Mobilização alerta sobre desmonte de duna em Icaraí de Amontada

Máquinas e tratores avançam na área sem nenhuma placa oficial que autorize o desmonte

Amontada – CE. Fora do badalado circuito turístico da costa cearense, Icaraí de Amontada, no Litoral Oeste do Estado, a 167 quilômetros de Fortaleza, é uma vila de pescadores considerada daqueles destinos turísticos procurados por quem deseja paz e harmonia com a natureza. Mas seus moradores estão assustados com tratores que avançam sobre duna sem que haja nenhuma placa oficial que autorize a obra.

Na última sexta-feira, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio do Promotoria da Comarca de Amontada, abriu o Procedimento Administrativo Nº 09.2020.00002256-8, a partir da notícia-crime oferecida pelo presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Estado do Ceará (OAB-CE), João Alfredo Telles Melo, por meio do Centro de Apoio Operacional de Proteção à Ecologia, Meio Ambiente, Urbanismo, Paisagismo e Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Ministério Público do Estado do Ceará (Caomace).

O objetivo é apurar os fatos. Estão sendo oficiadas a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) e a Autarquia de Meio Ambiente de Amontada (Amana) para realização de perícia técnica para verificar o grau de lesividade da duna, requisitar diligências ao Batalhão de Policiamento Ambiental (BPMA) para impedir crimes ambientais e, após reunir os laudos periciais, remeter os autos para abertura de inquérito policial.

Parecer Técnico

Também atendendo pedido da Comissão de Direito Ambiental da OAB-CE, a geógrafa, professora associada aposentada da Universidade Federal do Ceará (UFC) e professora visitante da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Vanda Claudino-Sales, elaborou o parecer técnico “Os Eolianitos (‘cascudos’) do Litoral Oeste do Estado do Ceará: a destruição em Icaraí de Amontada”.

A pesquisadora explica que as dunas cimentadas, conhecidas cientificamente como eolianitos e popularmente como cascudos, resultam de “situação particular ocorrida no segmento oeste da zona costeira cearense em tempo geológico passado, mas recente, em cujo intervalo ocorreu uma regressão marinha, durante a qual os ventos atuaram intensamente, de maneira a remover os carbonatos biogênicos da plataforma continental em direção ao continente. Ali se acumularam, junto com areias quartzosas, na forma de dunas. Elas foram estabilizadas e, na seqüência, cimentadas, e atualmente encontram-se em processo de erosão, formando os cascudos”.

“Essas geoformas apresentam grande potencial para indicar as condições climáticas e geológicas existentes no passado geológico nas suas áreas de ocorrência (por exemplo, as areias que formaram os eolianitos parecem ter sido transportadas por ventos que partiam de sudeste em direção a noroeste). O conhecimento acumulado acerca da dinâmica pretérita contribui para a compreensão dos processos atuais, bem como também auxilia na previsão de cenários futuros”, informa.

Destaca, ainda, que, considerando-se o grau de degradação ambiental que os cascudos sofrem na atualidade, o conhecimento de tais fatos e como conservar essas feições mostram-se de grande importância. “O caráter frágil dos eolianitos é demonstrado pela suscetibilidade à erosão eólica e à ação antropogênica que eles apresentam. A necessidade da preservação também é indicada pelo fato de existirem inúmeras ocorrências de interesse arqueológico, tais como fogueiras e fragmentos cerâmicos e líticos em geral a eles associados”, relata.

Vanda ressalta, também, que, em função da importância dessa unidade geoambiental, o Plano Estadual do Gerenciamento Costeiro do Ceará transforma, no seu Art.15, os eolianitos como feição de preservação permanente, no âmbito do território do Estado do Ceará. “Apesar dos avanços legais, é necessário implantar medidas concretas para sua preservação, dependentes de estudos específicos que possam definir métodos de proteção contra a erosão e especialmente, contra o avanço da urbanização, da ocupação ilegal e da construção destrutiva, assim como medidas que envolvam o interesse das comunidades situadas no entorno dessas geoformas”, frisa.

‘Lembram ruínas’

“Uma vez cimentados os pacotes eólicos, o vento, agente natural incansável, começou a erodi-los, fato que se processa até hoje. Nesse contínuo desgaste provocado pelo vento – ao qual as dunas cimentadas impuseram certa resistência – surgiram formas curiosas, que lembram ruínas de construções antigas, caracterizando assim o relevo ‘ruiniforme’ exibido pelos eolianitos. Os eolianitos são, assim, recentes, se colocarmos em análise a longa história evolutiva da Terra, de cerca de 4,6 bilhões de anos. Mas eles são, por outro lado, antigos quando comparados às brancas dunas móveis atuais que os circundam e que caracterizam o litoral do Estado do Ceará”, relata a professora Vanda.

“A crescente ocupação e urbanização do litoral do Estado do Ceará, que vem se dando de forma extremamente danosa ao meio ambiente, em função inclusive da recente flexibilização da legislação ambiental decretada pelo Governo do Estado, vem colocando em risco a continuidade da existência das dunas de forma geral e de eoalinitos de forma particular”, alerta.

“Aliás, a se considerar o Plano de Gestão Costeira do Estado do Ceará, que considera que essas feições devem ser preservadas, nenhuma atividade destrutiva deveria ser instrumentalizada no campo de eolianitos do Estado. Dessa forma, é urgente que as autoridades tomem medidas no sentido de coibir a atividade, como forma de impedir não apenas a destruição desse duna cimentada em particular, mas também como forma de explicitar e exemplificar a intervenção legal no sentido de garantir a preservação e integridade dessas feições ao longo de toda a área em que ocorrem”, conclui a pesquisadora.

Responsabilidade desconhecida

O titular da Secretaria de Meio Ambiente (Sema), Artur Bruno, afirmou que falou com o Comandante do BPMA, tenente-coronel PM Fábio Lessandro e esse disse que quando esteve lá, na terça-feira da semana passada, não havia mais máquinas nem ninguém no local.

“A Polícia não conseguiu identificar quem tinha praticado os atos. Em contato com a Secretaria de Meio Ambiente de Amontada, fomos informados que o ente municipal já está apurando a situação. Solicitamos um relatório e estamos aguardando. Ainda não fomos informados sobre a continuidade da Infração ou sobre a autoria. Temos um suspeito mas não conseguimos provas da autoria ainda. Continuamos alerta. Caso haja qualquer fato novo a Polícia Ambiental retornará ao local”, completou.

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