Por Filipe Pereira
Colaborador
Fortaleza – CE. A Câmara Municipal de Fortaleza (CMF) realizou, nessa sexta-feira (2), a Sessão Solene para a outorga da Medalha Boticário Ferreira a Maria de Lourdes da Conceição Alves, a cacique Pequena, líder da aldeia Jenipapo-Kanindé. O reconhecimento é por sua grande representação enquanto mulher e chefe de uma tribo indígena.
A Medalha foi instituída em 1981, pela CMF, para premiar o mérito cívico do cidadão que se distingue pela notoriedade do seu saber, relevantes serviços à coletividade, dedicado à causa do Município e exemplos de dedicação ao serviço público.
De acordo com o líder da tribo Anacé e militante do movimento de Juventude Indígena do Ceará, Climério Anacé, esse momento colabora para diminuir a desigualdade social, a negação dos direitos indígenas e viabilizar a causa. “A Pequena representa uma luta e ancestralidade muito forte para os povos do Ceará. Ela reforça que somos resistência. Sua premiação não representa apenas o povo Jenipapo-Kanindé, mas todos os povos indígenas”, comenta.
O momento também é celebrado pelos índios da aldeia. Segundo Juliana Alves, filha e auxiliar de liderança da cacique, é uma honra participar e compartilhar esse momento. “Para a comunidade indígena, é muito importante esse reconhecimento da cacique Pequena perante as autoridades civis fortalezenses. Dar essa honra ao mérito para essa mulher guerreira, que tanto luta em prol da minoria, da cultura e do feminismo dentro da sua aldeia, é super importante”, revela.
Mulher cacique
Todos a têm como cacique Pequena, a primeira cacique do Ceará e do Brasil. O apelido ganhou da mãe, ainda na infância. Nasceu em 25 de março de 1945, na região do Riacho Saco do Marisco, no município de Aquiraz, localizado na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Filha da tribo Jenipapo-Kanindé, seu amor se estende às mais de 100 famílias que integram sua aldeia. Criou os 16 filhos, cerca de 50 netos e aproximadamente uns 15 bisnetos.
Após seu pai falecer e ser a única herdeira, aceitou o seu destino e teve que vencer os preconceitos de outros caciques de outras tribos. Pequena é sinônimo de representatividade: é mulher, é índia, é nordestina, é guardiã da natureza e da memória indígena, é cearense e ainda é liderança.
Eleita em outubro de 2015 Mestre da Cultura, título dado pelo edital Tesouros Vivos da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult), aos 73 anos, a índia mantém um posicionamento forte sobre o rompimento de um costume ainda hoje presente entre os índios cearenses: a exclusividade dos homens na função de cacique.
Pequena precisou reivindicar o direito de ter os mais de 1.700 hectares de terra dos Jenipapos-Kanindé oficialmente demarcados e registrados. Para isso, precisou batalhar pelas famílias em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
No dia 25 de janeiro, acompanhada por filhos e sobrinhos, cacique Pequena subiu ao palco na Reserva Lagoa da Encantada para apresentar canções autorais do seu disco “Beleza da Vida”, lançado no ano de 2016. O evento também foi um momento de articulação política para abordar o contexto atual dos povos indígenas no Brasil e deu início à uma turnê de shows-manifestos que percorrerá por outras tribos indígenas do Ceará. Confira:
Reconhecimento nacional
Apesar de serem os primeiros habitantes brasileiros, os índios ainda convivem com preconceito e a violência. Na última semana, o cacique Emyra Wajãpi, 68, da tribo Wajãpi, no Amapá, foi morto possivelmente por garimpeiros que invadiram a aldeia.
O líder indígena teria sido esfaqueado e jogado no rio. Segundo a equipe da Fundação Nacional do Índio (Funai) na região, a invasão começou quando foi confirmada a morte do cacique. Um grupo de cerca de 15 invasores estava armado e ocupou as imediações da aldeia Yvytotõ. Os moradores precisaram se abrigar em aldeia vizinha, chamada Mariry. Também há relatos de ameaças contra outros indígenas.
A morte do cacique Emyra Wajãpi repercutiu no mundo político e nas redes sociais, evidenciando mais uma vez o acirramento da violência contra os povos indígenas.