‘Beach Squeeze’: um desafio crescente nas praias urbanas

Foto de uma praia com faixa de areia larga e clara, banhada por águas calmas. À sua frente, uma enorme duna, de coloração e textura diferente, desce por uma encosta verde, cercada por vegetação densa e algumas construções à beira-mar
Areias litorâneas de diferentes matizes na Praia de Ponta Negra e Duna Morro do Careca, em Natal | Foto: Marco Túlio Mendonça Diniz

O termo “beach squeeze” – literalmente, “praia espremida”, como definido por Pontee (2013) – refere-se ao fenômeno em que as praias urbanas enfrentam a diminuição de sua área devido à combinação de fatores naturais e humanos, como a elevação do nível do mar, a erosão costeira e a urbanização desenfreada. Esse conceito é essencial para compreender a atual crise que afeta muitas áreas costeiras ao redor do mundo, incluindo várias cidades brasileiras (O Globo, 06/04/2025).

Efetivamente, muitas praias estão sendo severamente afetadas pela erosão. A erosão primordial hoje em dia é causada pelo aumento do nível do mar, associado às mudanças climáticas, o que resulta na submersão de áreas costeiras. Esse fenômeno é particularmente visível em praias que têm baixa elevação, e o resultado é que a areia e o espaço da praia estão sendo cada vez mais reduzidos.

A erosão resultante das mudanças climáticas vem sendo acelerada por atividades humanas nas zonas costeiras, as quais interferem nos processos naturais de sedimentação. Pois o crescimento das cidades costeiras leva à construção de edifícios e estruturas próximas à linha da costa, limitando a extensão das praias. Projetos de engenharia, como a construção de quebra-mares e piers, também alteram a dinâmica das correntes marinhas e a distribuição de areia, contribuindo para a erosão nas praias adjacentes.

A consequência mais visível do “beach squeeze” é a perda de área das praias para recreação, turismo e outras atividades ao ar livre, o que afeta diretamente a qualidade de vida da população local e a economia baseada no turismo. Mas o “beach squeeze” pode prejudicar também os ecossistemas costeiros: a substituição de áreas naturais por concreto e infraestrutura diminui a biodiversidade, afeta habitats marinhos e prejudica a saúde dos ecossistemas locais.

Problemas associados

Um dado complexo do estrangulamento de praias são os conflitos sociais que o fenômeno cria. Pois na medida em que a área das praias diminui, surgem dificuldades para a gestão desse espaço público. A pressão da especulação imobiliária que se exerce sobre as praias urbanas pode levar a tensões com pescadores e comunidades tradicionais, moradores e turistas. Um dado é contundente: com a perda de áreas de amortecimento natural, como dunas e manguezais, as comunidades costeiras passam a ficar extremamente vulneráveis, estando sujeitas a desastres naturais, como tempestades e alagamentos, além da perda de espaços de convivência e subsistência cotidiana.

Uma prática crescente no Brasil para enfrentar esse problema vem sendo a engorda artificial de praias, que representa alimentação de praias por areias trazidas de outros compartimentos da zona costeira e litorânea. Trata-se de uma técnica de engenharia costeira que visa aumentar a largura das praias por meio de depósito de areia, e tem sido uma solução cada vez mais utilizada nacionalmente, a título de minimizar a erosão marinha e melhorar a infraestrutura turística (Figura 1).

Foto de uma praia clara com mar azul-turquesa, onde há um longo quebra-mar de pedras que avança sobre o mar. À frente, uma área de obras com tubos e uma escavadeira contrasta com a paisagem natural
Figura 1. Máquinas e tubulações na faixa de praia da Avenida Beira-Mar, em Fortaleza, em 2023, realizando engorda do perfil litorâneo | Foto: Adely Pereira Silveira (2023)

Apesar de seus benefícios, essa prática levanta questões ambientais, sociais e econômicas que precisam ser analisadas criticamente. A estratégia pode parecer uma solução pragmática para a preservação de áreas turísticas e urbanas, mas é fundamental analisá-la sob uma perspectiva crítica, considerando seus impactos.

A princípio, a engorda de praias é apresentada como uma solução eficaz para uma série de problemas: erosão costeira, diminuição da área útil das praias, e a necessidade de revitalização de zonas turísticas. Em cidades como Fortaleza, Natal e Balneário Camboriú, a engorda tem sido promovida como um meio de recuperar a beleza estética das praias e estimular o turismo. Com um litoral vasto e uma economia que depende fortemente do setor turístico, as administrações locais têm optado por intervenções que, embora custosas, parecem oferecer um retorno rápido em forma de aumento no fluxo de visitantes e geração de emprego.

Entretanto, os custos ambientais da engorda de praias são frequentemente subestimados. A movimentação de areia gera alterações significativas na dinâmica ecológica local. Por exemplo, a extração de areia pode resultar na destruição de habitats marinhos, afetando a fauna e flora costeira. Além disso, a reposição de areia pode introduzir sedimentos que não correspondem à composição original da praia, alterando suas características físicas e biológicas (figura 2).

Foto de uma praia urbana ampla, com muitas fileiras de guarda-sóis coloridos e pessoas espalhadas pela areia. Ao fundo, há uma cidade com vários prédios altos próximos à orla
Figura 2. Engorda de praia em Ponta Grossa, Natal, finalizada no segundo semestre de 2024. A atividade recebeu muitas críticas por parte de usuários e ambientalistas, que reclamam da qualidade inadequada das areias usadas para recompor e ampliar a praia, bem como da ausência de solução de drenagem adequada (e.g. O Globo, 24.09.2023, O Globo, 04.02.2025) | Foto: Marco Tulio Mendonça Diniz

Além disso, a engorda de praias pode exacerbar a erosão em áreas adjacentes, uma vez que pode alterar o padrão das correntes marítimas, eventualmente levando a um ciclo de intervenções contínuas que, em última análise, podem resultar em um custo ambiental e financeiro elevado.

Os impactos sociais da engorda de praias também não podem ser desconsiderados. Muitas vezes, os projetos de engorda visam unicamente os interesses do turismo e da indústria imobiliária, deixando de lado as necessidades das comunidades locais, resultando com frequência na desapropriação de moradores, que são deslocados em prol de áreas turísticas mais “atrativas” para os visitantes, ou podem até simplesmente colocar-se na forma de proibição de acesso às praias, o que dificulta a subsistência de setores consideráveis da população.

As contradições são palpáveis. Embora aumente o espaço para o turismo, a engorda pode ser vista também como uma forma de “maquiar” problemas estruturais e ambientais maiores que afetam a costa brasileira como um todo. A pressão para manter a beleza das praias pode levar a ações de contenção que não abordam o problema da erosão e da poluição de forma integrada, apenas aliviam sintomas e não as causas. Em Fortaleza, por exemplo, a requalificação da Avenida Beira-Mar não resolveu o problema da poluição das águas de riacho que desagua no Atlântico, bem como de esgotos que alcançam diretamente o Oceano.

Caminhos para soluções

Assim, os impactos ambientais, os custos sociais e a necessidade de soluções sustentáveis devem estar no centro das discussões sobre gestão costeira. Uma boa gestão costeira no Brasil depende também de um diálogo contínuo entre todos os agentes e atores sociais envolvidos, incluindo governantes, empresários, cientistas, ambientalistas e comunidade, para garantir que as intervenções sejam sustentáveis e considerem as necessidades de todos os cidadãos.

É fundamental, por exemplo, considerar alternativas que promovam a conservação e a recuperação dos ecossistemas costeiros. Estratégias de gestão costeira que priorizem a restauração da vegetação nativa, a criação de áreas de proteção ambiental e uma exploração não predatória e sustentável dos recursos marinhos podem gerar benefícios a longo prazo, tanto para o meio ambiente quanto para as comunidades costeiras.

Efetivamente, a discussão em torno do “beach squeeze” deve considerar alternativas sustentáveis que protejam o litoral sem recorrer à simples reposição de areia. As experiências de Fortaleza, Natal e Balneário Camboriú (figuras 3 e 4), inclusive, devem ser analisadas, para que seja possível criar políticas públicas que busquem um equilíbrio entre desenvolvimento turístico e preservação ambiental.

A foto mostra uma longa faixa de praia com areia clara e mar azul, com uma cidade ao lado, repleta de prédios altos ao longo da orla. Há quebra-mares de pedras entrando no mar e poucos guarda-sóis espalhados na areia
Figura 3. Engorda de praia em Fortaleza, finalizada em 2023. Embora seja um projeto tecnicamente impecável do ponto de vista do controle da erosão (Silveira, 2025), tem um problema estrutural desolador: a engorda deixou a praia topograficamente muito elevada, de forma a se perder o horizonte marinho a partir da avenida e calçadão adjacentes. Assim, não se vê mais o mar da Avenida Beira-Mar | Foto: Adely Pereira Silveira

Além disso, propostas de mobilização comunitária e educação ambiental são essenciais para que a população compreenda a importância da preservação dos ecossistemas e participe ativamente na defesa de suas praias. Investir em pesquisas científicas que explorem os efeitos a longo prazo da engorda de praias e que avaliem as condições específicas de cada local é crucial para a elaboração de políticas mais efetivas e menos destrutivas.

Parece que o verdadeiro desafio é encontrar um equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental, de forma a garantir que as intervenções realizadas hoje não comprometam o futuro da nossa zona costeira e das comunidades que delas dependem. A discussão deve evoluir para além das soluções convencionais e buscar um entendimento mais profundo e integrador dos problemas litorâneos, priorizar o uso coletivo e sustentável de nossas praias.

Foto de uma praia muito larga, com areia fofa que se estende até encontrar o mar calmo. À sua esquerda, uma fileira de prédios altíssimos forma uma densa parede urbana que acompanha toda a orla
Figura 4. Praia de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, que passou por engorda em 2021, e, em menos de dois anos, apresentou problemas sérios de perda de areias, com erosão agressiva (O Globo, 26/03/2023) | Foto: Marlon Roxo Madeira (2025)

Efetivamente, ao invés de uma abordagem puramente técnica para resolver a erosão, é essencial que se busque uma solução integrada que respeite e conserve os ecossistemas locais, assegure que a riqueza das praias brasileiras não seja apenas um atrativo momentâneo, mas um legado duradouro para as futuras gerações. A continuidade da engorda de praias deve ser acompanhada de estudos rigorosos e monitoramento constante, para evitar que os eventuais benefícios sejam superados pelos danos causados à natureza e às comunidades costeiras.

As cidades precisam adotar práticas de planejamento urbano que respeitem as dinâmicas naturais das zonas costeiras! Vamos, então, defender e cobrar a defesa de nossas praias antes que elas sejam espremidas em permanência, em todos os sentidos possíveis e palpáveis!

Referências

O Globo (06/04/2025). Sol, mar e muitas queixas: ocupação desordenada da areia e do calçadão na Praia da Barra preocupa moradores e ambientalistas. Rio de Janeiro.

O Globo (04/02/2025). Falhas na obra de engorda da Praia de Ponta Grossa. https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2025/02/27/engorda-de-ponta-negra-defesa-civil-nacional-aponta-falhas-na-obra-e-descumprimento-da-licenca-de-operacao.ghtm.

O Globo (23/09/2024). Nova jazida de areia em Ponta Grossa está fora da área licenciada. https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2024/09/24/nova-jazida-de-areia-usada-na-engorda-da-praia-de-ponta-negra-esta-fora-de-area-licenciada-confirma-idema.ghtml.

O Globo (23/06/2023). Erosão Costeira em Balneário Camboriú. https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/06/simplesmente-engordar-praia-nao-resolve-os-problemas-de-erosao-costeira-explica-especialista-sobre-balneario-camboriu.ghtml.

Pontee, N. (2013). Defining coastal squeeze: A discussion. Ocean and Costal Management, vol. 84, p. 204-207.

Silveira, A. P. (2025). Análise da Evolução da Paisagem e da Dinâmica Ambiental Costeira de Fortaleza: impactos das obras dos aterros hidráulicos das Praias de Iracema e Beira-Mar. Tese de Doutorado, Universidade Estadual do Ceara.

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