Por Alice Sales *
Colaboradora
Nova Olinda – CE. O Cariri cearense celebra, de 7 a 14 de novembro de 2021, uma diversificada agenda de manifestações culturais, históricas, artísticas, científicas e ecológicas. A 23ª edição da Mostra Sesc Cariri de Culturas, traz ao público diferentes formas de representação da cultura da região. O evento também está sendo palco para o II Seminário Patrimônio da Humanidade Chapada do Araripe, importante debate sobre esforços reunidos, desde 2019, para a conquista do reconhecimento da Chapada do Araripe como Patrimônio da Humanidade junto à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Situada na divisa dos Estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, a Chapada do Araripe é conhecida por abrigar características naturais, históricas e culturais peculiares, que requerem mais reconhecimento e preservação. Berço de diversas manifestações culturais do País, a região transborda arte e memória, sendo um lugar onde a ancestralidade se expande e se conserva. Para Alemberg Quindins, gerente de cultura do Serviço Social do Comércio do Ceará (Sesc-CE), que participou da abertura dos debates, a região exerce influência direta no modo de vida de seu povo.
Além disso, a localização geográfica deve ser levada em consideração, já que o Cariri cearense fica no entorno da Bacia Sedimentar do Araripe, fazendo divisa com outros dois estados.
“Nesse território, onde a natureza se faz presente de forma diversificada e rica, estamos realizando mais uma ação com pesquisadores para esclarecer o processo da construção do Dossiê da Chapada do Araripe como Patrimônio da Humanidade junto à Unesco, título mais importante no sentido de salvaguarda cultural e natural”, explica Alemberg.
A segunda edição do Seminário realiza-se com o intuito de chamar atenção para a importância desse reconhecimento para a região, além de apresentar pontos do que já vêm sendo desenvolvidos e conquistados neste sentido. O território, recentemente, foi reconhecido em nível estadual como Paisagem Cultural do Ceará, pela Lei Nº 17.606, de 6 de agosto de 2021. A chancela é uma etapa exigida pela Unesco para a candidatura a patrimônio em nível mundial.
O próximo passo é a inclusão da Chapada do Araripe na lista nacional de patrimônios, junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) prevista até fevereiro de 2022. Sediado no Teatro Violeta Arraes, da Fundação Casa Grande, em Nova Olinda, o seminário vai até até sexta-feira (12).
Com a palavra sobre o dossiê de patrimônios, Patrício Melo, professor e pesquisador da Universidade Regional do Cariri (Urca). Com uma equipe de 13 profissionais envolvidos na elaboração do documento, ele destacou que, durante o processo, foram realizados inúmeros encontros e oficinas semanais para levantamento de dados primários e secundários, além de um abaixo-assinado promovido com o reforço da participação popular. “ Não é possível promover a salvaguarda de um território tão complexo sem um amplo apoio vindo de diferentes frentes”, destaca.
De acordo com o pesquisador, a salvaguarda do território pode possibilitar diversos benefícios para a região, como a promoção do Turismo Científico atraído pelo Geopark Araripe e Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, o tradicional turismo religioso e o turismo comunitário, visto que Nova Olinda já é um caso de sucesso neste sentido, beneficiando pelo menos 300 famílias locais com a atividade.
Como convidada para as discussões, o evento contou com a participação de Conceição Lopes, professora da Universidade de Coimbra, em Portugal. A pesquisadora considera que a Chapada do Araripe já é um patrimônio da humanidade frente às riquezas que ela abriga, e que o reconhecimento junto à Unesco é uma formalização que fará com que a região saia do Ceará e vá ao mundo. Além disso, para ela, essa é também uma estratégia de desmistificar a imagem que se tem do Nordeste como uma região pobre e improdutiva.
“O preconceito com relação ao Nordeste e seu povo vem de um olhar erudito equivocado que considera a cultura popular inferior, no entanto a cultura popular nordestina tem nada de triste ou inferior. Trata-se de uma cultura alegre e muito diversificada ultrapassando a ideia de que essa região é pobre”.
Importantes atributos físicos, biológicos e antropológicos do território foram ressaltados pelos pesquisadores, como riquezas que justificam a salvaguarda da Chapada do Araripe. Dentre elas, uma “geologia fantástica e diversificada; solos classificados como extraordinariamente interessantes em função das espécies; a possibilidade de os jovens locais não precisarem abandonar a região para estudar e seguir carreiras profissionais; e a ocorrência do Soldadinho-do-Araripe, ave ameaçada de extinção endêmica da Chapada do Araripe.
O primeiro dia de debates também contou com a participação de Cristina Holanda, que representou a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE). Holanda ressaltou a relevância do Conselho Estadual de Conservação do Patrimônio, responsável em decidir, analisar e ampliar estudos que respaldam o processo de reconhecimento daquele bem como patrimônio estadual.
Como ações por parte do Estado para a patrimonialização desse território, Cristina cita a criação de um Comitê Consultivo Intersetorial da Chapada do Araripe, em 2019, e o Financiamento da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) no apoio a pesquisadores de diversas áreas para estudos técnicos necessários para elaboração do dossiê, além da criação da lei que chancela a Chapada do Araripe como Paisagem Cultural do Ceará.
Dossiê
Até então, já foram mapeados patrimônios como sítios históricos, arqueológicos e paleontológicos, além de expressões da cultura imaterial, como celebrações, os saberes e fazeres dos Mestres da Cultura no Cariri, dentre outros.
Como exemplo dos bens já registrados, estão: o caminho do Santo Sepulcro, no Horto do Padre Cícero; o Boqueirão de Lavras da Mangabeira; os Mestres da Cultura do Ceará; as bandas cabaçais; os reisados; os grandes mestres da música e da poesia, como Luiz Gonzaga e Patativa do Assaré e o seu legado; os grandes artistas das artes visuais, como Sérvulo Esmeraldo e os Xilógrafos do Cariri; e os sítios mitológicos, arqueológicos e paleontológicos da região.
“Esses bens serão qualificados em seus valores e atributos, naturais e culturais, de modo a apresentar a evolução viva dessa relação homem/natureza no contexto da Chapada do Araripe. Com a descrição desses bens, precisamos informar o atual estágio de conservação, proteção, assim como uma estratégia de gestão participativa”, ressalta Melo.
A campanha de candidatura da chapada do Araripe a Patrimônio Natural e Cultural da Humanidade junto à Unesco é uma iniciativa da Secult, Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Ceará (Sema-CE) e Secretaria do Turismo do Estado do Ceará (Setur-CE), além da Funcap, da Urca, do Sistema Fecomércio, da Fundação Casa Grande, do Geopark Araripe, entre outros.
Programação
Os debates do seminário continuam nesta quarta-feira (10) e seguem até a sexta-feira (12). No dia 10, às 15h, a mesa de debate terá como tema “Caminhos da Paisagem Cultural – Arqueologia e Mitologia da Chapada do Araripe”, com a presença da professora Lucineide Marques, de Nova Olinda (CE). O debate contará com a mediação de Fabiana Barbosa.
No terceiro dia de encontro (11), às 15h, o debate será sobre “Caminhos das Águas – Ocupação do Território da Chapada do Araripe”, com a professora Simone Silva, de Crato (CE); professora Sandra Nancy, de Barbalha (CE); e mediação de Lucineide Marques, de Nova Olinda.
O encerramento será no dia 12, às 15h, com o tema “Caminhos dos Tesouros Vivos da Cultura do Cariri”. O bate-papo conta com a presença do professor Alenio Carlos, de Fortaleza (CE) e mediação de Lucineide Marques, do Crato/CE.
Os debates poderão ser acompanhados virtualmente no canal do YouTube do Sesc Ceará. A programação das demais atividades da Mostra Sesc Cariri de Culturas pode ser conferida no site do evento.
* A jornalista viajou a convite do Sesc-CE