Os ciganos que morreram no Brasil pela Covid-19 terão suas histórias preservadas no Memorial Virtual que o Instituto Cigano do Brasil (ICB) vai inaugurar nos próximos dias. O presidente da instituição, o calon Rogério Ribeiro, vê na homenagem uma forma de “tirar da invisibilidade cidadãos que têm família, história e deixaram um legado após a morte”.
Das 11 vítimas, até o fechamento desta matéria, duas faziam parte das comunidades ciganas que residem no Ceará. A primeira, no último dia (2), foi Antônio Ferreira dos Santos, o cigano Barroso, 63, que era músico e residia no Bairro Sumaré, em Sobral, no Norte do Estado. A segunda vítima foi Solimar Melo, que ficou quase um mês entubado num hospital em Crateús, onde residia e faleceu, no último dia 11. Ele deixou um filho de 14 anos e esposa.
“O Memorial é uma grande iniciativa, é muito valioso. Muito bonito mesmo. Estamos ainda muitos tristes com a morte do nosso ente querido, mas estou feliz em saber que a memória dele permanecerá”, diz emocionado Joaquim Ferreira, irmão de Barroso.
Pessoas queridas
O líder da comunidade cigana de Sobral, Paulo Cigano, que é vice-presidente do ICB, conta que o objetivo é de “guardarmos não só nos nossos corações e nas nossas mentes a perda de pessoas queridas. Perdemos vários parentes. Sentimos muito por não podermos estar presentes do sepultamento deles, o que é mais triste. Isso dói demais. Por isso, resolvemos criar o memorial para resguardar a memória de nossos irmãos para as futuras gerações ciganas.
Para participar, familiares ou amigos das vítimas irão acessar a página “Memorial virtual das vítimas da Covid-19 Povo Cigano do Brasil” e informar nome, idade e uma pequena descrição sobre a pessoa que gostaria de incluir no monumento virtual.
Ritual cigano
Os ciganos obedecem certos rituais após a morte de um membro da família. Os calons, por exemplo, deixam a barba e cabelos crescerem por anos. Já as viúvas cortam os cabelos e mantêm resguardo pelo marido, passam a criar sozinhas os filhos e não se casam novamente. Quando morre um cigano com o mesmo nome, outros ciganos não podem ser chamados pelo nome no meio das pessoas.
Os calons ficam durante sete dias sem comer carne vermelha e 60 dias sem escutar música ou dançar. O luto é fechado e dura um ano. Pertences do falecido, como as roupas, são queimadas (colchão, travesseiro, cobertas).
Já entre os Rom, as cerimônias fúnebres são chamadas de “Pomana” e são feitas periodicamente até completar um ano de morte. Os ciganos costumam fazer oferendas aos seus antepassados também nos túmulos. Quando uma pessoa anciã de um clã cigano está doente e sua morte foi prevista, é avisado a todos os seus parentes de longe e de perto, não importa onde estejam. A vida, a doença e a morte do mais velho é prioridade sobre todos os outros assuntos e entre todos os clãs ciganos.
Três dias após o falecimento, os ciganos fazem uma festa em homenagem à pessoa morta, com tudo o que o finado gostava, além de muitas flores e cores. Mesmo com tristeza, eles dançam e cantam seus lamentos com alegria, para quem se foi não ficar triste também.
No Ceará, moram cerca de 20 mil ciganos. No Nordeste, eles são aproximadamente 600 mil. No Brasil, três milhões.