O Piauí tem 8,2 milhões de hectares predestinados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) ao território de expansão agrícola do Matopiba. Comparado com Maranhão, Tocantins e Bahia, que integram o mesmo território, detém o menor percentual: 11,21%. As terras estão localizados no Sul do Estado, onde, em meio à monocultura de soja e de milho, se multiplicam problemas socioambientais, entre eles o do trabalho análogo à escravidão. 

Foto colorida mostra dois trabalhadores rurais preparando uma área desmatada para plantio. Um deles, em primeiro plano, usa chapéu, está de costas e carrega um balde na mão.
Agricultores resgatados preparavam a terra com as próprias mãos | Foto: Ministério Público do Trabalho no Piauí

Entre os quatro estados que integram a maior fronteira agrícola nacional, o Piauí é o único que apresentou redução nos índices de desmatamento, de acordo com levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) relativo ao bioma Cerrado. Em 2023, o índice foi 5,15% inferior aos anos anteriores. O Governo do Estado do Piauí comemorou o resultado, atribuído à intensificação das ações de fiscalização. Mesmo conseguindo frear a devastação no ano passado, o Piauí não apagou do mapa outros impactos socioambientais do agronegócio, como trabalho análogo à escravidão e a devastação das nascentes dos rios.

O Ministério Público do Trabalho no Piauí (MPT-PI) resgatou mais de 160 trabalhadores rurais em condições análogas à escravidão em 2023, muitos deles na região do Matopiba (76% da produção agrícola do Estado do Piauí é de origem do Sul do Estado). Na última ação do ano, em dezembro, libertou 13 pessoas em Gilbués, um dos 33 municípios do Estado inseridos no Matopiba.

Em nota à imprensa, o MPT informou que os resgatados desempenhavam funções manuais de catação e queima de raízes e tocos para o processo de aração e preparação do solo para plantação de soja, em fazenda na zona rural do município. Eles não possuíam nenhum registro legal de trabalho, seja em carteira, livro ou contrato. Além de serem submetidos a condições degradantes de estadia nos alojamentos, os trabalhadores eram obrigados a realizar suas refeições ao relento e não possuíam instalações sanitárias para suas necessidades fisiológicas.

 “Alguns tinham as mãos cortadas por não utilizarem nenhum tipo de equipamento de proteção individual. Foram encontrados alojados em um local muito pequeno para a quantidade de pessoas, sem energia, e para realizar suas refeições durante o dia na área de trabalho, se utilizavam apenas da sombra de um único pequizeiro visto que toda a área estava desmatada”, descreve o procurador Edno Moura, também  titular regional da Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete).

Do total, no País, de trabalhadores encontrados sob regime de escravidão ano passado, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, o Piauí ocupa a quinta posição. Na lista nacional dos empregadores que mantinham pessoas trabalhando em regime análogo à escravidão, divide com a Bahia – outro Estado integrante do Matopiba – a quarta posição, com a inclusão de 14 novas empresas, em 2023.

Denominado com as sílabas iniciais dos quatro estados que abrange, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, o Matopiba inclui 337 municípios e é apontado desde os anos 1980 como um celeiro mundial de commodities. Sobre a vegetação nativa e populações tradicionais desses três estados do Nordeste e um do Norte avançam plantações de soja, milho e algodão.

Os 73 milhões de hectares do Matopiba integram três biomas: Cerrado ( 66,5 milhões de hectares, o equivalente a 91% da área); Amazônia (5,3 milhões de hectares correspondentes a 7,3%); e Caatinga (1,2 milhão de hectares que ocupam 1,7%). Sendo reconhecida como área de franca expansão agropecuária pelo Governo Federal desde 2015, o Matopiba é uma porteira aberta para a devastação da Amazônia.

Desmatamento no Matopiba em 2023

Área desmatada (km²) de Cerrado

  • Maranhão 2.928,81 
  • Tocantins 2.233,58
  • Bahia 1.971,71
  • Piauí 1.127,51

Diferença (%) entre 2022 e 2023

  • Maranhão 3,35 (a mais)
  • Tocantins 4,99 (a mais)
  • Bahia 38,9 (a mais)
  • Piauí  5,15 (a menos)

A expansão da monocultura no Piauí segue o padrão dos outros Estados que fazem parte do Matopiba: inicia via de regra com a grilagem de terras, em que propriedades rurais muitas vezes ocupadas por camponeses, indígenas e quilombolas são “passadas no papel” para empresários e grandes grupos do agronegócio.

Uma liderança social do campo que atua, pela Diocese de Floriano, próximo à porção piauiense do Matopiba, fez o relato a seguir sobre os conflitos gerados pela monocultura e grilagem. Ele pediu para não ser identificado por temer represálias.

O início:  

“Nos últimos 10 a 15 anos, o Sul do Piauí tem sido invadido por grandes empresas e projetos de monocultivo (sic), especialmente soja e eucalipto, que têm causado impactos ambientais irreparáveis. Essa invasão no Cerrado piauiense provocou a grilagem, violência no campo e expulsão de famílias, prejudicando ainda imensamente o solo, a terra, através do desmatamento, com uso abusivo de agrotóxicos.”   

Os conflitos:

“A partir da invasão das pequenas propriedades rurais, por conta da grilagem, as áreas dos brejos, onde os agricultores costumavam criar animais soltos, não existem mais. O animal que sobe a serra e adentra num projeto de monocultivo é morto. Há ainda tentativa de cooptação de lideranças das comunidades e ameaças.”

Agrotóxicos:

“Comunidades inteiras são impactadas com os agrotóxicos por conta da pulverização aérea, que tem grande alcance. A contaminação atinge as fontes de água e também diretamente as pessoas.”

Atuação da Igreja Católica:

“Temos realizado, em algumas comunidades, um trabalho de acompanhamento e apoio no sentido de contribuir no processo de organização para que esses povos e comunidades lutem pela garantia de seus direitos, sobretudo pela posse e a garantia da titulação de suas terras, assim como a implementação políticas pública que possibilitem essas famílias permanecerem em suas terras.” 

Os desafios:

“O poderio desses grandes empreendimentos, que contam com o apoio dos governos estadual e federal; aliado à precariedade das políticas públicas, faz com que muitos membros dessas famílias camponesas, por falta de oportunidade, terminem se sujeitando a trabalhar nas fazendas. Isso torna as famílias reféns, algumas inclusive se negam a participar de um processo de construção comunitária por medo de perder o emprego.”

Projeto ma.to.pi.ba

Este conteúdo faz parte do Projeto ma.to.pi.ba, uma iniciativa multimídia da Eco Nordeste, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Lançado em janeiro, traz matérias, reportagens, podcasts, webstories e newsletters que lançam sobre a região do Matopiba um olhar para além do agronegócio. Ao mesmo tempo que aborda os problemas socioambientais, o projeto aponta experiências que têm dado certo na região, seguindo a linha editorial de jornalismo de soluções adotada pela Eco Nordeste.  

O projeto é executado por uma equipe premiada composta pelos repórteres Alice Sales e Victor Moura, os fotógrafos Camila de Almeida e Erick Amorim, com edição da jornalista Verônica Falcão e coordenação geral da jornalista Maristela Crispim. Líliam Cunha assume a Assessoria de Comunicação; Flávia P. Gurgel é responsável pelo design; Isabelli Fernandes, edição de podcasts; e Andréia Vitório faz o gerenciamento das redes sociais.

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