Cresce no Brasil o perfil de consumidor “iniciante” em práticas de consumo consciente. Mas, afinal, como pensa e age um “consumidor consciente”? Conheça as iniciativas “Floresta Urbana” e “Quiosque Agroecológico”

Por Camila Aguiar e Maristela Crispim

A proposta da Floresta Urbana é promover uma reconexão das pessoas com a natureza| Foto: Lucas Mattos

Fortaleza / Sobral (CE). Cada vez mais, e sobretudo diante das problemáticas socioambientais evidenciadas na pandemia da Covid-19, somos convocados a repensar nosso modelo de sociedade. Neste 15 de outubro, celebra-se o Dia do Consumo Consciente, que traz à tona a discussão sobre a complexa teia de relações a serem reconfiguradas para buscarmos condições de existência mais saudáveis e justas para nós e para o Planeta.

O marco foi criado em 2009, pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), com o objetivo de despertar a consciência para problemas sociais, econômicos, ambientais e políticos causados pelos padrões de produção e consumo excessivos dos nossos tempos.

Segundo pesquisa do Instituto Akatu sobre o Panorama do Consumo Consciente no Brasil (2018), tem crescido no País o perfil de consumidor “iniciante” em práticas de consumo consciente. Mas, afinal, como pensa e age um “consumidor consciente”?

Para o biólogo e agricultor Lucas Mattos, de Fortaleza, no Ceará, o mais importante é entender o que estamos consumindo e qual é a origem daquele produto. “Eu acho que é mais importante a gente consumir consciente do que consumir determinados itens. Acho que, fazendo isso, nós balizamos onde podemos ou não dar passos reais”, afirma.

Na “Floresta Urbana”, espaço que mantém na cidade, o biólogo promove vivências de integração com a natureza a partir do contato com o sistema de produção agroflorestal desenvolvido por ele.

“Estamos na cidade vivendo um processo de distanciamento claro desses elementos básicos da natureza. Estamos distanciados do processo do plantar, do matar um bicho para comer; de pisar no chão, de sentar embaixo de uma árvore, de observar os pássaros”, acredita o biólogo. Para ele, as atividades públicas oferecidas na “Floresta Urbana” ajudam a “dar um empurrãozinho” para as pessoas perceberem que elas também são parte disso, que o “cuidar da natureza” é como cortar o cabelo, fazer as unhas. “É uma extensão da gente”, finaliza.

Nos distanciamos tanto da natureza que perdemos o horizonte de como são produzidos os alimentos que consumimos | Foto: Lucas Mattos

Herbeline Holanda, que trabalha com dança de salão e há alguns meses participa das vivências na agrofloresta urbana, fala um pouco de como vem descobrindo outras possibilidades de perceber o tempo das coisas, principalmente o quanto a gente se esquece de que é natureza também.

“Não tem como você estar presente numa vivência de agrofloresta sem estar presente ali, naquele espaço. É muita informação, são vários tipos de plantas, cada uma com uma função no sistema. Pensar na minha integração, que também faço parte desta natureza, me faz toda hora ficar refletindo se minha conduta está sendo a favor da vida e isso tem feito eu me comportar de forma diferente”, relata.

“Hoje temos um modo de vida muito acelerado, queremos as coisas para ontem, tudo pronto, urgente, sem ar e a natureza lembra a você que cada coisa tem seu tempo. Não dá para cortar uma árvore e esperar que no outro dia ela esteja ali de novo. Você olha para o sistema e ele faz você olhar para você e isso tem sido muito precioso na minha vida”, complementa.

Origem dos produtos e relações locais

Em Sobral, cidade localizada no Norte do Ceará, a 237,8 quilômetros da capital, Fortaleza, existe uma iniciativa que possibilita ao consumidor conhecer bem a procedência, a qualidade e os princípios associados à produção de alimentos. É o “Quiosque Agroecológico”, recentemente implantado e coordenado pelo Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador e à Trabalhadora (Cetra).

Trata-se de um ponto fixo de comercialização de alimentos agroecológicos fornecidos por cerca de 50 famílias ligadas à Rede de Agricultores e Agricultoras Agroecológicos/as e Solidários/as (RIS), com uma variedade de aproximadamente 185 produtos, número que varia conforme a época e a safra de produção.

Produtos do “Quiosque Agroecológico” do produtor ao consumidor | Foto: Cetra

Segundo o coordenador técnico do Cetra, Luís Eduardo Sobral Fernandes, “com o Quiosque, o consumidor da cidade passa a ter uma possibilidade de acesso à produção de circuitos curtos, ou seja, com disponibilidade mais próxima, com a produção dentro de seu próprio território”.

“Aqui no Quiosque Agroecológico, eu compro alimentos saudáveis e livres de agrotóxicos. Além disso, eu contribuo para melhorar a renda de agricultoras e agricultores”, afirma a professora universitária Patrícia Vasconcelos.

O desafio de implementar uma proposta como essa em um município do interior guarda, por outro lado, o potencial de descentralização da elaboração de ações e soluções, geralmente concentradas nas capitais. “Sobral tem um público consciente, mas que precisa ser melhor organizado. Com 200 mil habitantes, o município possui uma zona de influência estendida a cerca de 1 milhão de habitantes distribuídos nas cidades da região”, afirma Luís.

Com esse novo ponto de comercialização, o consumidor tem a chance de incentivar que agricultores/as produzam de forma sustentável, sem aplicação de agrotóxicos, e gerando renda para essas famílias. Além disso, pode também encontrar e conhecer muitos produtos que não estão disponíveis em supermercados convencionais.

Consumo não alienado

Para Júlio César Holanda Araújo, biólogo e professor, mestre em planejamento urbano e regional, militante em defesa da justiça socioambiental e do bem-viver, consumo consciente tem a ver com um consumo não alienado, ou seja, que compreende as externalidades das etapas do ciclo produção-consumo, os impactos socioambientais inerentes ao consumo das mercadorias e busca reduzi-los, mitigá-los e adotar ações mais equilibradas e sustentáveis com a natureza.

“É preciso reduzir o consumo de mercadorias, antes de fazer uma nova compra, se perguntar se há de fato necessidade daquele produto ou se posso pedir emprestado esse objeto para algum amigo. Precisamos também reutilizar as mercadorias, criar novas funções e utilidades, emprestar, doar para pessoas que precisam mais. A reciclagem é a ‘extensão da vida útil’ de determinada mercadoria, transformar em outros objetos, evitar que seus componentes retornem à natureza com potencial de contaminação.

Júlio César destaca iniciativas e grupos atuantes em diversas das etapas do ciclo de produção-consumo, alguns com ações pontuais, outros com ações mais abrangentes, mas todas elas complementares e que se somam numa grande ação de resistência.

É o caso de grupos que buscam estabelecer outras possibilidades na relação produção-consumo a partir de critérios de solidariedade, redução de impactos, práticas sustentáveis, auto organização, circuitos curtos de comercialização, grupos de economia solidária, feiras orgânicas e agroecológicas, práticas de desapegos, trocas, brechós, sebos, que estão mais comuns nas grandes cidades. “Há também coletivos que atuam na popularização e viabilidade da compostagem residencial nas grandes cidades”, acrescenta.

Por fim, ressalta a existência de coletivos e organizações que buscam uma abordagem mais abrangente, questionam o modo de reprodução-consumo do atual sistema econômico como um todo, baseado na exploração das pessoas, da natureza e na produção infinita de mercadorias com problemas socioambientais como parte constituintes e não apenas externalidades. “Esses grupos buscam construir alternativas antissistêmicas, baseadas em experiências comunais e nos saberes de povos indígenas e comunidades tradicionais, com objetivo de acabar com toda a forma de exploração e destruição da natureza”, finaliza.

A relação direta dos consumidores com os produtores representa um benefício mútuo | Foto: Cetra

Participação ativa

São iniciativas como a do “Quiosque Agroecológico” e da “Floresta Urbana” que nos mostram que não só o consumo, mas uma existência consciente, passam pelo envolvimento ativo com os processos de produção e comercialização de alimentos e outros produtos ao nosso redor.

Para além de estratégias conhecidas, como a reciclagem e a utilização de materiais mais sustentáveis, nossas bússolas a caminho da regeneração do Planeta devem apontar para possibilidades ainda mais profundas. Até, quem sabe, chegarmos à compreensão de que não somos só consumidores, mas que podemos – e devemos – ser criadores e produtores de vida.

Este conteúdo é resultado de uma parceria da Alma Preta com a Purpose e a Eco Nordeste para este 15 de Outubro, Dia do Consumo Consciente.

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