Conflitos territoriais no Matopiba, área dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia que forma a maior fronteira agrícola nacional, vitimam também quilombolas. Nos últimos três anos, 10 foram assassinados. Confira mais no texto a seguir, que integra o Projeto ma.to.pi.ba., destinado a mostrar os custos ambientais e sociais da expansão do plantio de commodities e mostra caminhos para um desenvolvimento sustentável na região

Foto colorida mostra paisagem tendo à frente solo queimado para plantio e ao fundo vegetação nativa com destaque para palmeiras sob céu azul com nuvens brancas
Desmatamento pelo agronegócio acirra conflitos em áreas quilombolas no Maranhão

Balsas, no Maranhão, é o município do Cerrado que mais desmatou em 2022, de acordo com o Map Biomas, projeto multi-institucional que mapeia a cobertura e uso da terra no Brasil, um total de 24 mil hectares. No mesmo ano, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) publicou um relatório que classifica o Estado do Maranhão como o 3º maior em número de conflitos agrários . Só perde para o Amazonas e o Mato Grosso. Em 2022, foram registradas 102 áreas de disputa pela terra, sendo Balsas e Mirador os municípios que lideraram a lista. Como consequência desse acirramento, nos últimos três anos (2020-2023), 15 trabalhadores rurais foram assassinados, sendo 10 quilombolas.

“Acontecem diversos crimes no Estado e o governo não se posiciona. Você não vê sequer uma nota. A gente (quilombola) está à mercê da própria sorte. São ataques por parte de fazendeiros, de grileiros, empresas privadas e a gente no meio desse fogo cruzado”, afirma Antônia Cariongo, liderança quilombola baseada no município de Santa Rita.

Dos estados que compõem o Matopiba, o Maranhão se destaca pela quantidade de quilombos certificados. De acordo com a Fundação Palmares, são 816, o maior número do Brasil. A dianteira do ranking também ocorre quando o assunto é demanda por titulação de terras quilombolas. Segundo a CPT, no ano de 2022, eram 415 processos administrativos registrados no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

O último censo, publicado em 2023, mostrou que o Maranhão tem a segunda maior população quilombola do Brasil. Só perde para a Bahia. São 269 mil pessoas distribuídas em 32 municípios. Já em termos proporcionais, o Maranhão lidera, com 3,97% dos seus residentes autodeclarados quilombolas, bem acima do percentual nacional, que é de 0,65%. A ausência de uma regularização fundiária em prol dessas comunidades tradicionais tem dado abertura para o avanço de grileiros e uma violência crescente no campo.

Lei da grilagem

Em dezembro de 2023, a Assembleia Legislativa do Maranhão aprovou a Lei 12.169/2023, apelidada como “Lei da Grilagem”, que revoga a limitação para concessão de terra pública de 200 hectares para 2.500 hectares. Além da retaliação de movimentos sociais, o próprio Governo Federal, por meio do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários, emitiu nota em 29 de dezembro de 2023 na qual demonstra preocupação com a aplicação da Lei maranhense. Entre várias críticas, o texto destaca o que a Lei “favorece a reconcentração fundiária”, “privilegia o uso privado em detrimento do uso público” e tem o “potencial de fomentar uma verdadeira corrida pela grilagem de terras, inclusive mediante o uso da violência” contra povos e comunidades tradicionais.

“Eu tenho certeza que os conflitos vão aumentar. Os deputados da Assembleia Legislativa votaram essa Lei em um dia e no mesmo dia o Governo do Estado sancionou. Agora me diga: esse governo está a serviço de quem?”, questiona Antônia Cariongo, trabalhadora rural e coordenadora do Comitê Quilombola de Santa Rita e Itapecuru Mirim.

Com um histórico de luta junto aos movimentos sociais, Antônia decidiu se candidatar ao cargo de Senadora da República nas eleições de 2022 com a pauta quilombola como principal bandeira. Filiada ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), foi sua primeira candidatura naquele ano e a única mulher na disputa. Ficou em 3º lugar, com 33 mil votos. Durante os meses de campanha, ao viajar pelo Maranhão de ônibus, ela viu as transformações da paisagem provocadas pela monocultura de grãos para exportação.

“Passando à margem de rodovia tinha vez de me emocionar e chorar. Você olha, olha e não enxerga um pé de árvore. Tudo desmatado a ponto de você não conseguir ver o fim. Tudo destruído pela soja. Lugares que já foram usados e são deixados ali sem nenhuma responsabilidade. É para esse projeto que se expulsa as comunidades. O povo do Estado do Maranhão está bebendo água com veneno, comendo peixe com veneno, tendo doenças de pele, tudo fruto do agrotóxico que o pessoal da soja usa durante o cultivo”, relata.

Antônia acrescenta que, além da omissão do poder executivo e legislativo, o judiciário também tem se vinculado ao agronegócio, e se recusa a fazer qualquer ação que beneficie os quilombolas. Por isso, no sentido político, junto a uma parceria de advogados, ela busca dar encaminhamento a denúncias de violações de direitos humanos e conflitos no campo. Como liderança, dando a cara por todos esses anos, conta que já foi e continua sendo ameaçada de morte. Mas não desiste de fazer o possível para que pessoas com sua identidade e estilo de vida tenham um lugar saudável e seguro para viver.

Infográfico mostra o mapa do Maranhão e destaca ao lado, em uma pizza, o dados do Estado que tem 32,77% da região do Matopiba

Matopiba

Denominado com as sílabas iniciais dos quatro estados que abrange, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, o Matopiba inclui 337 municípios e é apontado desde os anos 1980 como um celeiro mundial de commodities. Sobre a vegetação nativa e populações tradicionais desses três Estados do Nordeste e um do Norte avançam plantações de soja, milho e algodão.

O Matopiba tem 73 milhões de hectares em três biomas: Cerrado ( 66,5 milhões de hectares, o equivalente a 91% da área), Amazônia (5,3 milhões de hectares correspondentes a 7,3%) e Caatinga (1,2 milhão de hectares que ocupam 1,7%). É reconhecida como área de franca expansão agropecuária pelo Governo Federal desde 2015, o Matopiba é uma porteira aberta para a devastação da Amazônia.

Dos nove estados nordestinos, o Maranhão é o único que não faz parte do Semiárido, e compõe uma região de transição entre o bioma amazônico e o Cerrado. Oficialmente, 60% do território maranhense integra a chamada Amazônia Legal. Nas últimas quatro décadas, com incentivos do poder público, o agronegócio tem se expandido pelo Estado, atraído pelo baixo custo de aquisição e arrendamento de terras para produção de commodities e criação extensiva de gado.

Segundo dados da Produção Agrícola Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas na microrregião de Balsas, que engloba cinco municípios no sul do Estado, a área plantada de soja passou de 10.900 hectares em 1990 para 492.716 hectares em 2018. A região representa 53,2% da distribuição da sojicultura no Estado, bem à frente das microrregiões da Chapada das Mangabeiras (18,6%), Chapadinha (7%) e Imperatriz (6%).

Atualmente 56% das terras do Maranhão têm alguma destinação, sendo 30% pertencentes ao domínio privado, 11% assentamentos, 9% terras indígenas e 6% para unidades de conservação. Os dados são do levantamento de legislação ambiental e fundiária do Maranhão produzido pelo Observatório Matopiba. O documento também afirma que 44% do território “não tem destinação e/ou informação disponível”.

Esse suposto “lugar de ninguém”, cobiçado por grileiros e fazendeiros, é em muitos casos onde já vive uma diversidade de povos, como agricultores familiares, quilombolas, indígenas, pequenos posseiros e assentados de reforma agrária. Grupos que, em meio à vegetação nativa, lutam para serem reconhecidos. Considerada a totalidade desse território sem destinação, o documento afirma que 89% têm o Estado como responsável pela regularização fundiária, o primeiro passo para resolução de conflitos entre partes tão desiguais.

Foto colorida mostra casa de barro com teto de palha em uma zona rural com céu nublado
O Maranhão tem 816 quilombos, segundo Fundação Palmares, maior número do Brasil | Foto: Antônia Cariongo

Projeto ma.to.pi.ba

Este conteúdo faz parte do Projeto ma.to.pi.ba, uma iniciativa multimídia da Agência Eco Nordeste, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Lançado em janeiro da 2024, traz matérias, reportagens, podcasts, webstories e newsletters que lançam sobre a região do Matopiba um olhar para além do agronegócio.  Ao mesmo tempo que aborda os problemas socioambientais, o projeto aponta experiências que têm dado certo na região, seguindo a linha editorial de Jornalismo de Soluções adotada pela Eco Nordeste.

O projeto é executado por uma equipe premiada composta pelos repórteres Alice Sales e Victor Moura, os fotógrafos Camila de Almeida e Erick Amorim, com edição da jornalista Verônica Falcão e coordenação geral da jornalista Maristela Crispim. Líliam Cunha assume a Assessoria de Comunicação, Flávia P. Gurgel é responsável pelo design; Isabelli Fernandes, edição de podcasts; e Andréia Vitório faz o gerenciamento das redes sociais.

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