação à renda sazonal da extração da palha para cera. “Ao incluir o artesanato na cadeia produtiva, conseguimos gerar uma renda alternativa, que impacta diretamente na qualidade de vida das famílias”, explica.

A mudança de autoestima e confiança é visível nas palavras de Fatinha, que hoje é reconhecida como multiplicadora das técnicas de artesanato com palha de carnaúba. Ela é um exemplo de transformação pessoal e coletiva. “Aprender e ensinar técnicas de artesanato foi mais do que um simples trabalho. Foi um processo de descoberta e transformação. Hoje, posso dizer que mudei minha vida e a vida de muitas outras mulheres”, afirma.

Conexão com o mundo

O uso de tecnologia para conectar as artesãs com os consumidores é uma inovação significativa. A implementação dos QR-Codes nos produtos tem permitido que os consumidores acessem informações sobre a origem dos produtos e a história das artesãs, de forma a criar uma conexão mais profunda e valorizar o trabalho realizado. “Essa tecnologia trouxe mais visibilidade ao nosso trabalho. Agora, as pessoas sabem quem somos e o que fazemos, o que torna nossos produtos ainda mais especiais”, afirma dona Boba.

Os desafios para inserir as mulheres de Jirau e Cabreiro no mercado competitivo da moda e do design não são pequenos, especialmente em um cenário onde o trabalho artesanal é frequentemente desvalorizado. A Catarina Mina tem sido uma parceira fundamental, ao capacitar as artesãs, conectá-las a novos mercados e garantir que seus produtos sejam reconhecidos. “Nosso papel é dar visibilidade ao artesanato, mostrar sua importância e garantir que o trabalho dessas mulheres tenha o valor que merece”, conclui Daniella Milério.

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