Novo modelo de Sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta beneficia Caatinga

Capinzal alto com ovinos pastando, árvores ao fundo e céu nublado

A possibilidade de aliar segurança alimentar para os rebanhos à geração de renda para o produtor e à prática de manejos sustentáveis pode auxiliar na redução de danos à Caatinga | Foto: Rafael Tonucci

Por Alice Sales
Colaboradora

Sobral – CE. Pesquisa recente liderada por cientistas da Embrapa Caprinos e Ovinos, sugere inovações para implantação de Sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) adaptado às condições do bioma Caatinga. O estudo propõe um novo modelo com  a mesma base teórica já consolidada do sistema agrossilvopastoril, mas com a diferença de uma reformulação que permite benefícios ao bioma, com faixas intercaladas de plantio para facilitar manejo e uso sustentável dos recursos vegetais.

Segundo Rafael Tonucci, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), como resultado deste novo modelo de sistema, foi observado um significativo aumento na produção de alimento para os animais por área, o que garante segurança alimentar para os rebanhos do Semiárido brasileiro. “Outro ponto importante que cabe ressaltar é que esse aumento não implicou em perda da vegetação nativa, foi sem uso de fogo e também observamos um aumento das espécies nativas do estrato herbáceo”, explica. 

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A possibilidade de aliar segurança alimentar para os rebanhos à geração de renda para o produtor e à prática de manejos sustentáveis, pode auxiliar na redução de danos à Caatinga.  Como benefícios para o bioma, o Sistema ILPF oferece a prática da agricultura, com eliminação de queimadas; facilita um correto manejo pastoril, com adequação da quantidade de animais que o pasto pode suportar; melhora o manejo da vegetação nativa e aporte de matéria orgânica, o que reduz o risco de erosão do solo; e permite a racionalização na extração da madeira, por meio de corte seletivo e manejo de rebrota.

“Com essa pesquisa conseguimos demonstrar que é possível produzir de forma sustentável na Caatinga sem degradar ou acelerar o processo de degradação do bioma. Além disso,  quando você possibilita mais uma fonte de renda para o produtor e associa forragem nativa, produção de volumoso e as culturas agrícolas, assegura a segurança alimentar e torna o sistema menos vulnerável a eventos climáticos do que o sistema solteiro ”, ressalta Tonucci. 

Rodrigo Gregório da Silva, professor do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) – campus Limoeiro do Norte (CE), com ampla experiência com o tema, afirma que este é “um sistema que permite uma mudança no modelo de gestão, mais planejada e menos reativa, com a receita oriunda de mais de uma atividade”.  

De acordo com Gregório, o ILPF também permite que agricultores familiares ampliem a variedade de sua produção. “Entre as plantas arbóreas, posso plantar cajueiro, para explorar caju e castanha. Nas entrelinhas, posso implementar a mandioca para alimentação animal ou plantio de macaxeira. Posso colocar borregos e, em vez de vender animais, posso manter por mais tempo e fazer manta de carneiro”, exemplifica.

Pesquisa e resultados

 Os experimentos do estudo foram realizados na área de teste do sistema, no campo experimental da Embrapa. Em uma área com seis hectares, foi possível obter a produção de 44,7 toneladas de material para silagem, além da autonomia de oferta alimentar para que os ovinos pudessem se alimentar somente do pastejo na área, sem necessidade de suplementação. O redesenho proposto para o sistema sugere faixas de vegetação conservada intercaladas com faixas desmatadas. 

Foram plantados culturas como sorgo, milheto e feijão guandu, além do uso do capim massai e pastagem nativa. A ideia é permitir o uso sustentável da área, com a produção animal e o manejo sustentável para extração de madeira, que pode conservar até 50% da vegetação nativa.

Na colheita, foram obtidas para ensilagem 25 toneladas de sorgo, 12 toneladas de milheto, cinco toneladas de capim massai, 2,1 toneladas de pasto nativo e 0,6 toneladas de feijão guandu. Após a colheita, o manejo da pastagem para produção de alimento volumoso foi suficiente para garantir alimentação de rebanho com 21 ovelhas das raças Morada Nova, Santa Inês e Somalis, por um período de 90 dias, entre os meses de outubro e dezembro – período seco na Caatinga – com pastejo exclusivo na área, sem suplementação no cocho, além de sal mineral e água. 

“Somente com esses resultados de sorgo obtidos, temos uma garantia de reserva alimentar suficiente para quatro anos”, ressalta Tonucci.

A pesquisa também revelou a possibilidade de obtenção de renda extra ao produtor rural, por meio da venda de silagem e madeira para lenha e estacas. Na área estudada, foi possível obter 544 m³ de lenha e 400 unidades de estacas que, somadas a uma possibilidade de venda de 30 toneladas do material obtido para silagem, podem proporcionar um lucro de cerca de R$ 22 mil à propriedade.

Todas essas potencialidades se unem às características de produção sustentável, que conserva a vegetação nativa e traz benefícios como a incorporação ao solo dos restos do material de vegetação, gerados a partir do processo de abertura das faixas, o que resulta em melhor cobertura vegetal, aumento do teor de matéria orgânica e melhoria da fertilidade do solo – um aspecto favorável à produção na Caatinga, cujos solos geralmente são pobres em matéria orgânica.

Mecanização do trabalho

Para um futuro próximo, vislumbra-se o desafio de mecanizar o trabalho de preparo de solo e abertura de faixas para aperfeiçoar a nova proposta de sistema ILPF. A ideia é acelerar a implantação e otimizar custos. Esse foi um detalhe identificado no decorrer da pesquisa como obstáculo para maior adoção de sistemas integrados de produção na Caatinga, já  que o trabalho manual para abertura de áreas requer mão de obra e consequentes custos que nem sempre podem ser arcados pelos produtores rurais que vivem no bioma. 

A solução para esta dificuldade já está em validação. Um processo de mecanização com teste de protótipo de uma máquina trituradora de capoeira, a Tritucap, adaptada às condições do Semiárido brasileiro, está sendo desenvolvido por meio de uma parceria entre a Embrapa e a empresa Petrotec. 

“É um equipamento que suprime a vegetação, mas deixa árvores. Com ele, um tratorista pode abrir cerca de um hectare de área por dia. No trabalho manual, seria cerca de 0,1 hectare por dia. Isso traz facilidade e otimização do trabalho e não há necessidade de um equipamento para cada produtor, uma cooperativa pode adquirir, uma prefeitura poderá ter um equipamento como este”, explica Tonucci.

Propriedades experimentadoras

O novo modelo de  sistema ILPF adaptado para a Caatinga e as alternativas de mecanização começam a ser implementadas em propriedades rurais em três diferentes regiões do Semiárido brasileiro:  Vale do Itaim (PI), Sertão dos Inhamuns (CE) e Cariri Paraibano. Os experimentos estão sendo realizados  por meio do programa AgroNordeste – coordenado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), com ações da Embrapa em parceria com Projeto Dom Hélder Câmara e financiamento do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida).

As três propriedades servirão de referência para que associados e produtores de cooperativas locais possam ter acesso e implementar áreas em suas propriedades, segundo as recomendações técnicas da Embrapa. No Vale do Itaim, a área foi implementada na propriedade de Josivan Damasceno, produtor rural de Betânia (PI) que cria ovinos e bovinos e reservou uma área de 5 hectares de sua propriedade para a experiência com o ILPF, que vai para o segundo ano de implantação em 2022 e potencializa, de acordo com ele, a oferta de alimento aos animais. 

“O sistema foi uma novidade muito grande, um aprendizado que a Embrapa trouxe. Quem trabalha bastante com ovinos, sabe que garantir a variedade dos alimentos faz bem aos animais. Tenho capim do pasto, milho, sorgo e mata nativa”, ressalta Josivan.

Para ele, o sistema de produção ILPF apresenta, também, benefícios ambientais. “É uma técnica boa para se trabalhar, porque você não destrói a vegetação nativa e o risco de erosão do solo é bem menor. Percebi que esse sistema dá certo e quero, nos próximos anos, ampliar a área de ILPF aqui”, frisa.

Com informações da Embrapa Caprinos e Ovinos

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