Águas do Rio São Francisco chegam ao Ceará após 12 anos de obras

Segundo o MDR, as obras físicas já concluídas garantem funcionalidade ao empreendimento | Foto: Maristela Crispim

Verdejante – PE / Penaforte – CE. Após 12 anos de uma obra que passou por quatro presidentes, diversas construtoras e muitas polêmicas, as águas da Transposição do Rio São Francisco chegaram ao Ceará no início da tarde desta sexta-feira (26), pelo município de Penaforte, localizado no sul do Estado, a aproximadamente 550 Km de Fortaleza.

A inauguração da obra foi feita pelo presidente Jair Bolsonaro, que acionou a liberação das águas da Barragem de Milagres, em Verdejante (PE), por volta das 11h. Depois testemunhou, em Penaforte (CE), a chegada ao Reservatório Jati, após passar pelo Túnel Milagres (na fronteira dos dois estados).

Foi sua primeira visita ao Ceará desde que foi eleito presidente da República. Nenhum governador, prefeito ou senador do Nordeste compareceu. Fizeram parte da comitiva o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho; a ministra da Agricultura, Tereza Cristina; e o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, além do deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente.

Ideia secular

A ideia da transposição de águas do Velho Chico como forma de solucionar a escassez hídrica causada pelas secas existe desde o Segundo Império, ainda no Século XIX. Mas a obra em si foi iniciada em 2007. Inicialmente, eram cinco anos previstos para a construção de 477 Km em dois grandes canais – Eixo Leste e Eixo Norte  – para abastecer açudes e rios intermitentes (que desaparecem nos períodos de seca), não apenas no Ceará, mas em Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.

O ministro Rogério Marinho reforçou que a entrega das águas é um marco para todo o Nordeste. “Além de garantir água a milhões de pessoas, o Eixo Norte impulsionará o desenvolvimento econômico na região que sempre enfrentou muita escassez hídrica”, ressaltou.

Agricultor familiar no município de Jati (CE), Francisco José dos Santos, 43, será um dos beneficiados com a chegada das águas ao Ceará. Isso porque no Projeto está contemplada a entrega de sistemas de abastecimento para famílias em áreas rurais. Ele conta o que já passou por causa da falta de água na região: “Já sofri muito com esse negócio de colocar água em carga. Não quero sofrer mais. Você chega cansado de um serviço e ainda vai em um jumento buscar água, é muito ruim”.

Obra não consensual

Neste histórico, é importante destacar que a secular ideia de Transposição das Águas do São Francisco está longe de um consenso, sendo motivo de duas greves de fome, pelo bispo da Diocese de Barra (BA), dom Luís Flávio Cappio, em 2005 e 2007, que tentou demover o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva da ideia do projeto.

A biografia do religioso mostra uma forte ligação com São Francisco de Assis, o padroeiro dos animais e da ecologia. Nasceu no dia em que a Igreja Católica celebra o Santo, 4 de outubro, tornou-se religioso da ordem Franciscana, e foi viver às margens do Rio São Francisco. Em 1992, ao completar 48 anos, iniciou uma peregrinação de 6 mil Km, da nascente até a foz do Velho Chico. Esta peregrinação durou um ano e foi vivida por dom Luís Cappio como uma missão ecológica e religiosa, durante a qual o frade buscou conscientizar a população sobre a necessidade de preservação do manancial. A experiência foi publicada no livro “O Rio São Francisco – Uma Caminhada entre Vida e Morte”, pela Editora Vozes.

Se de um lado, defensores lembravam que a quantidade de água disponível por habitante no Semiárido nordestino é menos da metade do que a Organização das Nações Unidas (ONU) estabelece como mínima para a vida humana, e a escassez ameaçava cidades de médio e grande porte, incluindo o risco de a própria Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) entrar em colapso hídrico; os críticos acreditavam que o maior problema da região era, e ainda é, o mau uso da água existente.

As críticas incluíam aspectos como o de águas poluídas serem levadas aos açudes, além do risco de salinização e erosão dos rios receptores e também de interferência nos ecossistemas aquáticos e terrestres; o de que cerca de 80% das águas da região iriam para a agricultura, e não para o consumo humano; e o de que as obras de transposição e manutenção da estrutura funcionando teriam custos altos, o que encareceria a água para o consumidor.

Eixo Norte

O Eixo Norte possui 260 Km de extensão, três estações de bombeamento (EBI 1, 2 e 3), 15 reservatórios, oito aquedutos e três túneis. Todas as estruturas responsáveis pela passagem de água até o Reservatório Caiçara estão concluídas, restando apenas alguns serviços complementares que não comprometem a pré-operação, segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).

Quando todas a obras complementares estiverem concluídas e em funcionamento, a expectativa é que o Eixo Norte garanta segurança hídrica a mais de 220 cidades paraibanas, pernambucanas, cearenses e potiguares, incluindo cerca de 6,5 milhões de pessoas com abastecimento de água regular.

A previsão é que, em agosto, sejam iniciados os testes de entrega de água do Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf) ao Cinturão das Águas do Ceará (CAC), obra executada pelo Governo do Estado do Ceará com recursos da União –, que abastecerá 4,5 milhões de pessoas na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). O trecho prioritário de 53 Km do Cinturão já está apto à passagem das águas do Eixo Norte para a Bacia do Rio Jaguaribe.

Projeto São Francisco

O Pisf soma 477 Km de extensão e é o maior empreendimento hídrico do País. Quando todas as estruturas e sistemas complementares nos estados estiverem em operação, cerca de 12 milhões de pessoas serão beneficiadas em 390 municípios de Pernambuco, da Paraíba, do Ceará e do Rio Grande do Norte.

O Eixo Leste, com 217 Km de extensão, está em funcionamento desde 2017 e abastece 1,4 milhão de pessoas em 46 cidades pernambucanas e paraibanas.

No Eixo Norte, depois do Ceará, as águas seguirão para a Paraíba e o Rio Grande do Norte. Elas já percorreram mais de 120 Km, desde a captação, em Cabrobó (PE), e abastecem, atualmente, mais de 12 mil pessoas em Terra Nova (PE), de acordo com o MDR.

Os investimentos da União em todo o Pisf já alcançaram R$ 10,8 bilhões. Confira o mapa da obra.

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