Assassinato de líder Guajajara no Maranhão confirma pressão sobre povos indígenas no Brasil

Por Elaíze Farias
Da Amazônia Real

A Amazônia Real, parceira da Agência Eco Nordeste, publicou esta notícia no mesmo dia em que Paulino Guajajara sofreu o ataque que resultou em sua morte. O líder indígena foi assassinado durante uma emboscada de madeireiros, no Maranhão. Segundo a Polícia Militar, não houve confronto.

O assassinato de Paulo Paulino Guajajara foi na região de Bom Jesus das Selvas, entre as aldeias Lagoa Comprida e Jenipapo. Outro indígena, Laércio Guajajara, foi ferido com tiros no pescoço e no braço | Foto: Patrick Raynaud

Manaus – AM. Dois territórios indígenas foram atacados por invasores em menos de 24 horas na Amazônia Legal. Na Terra Indígena Araribóia, no estado do Maranhão, o guardião da floresta e liderança Paulo Paulino Guajajara, de 26 anos, foi assassinado com um tiro no pescoço no início da tarde da última sexta-feira (1), durante uma emboscada de madeireiros ilegais. Na noite de quinta-feira (31), a Base de Proteção Etnoambiental Ituí-Itacoaí, da Fundação Nacional do Índio (Funai), que atende os índios isolados Korubo, na Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, foi alvejada a tiros por pescadores e caçadores ilegais.

Os ataques aos territórios indígenas se intensificaram desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro (PSL), a partir de novembro de 2018, quando ele prometeu não demarcar territórios tradicionais, tomou medidas de flexibilização da política ambiental e anunciou que pretende autorizar a mineração nestas áreas. Estas decisões provocaram tensão e crescimento da violência contra os povos indígenas do Brasil.

Os dois novos casos de violência na Amazônia tiveram repercussão imediata dentro e fora do Brasil, pois neste momento uma comitiva de lideranças está numa jornada internacional denominada campanha “Sangue Indígena, nenhuma gota a mais” para divulgar as violações de direitos e ameaças aos povos indígenas no País.

A coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, que está na jornada internacional, disse que já faz tempo que os indígenas de Araribóia denunciam a situação de ausência de poder público e invasão para exploração de madeira.

O assassinato de Paulo Paulino Guajajara ocorreu na região de Bom Jesus das Selvas, entre as aldeias Lagoa Comprida e Jenipapo. Outro indígena, Laércio Guajajara, foi ferido com tiros no pescoço e no braço. Ele é primo de Sônia, ex-candidata à Presidência da República pelo PSOL.

“Não queremos mais ser estatística, queremos providências do Poder Público, dos órgãos que estão cada vez mais sucateados exatamente para não fazerem a proteção dos povos que estão pagando com a própria vida por fazer o trabalho que é responsabilidade do Estado. Exigimos justiça urgente!”, disse ela, na nota da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil no sábado (2).

Em comunicado divulgado no sábado, a organização União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) disse que o ataque à Base de Proteção Etnoambiental Ituí-Itacoaí, que atende os índios isolados Korubo, foi o sétimo neste ano. O anterior havia sido no dia 21 de setembro. Os indígenas são ameaçados até por missionários fundamentalistas.

De acordo com as lideranças indígenas do Vale do Javari, a estratégia dos invasores, agora, é dar tiros em direção às bases e para o alto e assim evitar que eles sejam importunados pela vigilância da Funai. “Eles já fazem isso para intimidar, para que não sejam abordados”, disse Manoel Chorimpa, da Univaja.

Do governo federal, apenas o ministro da Justiça, Sérgio Moro, se pronunciou, mas falou sobre o ataque a TI Araribóia. A Fundação Nacional do Índio (Funai), chefiada pelo delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier da Silva, apoiado pela bancada ruralista no Congresso Nacional, até o momento não se pronunciou sobre os dois ataques às terras indígenas e nem informou que medidas vai tomar para proteger os territórios.

Pela sua conta no Twitter, Sérgio Moro declarou que a Polícia Federal irá apurar o assassinato do líder indígena Paulo Paulino Guajajara. “Não pouparemos esforços para levar os responsáveis por este crime grave à Justiça”, afirmou.

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), também postou em sua conta no Twitter que a Polícia do Maranhão está colaborando as investigações, apesar de a competência para apurar crimes contra direitos indígenas ser federal.

“Do mesmo modo oferecemos ajuda ao Ibama para combater a incêndios na mesma terra. Secretários de Segurança Público e de Direitos Humanos do Maranhão estão em Imperatriz, em reuniões sobre a Terra Indígena Araribóia. Estamos colaborando com os órgãos federais”, disse Dino.

Em nota, a Polícia Federal disse que vai investigar a morte de Paulo Paulino Guajajara. “Uma equipe de policiais da Superintendência Regional da PF no Estado está se deslocando para a localidade, com o objetivo de apurar todas as circunstâncias do fato”, divulgou a PF.

Tombou um guardião da floresta

Paulo Paulino Guajajara (seu nome indígena é Kwahu Tenetehar) tinha 26 anos de idade. Ele era uma liderança e integrava o grupo Guardiões da Floresta. Formado por 120 indígenas, o grupo foi criado em 2013 para combater retirada ilegal de madeira do território e até incêndios criminosos dentro da Terra Indígena Araribóia, onde vive também o povo Awa-Guajá.

Em entrevista à Amazônia Real, duas lideranças Guajajara contaram como foi o ataque aos guardiões da floresta. Fabiana Guajajara disse que Paulo Paulino e Laércio Guajajara (nome indígena Tainaky Tenetehar) estavam realizando uma caçada de rotina, quando se depararam, por volta das 13h30 de sexta-feira (31), com os madeireiros dentro do território. A Terra Indígena Araribóia foi homologada pelo governo brasileiro em 1999 com 413 mil hectares, onde vivem 6 mil indígenas, portanto, é crime invadir o território e desmatar a floresta.

Paulo Paulino Guajajara (nome indígena Kwahu Tenetehar) tinha 26 anos de idade. Ele era uma liderança e integrava o grupo Guardiões da Floresta

“Eles não estavam em missão de monitoramento como guardiões da floresta, estavam apenas caçando, quando foram surpreendidos pelos invasores. Eram cinco invasores armados que já vieram com intenção de dar tiro. De imediato, deram tiro certeiro no rosto do Paulo. O Laércio também foi atingido, mas conseguiu fugir. Ele já recebeu cuidados médicos. Estamos recebendo apoio da Secretaria Estadual de Segurança do Maranhão”, afirmou Fabiana.

Segundo nota divulgada pela Apib, Paulo Guajajara, também conhecido como “Lobo mau”, levou um tiro no pescoço e morreu na floresta. Laércio foi atingido com um tiro nas costas e um no braço, mas conseguiu sobreviver e foi atendido em um hospital público de Imperatriz, no Maranhão.

A morte de um madeireiro invasor chegou a ser anunciada, mas a informação foi negada pelo Comandante do 34° Batalhão de Polícia Militar de Amarante do Maranhão, tenente-coronel PM Araújo. “Não procede a morte do não-indígena. A perícia da Polícia Civil esteve no local”, disse ele à Amazônia Real.

Silvio Santana Guajajara, que acompanhou o depoimento de Laércio ao secretário de Segurança do Maranhão, Jefferson Portela, disse à Amazônia Real que os dois indígenas estavam caçando desde quinta-feira (31). Havia mais dois rapazes com eles, que foram embora no dia seguinte. Laércio relatou que Paulo quis continuar na caçada porque pretendia levar uma queixada (porco-do-mato) para a alimentação da família.

“Eles decidiram procurar uma cacimba (poço natural) e enquanto estavam limpando a água, o Laércio foi tomar banho. Foi quando eles escutaram um barulho, como se fosse bicho rasgando a mata. O Paulo achou que era queixada, mas quando viram, eram homens fortemente armados, que já foram metendo tiro, não teve conversa. Um tiro atingiu o Paulo na nuca, perto do ouvido e do pescoço. Quando o Laércio viu o Paulo caído, com a mão no pescoço, ele decidiu fugir”, relatou Silvio.

De acordo com Silvio Guajajara, Laércio, mesmo com balas no braço direito e nas costas, conseguiu correr dez quilômetros pela mata, pegou uma motocicleta e se dirigiu à aldeia mais próxima. Ele foi atendido em um hospital do município de Imperatriz, onde passou por cirurgia para retirada das balas.

“Agora, a situação está muito triste aqui, clima muito forte. Os pais dele (Paulo Paulino) estão muito tristes”, disse Silvio.

O corpo de Paulo Paulino Guajajara, segundo Silvio, foi resgatado neste sábado (2) e levado ao Instituto Médico Legal (IML), de Imperatriz, mas deve ser transportado para a aldeia Mucura, de onde são os pais do rapaz, para ser enterrado.

Fabiana Guajajara lamentou a morte precoce de Paulo Paulino, lembrando que ele era uma jovem liderança que deixa esposa e um filho. Ela contou que a morte dele agravou ainda mais uma situação que já era tensa, desde que a rede de madeireiros no entorno da terra indígena cresceu.

“É uma situação de terror dentro das aldeias. As mulheres e as crianças estão assustadas. Os ‘guardiões´, cada vez mais vulneráveis. Com esse governo do Bolsonaro fazendo um discurso anti-indígena, os madeireiros se sentem mais fortalecidos para invadir para retirar madeira e nos atacar”, disse ela

Segundo Fabiana, foi pedido ao governo do Maranhão para que Laércio Guajajara seja incluído no Programa de Proteção de Testemunhas e Defensores dos Direitos Humanos. A Amazônia Real procurou a assessoria da Secretaria Estadual de Direitos Humanos do Maranhão, mas não obteve resposta.

Ataque à base dos isolados do Vale do Javari

Na noite de quinta-feira (31), a Base de Proteção Etnoambiental Ituí-Itacoaí da Funai, na Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, foi atacada por invasores, uma prática que tem se repetido desde o final de 2018.

A Base dos rios Ituí-Itacoaí é uma das quatro localizadas na TI Vale do Javari cuja função é fazer vigilância do território de trânsitos dos índios isolados. Manoel Chorimpa, da Univaja, disse à Amazônia Real que a base atualmente conta com apenas cinco colaboradores indígenas e um servidor da Funai. Não há proteção policial.

“É um risco de vida iminente tanto para os colaboradores indígenas, profissionais que prestam serviço de saúde na base, servidores da Funai quanto aos invasores que tiverem revide dos tiros. Se morrer algum desses, você não imagina o clima de tensão na região. Temos muitos indígenas na cidade que também ficam vulneráveis”, disse Manoel Chorimpa, liderança do povo Marubo, à Amazônia Real.

As lideranças indígenas do Vale do Javari também se preocupam agora com a falta de comunicação entre os servidores e os colaborares indígenas que trabalham nas bases de proteção aos isolados. Segundo Chorimpa, os funcionários estão cada vez mais acuados, com receio de denunciar até mesmo os casos de invasões e ataques. Ele contou que deste esta sexta-feira (1º) os indígenas não conseguem mais contato com os funcionários da base, cuja única comunicação é via Whatsapp.

“Agora eles não podem mais nem avisar. Cortaram o sinal. Não sei se há alguma orientação para isso. A Funai, em Brasília, se fecha. Não sabemos o que eles estão fazendo, se estão tomando providências, não sabemos nada”, disse Chorimpa.

No último dia 29, um grupo de quatro lideranças da etnia Marubo esteve na Sexta Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, em Brasília. Manoel Chorimpa era um deles.

Em nota divulgada neste sábado, a Univaja diz que a visita ocorreu para relatar a grande vulnerabilidade dos índios isolados e de recente contato no Vale do Javari e pedir providências da atuação urgente de forças de segurança nas Bases do Ituí e Curuçá, “não da forma paliativa como vem acontecendo”.

“As forças de segurança pública têm de atuar conjuntamente com as equipes da Funai por no mínimo um período de 24 meses seguidos, numa perspectiva de que se normalize os patamares de proteção à Terra Indígena de anos anteriores. Da forma que vem acontecendo atualmente, onde as forças de segurança só são acionadas quando ocorre alguma ocorrência como essa e, em no máximo 10 ou até 15 dias, retornam para Tabatinga (AM), tem deixado as equipes da Funai e os indígenas vulneráveis do mesmo jeito”, diz a nota.

Conforme a Univaja, nas imediações de um afluente do Rio Ituí estão localizados 32 indígenas Korubo que dependem das equipes da Funai e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Sem esses atendimentos podem sofrer com uma gripe e isso seria fatal.

“Esses ataques afetam não só os trabalhos de fiscalização e servidores da Funai, mas também servidores da saúde, equipes de apoio e inúmeros colaboradores indígenas que prestam serviços nesses locais”, diz a nota.

A Terra Indígena Vale do Javari é a segunda maior, com 8,5 milhões de hectares. O território tem a maior quantidade de registros de povos isolados do Brasil: são 10 referências confirmadas e quatro em estudos, segundo a Funai. Os povos contatados são Marubo, Matís, Mayoruna, Kanamari, Kulina e Tyohom Djapá (este de recente contato) e alguns grupos de Korubo.

O território possui quatro Bases de Proteção Etnoambiental, como são chamadas oficialmente, e estão localizadas nos Rio Ituí-Itacoaí, Rio Jandiatuba, Rio Curuçá e Rio Quixito.

A Amazônia Real procurou a assessoria de comunicação da Funai para obter informações sobre providências aos dois casos relatados nesta matéria, mas até o momento não respondeu.

Repercussão internacional

Em nota, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) repudiou o ataque e o assassinato e informou que seu relatório contabilizou 160 casos de invasão a 153 terras indígenas de 19 estados brasileiros entre janeiro e setembro de 2019. LINK

“Hoje não é exagero dizer que os indígenas não podem mais circular em seus territórios com segurança. De tal forma que não nos cabe apenas exigir a apuração do fato em si, mas de denunciar quem tem incentivado e permitido invasões a Terras Indígenas associadas a atentados, assassinatos, ameaças, esbulhos, incêndios criminosos. E quem tem incentivado é o próprio presidente, como ele mesmo admitiu no caso das queimadas”, diz nota do Cimi, que atribui a gravidade da situação às falas do presidente Jair Bolsonaro contra demarcação e regularização dos territórios indígenas.

A Survival Internacional também divulgou nota pública lembrando que no início deste ano, Paulo Paulino Guajajara deu uma entrevista à organização britânica alertando sobre as invasões e a extração de madeira no território.

“Fico com tanta raiva de ver isso (a destruição da floresta)! Essas pessoas pensam que podem vir aqui, para a nossa casa e fazer o que querem da nossa floresta? Não. Não vamos permitir. Nós não invadimos suas casas e roubamos, não é? Meu sangue está fervendo. Estou com muita raiva”, disse ele, à Survival.

Conforme a coluna do jornalista Jamil Chade, do site UOL, a relatora da ONU para o Direito dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, condenou o ataque à TI Araribóia e a morte da liderança Guajajara.

“Condeno nos termos mais fortes essa morte e apelo ao governo a levar os autores dos crimes à Justiça”, disse a relatora, em declarações à coluna.

A organização Survival Internacional divulgou um vídeo que foi enviado às autoridades em junho de 2019, no qual Paulo Paulino e Laércio Guajajara apareceram ao lado do coordenador dos Guardiões, Olimpio Guajajara, para avisar que suas vidas estão em risco.

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