Seca atingiu 38 milhões de brasileiros em 2017 e ainda desafia

Atualmente, o Semiárido brasileiro conta com apenas 16% da sua capacidade total de armazenamento. Os 155 açudes monitorados no Ceará estão com 10,8% da capacidade | Foto: Maristela Crispim

 

Por Letras Ambientais *

O padrão de distribuição das chuvas nas regiões brasileiras varia naturalmente e provoca eventos hidrológicos extremos, em função do seu excesso ou escassez. Estiagens, secas, enxurradas e inundações representam a maioria dos desastres naturais ocorridos no Brasil.

Um estudo da Agência Nacional de Águas (ANA), divulgado no último dia 19 de dezembro, mostrou que, em 2017, quase 38 milhões de pessoas foram afetadas por secas e estiagens, enquanto cerca de 3 milhões foram atingidas por cheias (alagamentos, enxurradas e inundações).

O relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil – Informe 2018 apresenta um panorama sobre o volume e qualidade da água no Brasil, seus diferentes usos e as ações de gestão realizadas, com base na legislação vigente, para minimizar os impactos das crises hídricas cada vez mais frequentes no País.

Seca é o maior desastre natural do País

 

 

A seca e a estiagem estão entre os mais graves eventos hidrológicos extremos do Brasil. Em 2017, a população atingida por esses desastres naturais caracterizados pela escassez hídrica foi quase 13 vezes maior que por cheias.

No total, foram quantificados 2.551 eventos de seca associados a danos humanos, quase quatro vezes mais que os de cheias (661). Fazendo um retrospecto dos últimos 5 anos, 2017 foi o mais crítico quanto aos impactos da seca sobre a população.

O fenômeno afeta todas as regiões brasileiras, com maior severidade no Semiárido brasileiro. Cerca de 80% das pessoas afetadas por secas e estiagens, em 2017, vivem na região Nordeste. Os estados da Bahia, Ceará e Pernambuco totalizaram 55% dos registros do País. No Distrito Federal, foi registrada a maior média de pessoas afetadas pela seca, pelo fato de que toda a população foi afetada pelo racionamento de água, no ano passado, em função da crise hídrica que se instaurou na Capital Federal.

No período de 2003 a 2017, cerca de 51% dos municípios brasileiros decretaram Situação de Emergência, em decorrência da seca ou estiagem.

A situação de seca agravou-se nos últimos anos, no Semiárido brasileiro, com a ocorrência da “Seca do Século”, no período de 2010-2017, considerada a pior seca já registrada na região.

O pico desse evento climático foi registrado em dezembro de 2016, quando a maior parte do território já se encontrava em condição de seca excepcional, tendo havido colapso no abastecimento de 132 cidades do Nordeste Setentrional (Pernambuco, Ceará, Bahia e Rio Grande do Norte).

Em abril de 2018, houve melhoria na capacidade de abastecimento urbano de água no Semiárido brasileiro. Porém, 34 municípios da Bahia, Ceará e Paraíba, com uma população urbana total de aproximadamente 323 mil habitantes, ainda se encontravam em colapso de abastecimento, em função do esgotamento nos reservatórios. Atualmente, o Semiárido brasileiro conta com apenas 16% da sua capacidade total de armazenamento.

Reservatórios do Ceará

Os 155 açudes monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) no Ceará estão com 10,8% da capacidade. A maioria, ou seja, 102 reservatórios, estão com menos de 30%, sendo que nove estão completamente secos e 12 estão com menos de 1%.

Ainda há dois reservatórios acima dos 90%: Jenipapo, em Meruoca, na Bacia do Acaraú, Norte do Estado; e Germinal, em Palmácia, na Bacia Metropolitana, na área serrana do Maciço de Baturité.

As Bacias com menor reserva são a do Médio Jaguaribe, com 4,33%; a do Sertão de Crateús (5,94%); e a do Alto Jaguaribe (6,30%). As com maior quantidade de água armazenada são a do Coreaú (64,65%); a do Litoral (58,93%); e Baixo Jaguaribe (34,88%).

Os três maiores açudes dos Estado, respectivamente, estão com:

  • Castanhão (4,34%)
  • Orós (5,8%)
  • Banabuiú (5,46%)

Situação de emergência nos municípios

Atualmente, um total de 923 municípios do Semiárido brasileiro estão reconhecidos como em Situação de Emergência, por ocasião de seca ou estiagem. Os dados são do Sistema Integrado de Reconhecimento de Informações sobre Desastres da Defesa Civil nacional.

 

 

Na imagem acima, consta a quantidade de reconhecimentos federais de Situação de Emergência, em razão de seca e estiagem, por município e Estado do Semiárido brasileiro. Para solicitar o reconhecimento federal, em casos de situação de desastre natural, o município, distrito ou Estado deverá seguir o passo a passo indicado no site do Ministério da Integração Nacional.

Para haver disponibilização de recursos federais para resposta a desastres naturais, como secas, via de regra, é necessário haver o reconhecimento federal da Situação de Emergência ou Estado de Calamidade Pública no município. A partir do reconhecimento da situação de emergência, enviado pelos estados à Defesa Civil nacional, e uma vez tendo sido confirmado pelo governo federal, a Operação Carro-Pipa pode ser iniciada.

Nessa situação, muitos municípios recorrem ao abastecimento emergencial por carros-pipa, após esgotarem soluções alternativas, como perfuração emergencial de poços ou instalação de adutoras, canais que transportam água de um reservatório mais distante para abastecer a população local.

A imagem abaixo mostra um panorama da Operação Carro-Pipa, de 2015-2017

 

 

Em 2017, a Operação Carro-Pipa do governo federal atendeu 848 municípios, sendo a maior parte a população rural, com desembolso de mais de 872 milhões de reais, cifras um pouco inferiores às apresentadas nos anos anteriores. Os dados da Operação Carro-Pipa são provenientes do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), do Ministério da Integração Nacional.

Panorama atual da seca no Semiárido brasileiro

 

 

O monitoramento realizado, de forma permanente, pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), mostra a atual situação da seca no Semiárido brasileiro, com base na análise da cobertura vegetal, por intermédio de dados e informações de satélites.

De acordo com o mapa, o Estado do Rio Grande do Norte se destaca como o que continua 100% seco, seguido da Paraíba, onde houve apenas uma melhoria pontual recentemente no extremo Oeste do Sertão do Estado.

Já em Minas Gerais, Bahia e Piauí, a cor verde mostra uma forte recuperação da vegetação, em função das recentes chuvas. Também chama atenção a rápida recuperação da vegetação nos estados do Ceará e Pernambuco, ocorrida nas últimas semanas. Já Alagoas e Sergipe continuam bastante secos, apesar de ter havido uma leve melhoria na saúde da vegetação desses estados.

O monitoramento por satélite da cobertura vegetal do Semiárido brasileiro é uma ferramenta fundamental para promover a resiliência dos municípios afetados pelos impactos das secas, bem como para o planejamento da gestão das águas nas bacias hidrográficas da região.

Integração do São Francisco reduz conflitos

 

O Projeto de Integração do Rio São Francisco tem contribuído para aumentar a infraestrutura hídrica no Semiárido brasileiro, com ampliação dos sistemas e mananciais, mas é necessário ampliar as práticas de gestão democrática das águas | Foto: Maristela Crispim

 

Estiagens intensas provocam escassez e situações de emergência nas bacias hidrográficas, com forte potencial para conflitos pelo uso das águas dos reservatórios. Para isso, promover a gestão das águas e a ampliação da oferta são fundamentais para assegurar a disponibilidade de água para todos os usos.

O Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf) foi concebido com o objetivo de ampliar a oferta de água no Nordeste Setentrional e promover o seu desenvolvimento econômico. O projeto secular é composto por um conjunto de infraestruturas de canais de condução, barragens, estações de bombeamento, aquedutos, túneis, galerias e duas captações de água no Rio São Francisco, localizadas à jusante do Reservatório de Sobradinho.

A entrega de água do Eixo Leste do Pisf, no Rio Paraíba do Norte, em Monteiro (PB), ocorreu em março de 2017, e possibilitou a retomada da irrigação de lavouras de subsistência nas margens do rio e do Açude Boqueirão.

Em agosto de 2017, após o aumento do volume do Açude Boqueirão, em função do aporte de água do São Francisco, foi possível encerrar o racionamento de água, enfrentado desde dezembro de 2014, pela população de Campina Grande e região, abastecida pelo manancial, compreendendo cerca de 1 milhão de habitantes.

O Eixo Norte do Pisf também já foi operado em 2017 para atender a usuários isolados, como o Açude Nilo Coelho, em Pernambuco. A entrega de água para a Bacia do Rio Jaguaribe, no Ceará, que deveria ser no segundo mês de 2019, está em suspenso. Assim como para a Bacia do Rio Piranhas-Açu (Paraíba e Rio Grande do Norte), que era agosto de 2019, segundo o Ministério da Integração Nacional, responsável pelas obras.

O Pisf tem contribuído para aumentar a infraestrutura hídrica no Semiárido brasileiro, com ampliação dos sistemas e mananciais, sendo necessário ampliar as práticas de gestão democrática das águas.

Complexidade e consequências

Os dados divulgados pelo relatório “Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil” mostram a dimensão e complexidade do problema das secas no Brasil. A crise hídrica provocada pela seca, com consequências dramáticas à economia e bem-estar social, situa a seca como o maior desastre natural do País.

Secas e estiagens requerem a atenção de políticas para adaptação aos impactos desses eventos de origem climática, com sérias consequências no agravamento da escassez hídrica. É necessário que os governos locais se comprometam em construir municípios mais resilientes à seca e estiagem, utilizando mecanismos de gestão de riscos de desastres que preparem os municípios para o enfrentamento da crise hídrica.

Como os municípios do Semiárido poderiam redimensionar suas economias para produzir riquezas com recursos naturais mais adaptados à seca e com maior demanda de mercado? Você acha que seria possível fazer a mudança para promover o desenvolvimento sustentável, em nível local?

* Texto editado do original publicado no blog Letras Ambientais

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