Foto de fardo de algodão branco parcialmente coberto por tecido cru com algumas logos sobre palet. Ao fundo equipamento na cor vermelha
Na Usina de Beneficiamento de Algodão Antônio Inácio da Silva, em Pirpirituba, município do Brejo paraibano, o algodão orgânico será descaroçado livre de contaminação por organismos geneticamente modificados | Foto: Márcia Dementshuk

Por Márcia Dementshuk

Pirpirituba (PB). A produção de algodão integrada ao Projeto Algodão Orgânico da Paraíba aumenta desde 2016 com crescimento de 100% ao ano. Nesse momento, na Paraíba e no Rio Grande do Norte, em torno de mil famílias de agricultores se dedicam ao cultivo dos algodoeiros (dados Instituto Casaca de Couro). Os agricultores têm ocupação durante cinco meses no ano e renda média de R$ 900,00 por mês, por hectare, nessa cultura. Se a área plantada é aumentada, esse valor também aumenta.

Para absorver essa produção, foi inaugurada, no dia 31 de março passado, a Usina de Beneficiamento de Algodão Antônio Inácio da Silva, a antiga Usina Boa Viagem, em Pirpirituba, município do Brejo paraibano, onde o algodão orgânico será descaroçado livre de contaminação por organismos geneticamente modificados, de forma segura. O procedimento vai garantir um aumento de 30% no valor do produto quando for conquistado o “Selo Orgânico IBD”, certificação específica que já está em andamento.

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O trabalho é extenso, inicia na produção e segue até a comercialização pela indústria de manufatura. O projeto é coordenado pelo Instituto Casaca de Couro, da Paraíba, e conta, no Estado, com parceiros como as prefeituras dos municípios produtores, a Prefeitura de Pirpirituba, o Governo do Estado por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior (Fapesq), da Secretaria da Agricultura Familiar e Desenvolvimento do Semiárido (SEAFDS), da Companhia de Desenvolvimento da Paraíba; a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Algodão; e a indústria Textil Norfil S/A, a Calvin Klein, a Reserva, a Malhas Menegotti, a Anselmi e o Instituto Renner.

No campo, envolve agricultores familiares da Paraíba e do Rio Grande do Norte que estão em processo de aprendizado e incorporação de técnicas para plantar algodão sem usar agrotóxicos. No roçado há diversificação de culturas, como o milho e o feijão, o que caracteriza a atividade agroecológica. As sementes utilizadas são de uma variedade desenvolvida pela Embrapa Algodão, especifica para as condições do Semiárido. O técnico da Embrapa Algodão, Vlaminck Paiva, explica: “na convivência com insetos, os vegetais aprendem a fazer defensivos naturais, a base de extrato de plantas e biofertilizantes”.

Dessa forma, os arranjos produtivos cultivados em consórcio, algodão, milho, feijão, e outros, dispensam defensivos químicos. Os agricultores recebem orientações e capacitações dos técnicos da Embrapa, de acordo com o desenvolvimento fisiológico das culturas, desde o plantio, até a colheita, armazenamento e comercialização.

O Secretário de Estado da SEAFDS, Frei Anastácio, afirma que “hoje se implementa a agricultura agroecológica na qual além do algodão, por exemplo, há outros produtos também sem agrotóxicos que podem ser vendidos em feiras de rua. Há aproximadamente 40 feiras na Paraíba. A família terá mais renda, além da própria alimentação.”

O Estado da Paraíba já vem fortalecendo iniciativas como essas, com destaque para o Programa Paraíba Produtiva, fruto de um Termo de Cooperação Técnica entre a Empaer, SECTIES, Fapesq e SEAFDS. Tem enfoque em seis arranjos produtivos (entre eles o algodão) com investimentos de R$ 2,5 milhões.

O Secretário Executivo da SEAFDS, Bivar Duda, citou ainda a criação de legislação para agricultura familiar: “o Poder Executivo, por meio da secretaria, discutiu a lei de sementes orgânicas e mudas a qual foi apreciada pelo governador João Azevêdo e encaminhada para a Assembleia Legislativa. Essa lei deverá trazer transformações positivas para a agricultura familiar e sustentável na Paraíba”.

Usina permite aumento na produção

O algodão colhido no campo é recolhido por veículos do Instituto e levado para a usina, em Pirpirituba. As montanhas de “sacas de lã” armazenadas remetem a formação rochosa batizada com esse nome, próximo à Cabaceiras, no Cariri paraibano. Atração turística, a excêntrica formação parece fardos de algodão empilhados. A Paraíba – especialmente a região polarizada por Campina Grande – vivenciou períodos de envergadura na produção de algodão, quando as sacas de lã (fardos de algodão) eram exportadas; ou declínio, quando o algodoeiro era dizimado por pragas como o inseto bicudo.

Atualmente, plantar algodão orgânico tem aumentado a renda das famílias no Semiárido, não só na Paraíba, mas também no Rio Grande do Norte, onde o projeto é denominado Algodão Agroecológico Potiguar, além de outros projetos existentes de apoio ao plantio de algodão. A Usina de Beneficiamento de Algodão Antônio Inácio da Silva tem uma capacidade muito maior do que as 200 toneladas colhidas nos dois estados, em 2022.

Foto de mulher branca de cabelos curtos grisalhos que veste camisa branca e usa óculos. Atrás dela grandes equipamentos de metal nas cores vermelho e verde
Maysa Gadelha, presidente do Instituto Casaca de Couro, que coordena o Projeto Algodão Orgânico da Paraíba, explica a necessidade da usina para beneficiar a produção orgânica sem contaminação e em escala | Foto: Márcia Dementshuk

“Uma situação puxa a outra”, argumenta Maysa Gadelha, presidente do Casaca de Couro. “Precisávamos da usina para beneficiar a produção, garantindo que não fosse contaminada. Agora, com a eficiência dos equipamentos, temos capacidade para receber muito mais algodão”, complementa.

Reabrir a antiga Usina Boa Viagem – Beneficiamento de Sementes de Algodão Herbáceo, e restaurar os equipamentos foi uma meta estabelecida entre 2016, 2017 pelo Instituto quando a primeira visita à usina foi feita. “Até chegarmos a oficializar o processo de cessão, visitamos a usina três ou quatro vezes. Quem abria era o Pedrinho Maravilha, [Pedro Lima de Oliveira], que morava pertinho com o pai”, conta Maysa. Pedrinho é filho do antigo vigia da usina, João de Oliveira Maravilha, e guardava as chaves de todas as portas e portões desde o fechamento, em 1985.

Naquele ano Pedrinho Maravilha tinha 13 anos. “Quando a usina fechou, meu pai, bem triste, trouxe as chaves para casa. Eu fui correndo perguntar se podia cuidar das chaves, na esperança de algum dia chegar alguém e eu estar aqui para voltar a abrir. E ele disse sim”, lembra o filho do vigia. “Essa usina representava muito pra nós, pra cidade. Quando eu vi essas máquinas chegando, passando na minha rua, eu me pendurei na janela pra ver e nunca mais esqueci”. A antiga usina teve vida curta, foi inaugurada em dezembro de 1980.

Equipamento restaurado

Foto de homem pardo com cabelos curtos, grisalhos, ligeiramente calvo, vestindo camisa polo azul. Ele apoia o braço em grande máquina de metal nas cores verde, metal e vermelho que está ao lado dele
Pedrinho Maravilha, filho do antigo vigia da usina, guardava as chaves de todas as portas e portões desde o seu fechamento, em 1985 e agora é o novo vigia | Foto: Márcia Dementshuk

A “nova versão” da usina mantém o equipamento da época, depois de ser restaurado. “O mais interessante, é que, quando chegamos, depois de tudo legalizado, com mecânico experiente para recuperar as máquinas e ele dizia, ‘está faltando tal equipamento’, Pedrinho dizia, ‘não, tá guardado na minha casa’. Tudo das máquinas que ele achava que poderia ter sido roubado levava para a casa dele. Depois, ele trouxe tudo de volta e facilitou muito a vida do mecânico! Foi uma dedicação durante anos e nunca teve remuneração”, conta Maysa Gadelha.

As máquinas estão pintadas com cores vivas vermelho e verde e passam a ser atrativo turístico do município, conhecido por ser a sede de comercialização das cachaças D’Diu e Serra Limpa. Segundo Maysa, foram precisos R$ 600 mil para recuperar a parte do equipamento que executa o descaroçamento e os prédios. Esse valor foi obtido por meio de doações dos parceiros privados. Pedrinho é o atual vigia, agora remunerado, e sabe expor exatamente todo o processo de beneficiamento da nova Usina de Beneficiamento de Algodão Antônio Inácio da Silva. O nome é uma homenagem ao empresário, proprietário do Engenho Imaculada Conceição, da Cachaça Serra Limpa.

A usina trará visibilidade a Pirpirituba, além da possibilidade de outras empresas aportarem no município. O Prefeito de Pirpirituba, Denílson de Freitas Silva, considerou: “a reabertura da usina fomentará a agricultura local e regional, promoverá a geração de renda, o desenvolvimento econômico de toda a região e do Estado. Há décadas víamos essa usina fechada e no semblante das pessoas o sonho de reviver um empreendimento que pudesse gerar desenvolvimento. O município foi forte na cultura do algodão há décadas e agora retornamos com a parceria com os órgãos, empresas, a prefeitura que oferece os cortes de terra, as sementes, as sacarias, o transporte, a assistência técnica aos agricultores da nossa região”.

Toda a produção é comercializada junto aos parceiros privados do Instituto Casaca de Couro e há mercado para expandir. Alexandre Harkaly, CEO da Qima IBD, empresa que executa as auditorias e inspeções para a concessão do Selo Orgânico, frisa que “a certeza de que o produto que sai do campo é o mesmo trabalhado na usina, com nada sendo misturado, e na indústria é fundamental. “Toda a rastreabilidade deve estar conservada. A integridade deve constar em todo o sistema e, por meio de auditorias, estamos fazendo esse processo no Casaca de Couro”.

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