O Dia da Terra foi pensado para estimular uma consciência comum sobre os danos que a atividade humana vem causando ao equilíbrio planetário. A ideia foi lançada pelo senador norte-americano Gaylord Nelson, em 1970. A data, no entanto, não era reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) até 2009, quando instituiu o Dia Internacional da Mãe Terra, celebrado a cada 22 de abril.
Para este 22 de abril de 2021, convidamos dois professores pesquisadores doutores de duas diferentes áreas das Ciências Naturais, já aposentados, para uma reflexão sobre o Planeta e o ser humano: Aristotelino Monteiro Ferreira que criou o Curso de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); e Jurandyr Luciano Sanches Ross, que foi professor titular de Geografia da Universidade de São Paulo (USP).
“A interferência humana sobre a Terra se deu em estágios. Inicialmente, no alvorecer da espécie sapiens, nosso impacto era localizado e temporizado, devido ao estilo de vida nômade de caçador coletor. Com o advento do fogo, da linguagem estruturada e da agropecuária, o homo sapiens foi concentrando-se em comunidades mais estáveis no tempo e no espaço, o que mudou a natureza do impacto, tornando-o mais concentrado, com produção de resíduos cumulativa“, lembra o professor Aristotelino.
Ele prossegue destacando que o ser humano “foi desenvolvendo-se em direção à aglomeração e ao aumento vertiginoso das populações, adquirindo caráter pandêmico, espalhando-se paulatinamente por todas as terras emersas. A subtração de recursos não renováveis intensificou-se de maneira jamais vista, assim como a produção de resíduos“.
Esse processo teve consequências: “mudamos intensamente a paisagem planetária. O resultado de tudo isso foi uma alteração na dinâmica espacial, energética, hidrodinâmica, geológica, biológica e ecológica do Planeta. A civilização humana e sua interferência suscitaram a criação de uma época geológica denominada Antropoceno. A época Antropoceno é o reconhecimento do advento humano na Terra, não só alterando a litosfera, hidrosfera, atmosfera e biosfera, mas também trazendo desequilíbrios com desdobramentos que levam a uma insustentabilidade cuja principal vítima será a própria humanidade”.
Equilíbrio ilusório
“A Terra é um planeta complexo porque se compõe de estruturas sólidas, mas que se movimentam; materiais fluidos (ar e água) que estão em todas as partes do Planeta; de seres vivos (animais e vegetais) que evoluem no tempo e no espaço; desaparecendo espécies e aparecendo outras. A vida é a parte mais frágil do Planeta. Há momentos na história geológica em que as condições favoreceram o desenvolvimento da vida e há rupturas em que grande parte dos seres vivos desapareceram: vulcanismo intenso, choque de meteoritos, explosões solares. Portanto, a noção de equilíbrio, em que tudo parece funcionar em harmonia, é ilusória. Os humanos são partes significantes desse processo porque são 7.4 bilhões de predadores vorazes e incontroláveis“. Essa dura reflexão é do professor Jurandyr.
Existência humana
Considerando a evolução natural, a atual geração tem motivos para se preocupar com a sua existência? Na opinião do professor Aristotelino, não e sim: “não porque, apesar do recrudescimento da disponibilidade de recursos e da intensificação dos extremos climáticos, a atual geração não corre riscos imediatos de comprometimento existencial. Todavia, no médio e longo prazo as condições planetárias dificultarão a sobrevida, quando populações litorâneas serão afastadas para o interior, devido ao aumento do nível dos mares e as populações interioranas sofrerão com o aumento de temperatura, com a consequente alteração na produtividade humana e agrícola, gerando instabilidades sociais difíceis de ser administradas.
Já o professor Jurandir, acredita que a a geração atual tem motivos sim para se preocupar, “porque nós, os humanos, somos muito expertos para nos apropriarmos dos recursos, mas praticamente incontroláveis e estúpidos para conservar os bens naturais”.
Dá para mudar?
“Precisamos mudar nosso estilo de vida, baseado no consumo, na aparência e na ostentação. De fato, por detrás da exploração desenfreada de recursos e produção de resíduos e gases estufa, está a demanda consumista civilizacional. Muitos apregoam que a inteligência humana encontrará as soluções tecnológicas que mitigarão nossos problemas ambientais. O problema é que, mesmo que isso venha a ocorrer, corremos contra o tempo. As mudanças globais já estão ocorrendo e a exaustão dos mecanismos homeostáticos da Terra já é uma realidade. Vamos pagar pra ver?, questiona o professor Aristotelino.
O Planeta Continua
“Os humanos não têm salvação. Um dia vão ser instintos. Não viemos para sermos eternos. ‘Somos eternos enquanto durarmos’. O Planeta está salvo porque as forças naturais são muito mais potentes do que qualquer ação que fizermos para destruir ou para conservar. O problema maior não é o Planeta estar sendo destruído. Ele está sendo espoliado. Quando cessarem as atividades humanas, o Planeta se recompõe sobre outras bases. A natureza passa por forte pressão pelas atividades humanas e isso não vai cessar. Mas pode-se dar ‘tempo e trégua’ para que esta se recomponha parcialmente. Vejo isso como uma grande utopia. Mas, nem por isso temos que desistir de cuidar das nossas sujeiras e abusos”, finaliza o professor Jurandyr com precisão.