No Ceará, os 14 povos indígenas participaram do ato e entregaram um documento ao MPCE pedindo a revogação das medidas
Por Alessandra Castro
Colaboradora
Povos indígenas de todo o Brasil realizaram a Marcha da Resistência – “Sangue Indígena: nenhuma gota a mais”, no último dia de janeiro, em 22 estados do País e no Distrito Federal contra medidas aprovadas pelo Governo Federal ao longo do mês.
Representantes da comunidade indígena também organizaram atos no exterior, que ocorreram em Portugal, na Irlanda, na Suíça e no Canadá. No Ceará, o evento reuniu cerca de duas mil pessoas, entre indígenas e apoiadores.
A manifestação repudiou a Medida Provisória (MP) Nº 870/2019 e decretos assinados pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. A medida retira a Fundação Nacional do Índio (Funai) do Ministério da Justiça e a coloca sob domínio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Além disso, o Mapa também passa a ser o responsável pela demarcação de terras ocupadas por povos indígenas e quilombolas.
No Ceará, as principais críticas das 14 comunidades indígenas do Estado giraram em torno da demarcação de terras e da Saúde Indígena. Segundo Raimunda Rodrigues Teixeira, pajé da comunidade Tapeba de Caucaia, a luta é por mais respeito e dignidade.
“A gente quer que o nosso povo viva melhor. Já estava ruim antes, porque os governantes que entraram não faziam muita coisa para melhorar nossas vidas. Mas agora, esse novo (governo) quer impedir a demarcação da terra, retirar a saúde indígena. Isso é ruim para nós”, afirma.
Dona Raimundinha, como é carinhosamente chamada, explica que, hoje, a Saúde dos Índios é de responsabilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde, e o governo quer acabar com a Secretaria para transferir a responsabilidade aos municípios.
“A Medicina é algo muito bom, a gente precisa dela, porque têm doenças que os índios não entendem, e os médicos entendem. A gente tem posto médico dentro das comunidades indígenas, e as equipes que trabalham lá são muito boas. Retirá-las vai ser algo muito ruim para a gente”, ressalta.
A pajé enfatiza, ainda, que as comunidades indígenas de todo o País ficam no interior dos estados, na mata e isoladas, e muitos municípios não têm condições de prover uma saúde de qualidade para esses povos. Além disso, ela pede uma educação melhor nas tribos.
“Eu não aprendi a ler, escrever, mas não é isso que eu quero para o meu povo, para as crianças e para os adolescentes. Eu quero um futuro melhor, que eles aprendam a ler, escrever, e também aprendam a cultura indígena. A gente não quer deixar a cultura indígena acabar nem no Estado do Ceará nem no Brasil”, enfatiza.
Rosinha Potiguara, cacique Potiguara, em Jucás, no Interior do Estado, declara que, por conta da falta de demarcação de terras, o povo indígena é o que mais sofre, sentido-se desprotegido.
“O governo atacou nosso órgão principal que é a Funai. Era para ele [o presidente do Brasil] fortalecer ela junto com a gente. O que a gente passa não é brincadeira. Quantos de nós já não foram mortos por conta de terras? Nós resistimos para poder existir. A gente quer a revogação das medidas aprovadas pelo presidente e que a Funai volte a ter suas atribuições. O nosso povo quer paz. Queremos estar nas nossas terras, cuidar delas. Para nós, elas são sagradas”, finaliza.
Ministério Público
Em nota, o Ministério Público Federal no Estado do Ceará (MPF-CE) disse que defende os direitos dos povos indígenas e também criticou as medidas governamentais tomadas pelo presidente Jair Bolsonaro. Segundo o MPF, as medidas dificultam as demarcações das terras indígenas.
“A defesa dos direitos indígenas é uma obrigação do Ministério Público Federal e esses direitos são reconhecidos na Constituição Brasileira pelo menos desde 1934. Não é possível, portanto, um retrocesso de quase 100 anos na proteção desses direitos”, afirmou o procurador-chefe do MPF no Ceará, Rômulo Conrado.