Toda semana são feitas de quatro a seis visitas aos solicitantes; durante a visita, são feitas a medição da casa e o levantamento das necessidades por meio de conversas com os moradores | Foto: Ribamar Neto/UFC

Por Síria Mapurunga
Da Agência UFC

Escritório de Tecnologia Social da UFC desenvolve projetos de construção, reforma, ampliação e regularização fundiária levando conhecimento acadêmico às periferias

Um espaço construído nos moldes de uma casa popular para servir de local de trabalho. Nesse lugar, localizado no Campus do Pici Professor Prisco Bezerra, são desenvolvidas as atividades do Escritório de Tecnologia Social (Etecs). O projeto de extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC) foi colocado em prática em 2006 pelo professor Alexandre Bertini, do Departamento de Engenharia Estrutural e Construção Civil, com o objetivo de ajudar famílias carentes a realizar o sonho de uma moradia projetada e/ou regularizada.

A iniciativa pioneira antecipou-se em dois anos à promulgação da Lei N° 11.888/2008, a chamada Lei da Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (Athis), que assegura a famílias com renda de até três salários mínimos assistência técnica gratuita por profissionais qualificados.

Em 2018, o Etecs recebeu menção honrosa na primeira edição do Prêmio Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Prêmio ODS Brasil). A premiação, que é uma iniciativa do Governo Federal, reconheceu o escritório como um dos dez melhores projetos de pesquisa e extensão do Brasil.

O grupo é formado por dez estudantes – seis de Engenharia Civil e quatro de Arquitetura e Urbanismo –, sob orientação do professor Bertini e da arquiteta da UFC Paula Sombra, que desenvolvem projetos de construção, reforma e ampliação, além da regularização fundiária. Além desses dez, outros quatro membros estão alocados na Pró-Reitoria de Planejamento e Administração (Proplad), onde se dedicam a outra iniciativa relacionada à Universidade.

Até agora, desde que a equipe passou a contabilizar as ações, foram mais de 750 projetos realizados. Segundo os dados mais recentes, a regularização fundiária responde pela maior parte das demandas (57%), seguida de projeto estrutural e projeto arquitetônico (10% cada).

Neste ano, o escritório passou por uma reestruturação de organograma, dividindo os estudantes em quatro departamentos, com o objetivo de facilitar o trabalho do Etecs. No Departamento Administrativo Financeiro, estão Janaína Gil (Arquitetura e Urbanismo), Vítor Fraga e Lídia Baima (Engenharia Civil). Sarah Oliveira (Engenharia Civil) e Beatriz Sousa (Arquitetura e Urbanismo) ficam com a parte de Gestão de Projetos; enquanto Lina Garcia (Arquitetura e Urbanismo) e Zaqueu Linhares (Engenharia Civil), com Gestão de Pessoas. Na Comunicação, atuam Luana Rodrigues (Arquitetura e Urbanismo) e Gabriela Albuquerque (Engenharia Civil). Os estudantes mais experientes, como Herbet Batista (Engenharia Civil), que desde 2015 acompanha as atividades do Etecs, atuam como conselheiros.

Critérios de seleção

A equipe não chama as pessoas que procuram os serviços do escritório de clientes, mas de solicitantes. O que parece detalhe é, na realidade, a humanização do tratamento, um modo de agir que leva em consideração a aproximação com as famílias.

Além do critério da renda familiar (até três salários mínimos), o Etecs obedece a algumas especificações para atuar. Para construção, reforma ou ampliação, só desenvolve projetos residenciais, térreos e de até 80 metros quadrados de área construída. Para regularização fundiária, só são feitos planta técnica e memorial descritivo em terrenos de até 250 metros quadrados. Outro detalhe importante: o Etecs não custeia nem fornece mão de obra ou material para a execução de obras, apenas desenvolve os projetos com consultoria técnica especializada.

O projeto tem inserção em dezenas de bairros de Fortaleza. A rota é traçada a partir do solicitante mais antigo e, em seguida, são pesquisados outros solicitantes próximos, a fim de otimizar a logística | Foto: Ribamar Neto/UFC

O solicitante deve entrar no site e preencher um formulário com seus dados pessoais e o endereço do imóvel, especificando se se trata de construção, reforma, ampliação ou regularização fundiária. Nos casos de regularização, em geral as pessoas são encaminhadas ao Etecs pela Defensoria Pública Geral do Ceará ou pelos núcleos de práticas jurídicas de faculdades de Direito, onde tem início o processo de regularização.

As informações são armazenadas em cartões em um banco de dados, e o solicitante aguarda em uma lista de espera. Toda semana são feitas de quatro a seis visitas aos solicitantes. A equipe identifica as pessoas com os pedidos mais antigos e suas respectivas localizações. “A rota é traçada a partir do solicitante mais antigo e, em seguida, chegamos aos que estão próximos a ele”, explica Janaína Gil. Durante a visita, são feitas a medição da casa e o levantamento das necessidades por meio de conversas com os moradores.

No retorno ao escritório, a Gestão de Projetos delega as solicitações entre o grupo. “A gente se consulta mutuamente, arquitetos e engenheiros. Uma coisa a que estamos tentando chegar, agora, é a um nível de projeto que inclua o orçamento para que a pessoa tenha alguma noção quando for realizá-lo”, destaca Janaína.

Para a regularização fundiária, o Etecs consegue entregar a solicitação em duas semanas; nos outros casos, a média de espera para o solicitante é de 30 dias, porque há muitas etapas, que incluem desde o projeto arquitetônico, passando pela concepção do espaço, consulta aos engenheiros, parte estrutural e chegando, finalmente, ao orçamento. O solicitante é comunicado por telefone quando deve comparecer ao escritório para buscar seu projeto. Todo o processo é gratuito.

Alexandre Bertini salienta o apoio do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea-CE) desde o início do projeto. O Crea aportou recursos durante muito tempo e, hoje, disponibiliza veículo e motorista para as visitas técnicas, que, neste semestre, estão ocorrendo nas tardes das quintas e sextas-feiras.

Apesar de ser um projeto de extensão, o Etecs atua também na pesquisa e, no momento, empenha-se em ampliar a ação do escritório para a parte de transferência tecnológica. “Nós não somos um grupo de pesquisa, mas eu sou um pesquisador além de extensionista, então sempre trago o conhecimento que adquiri, como agora no desenvolvimento de um tanque de armazenamento para uma organização”, explica Bertini.

O professor Alexandre Bertini diz acreditar que, com a curricularização das ações de extensão, o Etecs tende a receber mais estudantes e atender a mais pessoas | Foto: Ribamar Neto/UFC

Com a chamada curricularização da extensão, determinando que no mínimo 10% da carga horária dos cursos seja de ações de extensão, Bertini prevê o crescimento do Etecs por meio do incremento de estudantes de outras graduações e da necessidade de um espaço físico maior. Para o futuro, o professor projeta também a ampliação do uso de novas tecnologias visando tornar mais preciso o trabalho de regularização fundiária.

Cidadania e consciência social

Essa iniciativa do Etecs contribui para o processo de ensino/aprendizagem na UFC e cria um ambiente para a aplicação de conhecimentos, desenvolvendo ainda a cidadania e a consciência social.

O estudante Vítor Fraga, que integra o grupo há um ano, se emociona ao relembrar sua primeira visita técnica. “Foi uma das situações que mais me marcaram. Eu estava em processo de treinamento e fui a uma casa que tinha menos de 30 metros quadrados. Ver aquela situação de dificuldade me impactou bastante. Em outra ocasião, atendi um servidor da UFC com dificuldade de locomoção que agradeceu o meu atendimento”, relata.

Gabriela Albuquerque está no time do Etecs desde o início do ano e também se sensibiliza ao descrever o recente episódio de uma solicitante que, a partir da avaliação da equipe do escritório, terá de ver sua casa demolida e reconstruída. “A gente está até tentando encontrar meios de ajudar essa senhora, porque, por mais que não seja nossa atuação a parte de execução e custeio, a gente fica comovida”, conta. Em casos como esse, é feita uma comunicação à Defesa Civil, que interdita a residência e coloca a família em um aluguel social.

“Foi uma das situações que mais me marcaram. Eu estava em processo de treinamento e fui a uma casa que tinha menos de 30 metros quadrados. Ver aquela situação de dificuldade me impactou bastante” Vítor Fraga, estudante

O know-how adquirido com a iniciativa acaba sendo determinante na carreira dos futuros profissionais. É o caso do estudante de Arquitetura Vítor Mourão, que foi membro do Etecs durante dois anos e, a partir da experiência no projeto, despertou para a fundação de um negócio de impacto social na área de reformas residenciais para o público popular, a RemodeLar. Além disso, ele no momento desenvolve trabalho de conclusão de curso (TCC) inspirado nas vivências no Etecs, atualizando a ideia de painéis pré-moldados de cerâmica. Vítor executou o projeto em escala real com a ajuda de outros estudantes. O objetivo é diminuir o desperdício de materiais e o tempo de construção, reduzindo, assim, os custos para as pessoas de baixa renda.

Cenário preocupante

Segundo pesquisa elaborada pela Fundação João Pinheiro (FJP), o Brasil conta com déficit habitacional de 6.355.743 moradias. No Ceará, esse número totaliza 302.623, sendo que só na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) é de 147.111. A habitação precária como um dos componentes do déficit habitacional, no Ceará, chega a 73.568 moradias. Os dados básicos foram retirados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2015. De acordo com o Plano Plurianual de Fortaleza (2018-2021), 1.085.470 habitantes estão vivendo sob algum tipo de precariedade habitacional, o que representa 41,6% da população da Capital.

Serviço

O Escritório de Tecnologia Social (Etecs) funciona de terça a sexta-feira, das 14h às 17h, ao lado do bloco 708 do Campus do Pici Professor Prisco Bezerra, em Fortaleza. Para solicitar projetos, é necessário preencher um formulário no site. Mais informações pelo telefone (85) 99776 9408.

1 Comentário
  1. Boa tarde…
    Meu nome e Rossane Wakimoto sou acadêmica de Engenharia Civil da Unifatecie Paranavaí – Pr. estou em estudo do meu TCC , gostaria de saber se o Escritório de Tecnologia Social da UFC ainda esta em desenvolvimento?

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