300 mil ciganos do Nordeste clamam por ajuda para enfrentar o coronavírus

Por Maristela Crispim
Editora geral

Muitos ciganos vivem em acampamentos ou em moradias precárias e dependem financeiramente de vendas feitas na rua, o que preocupa as entidades que os representam | Foto: Cid Barbosa

Fortaleza- CE. Considerados os mais excluídos de toda a população de baixa renda do País, os ciganos nordestinos estão se deparando com uma situação mais desesperadora do que a maioria da população em tempos de coronavírus. Contrariando a sua tradição de povo andarilho, eles estão confinados em suas casas, ranchos e acampamentos. A quarentena, entretanto, pode ser rompida por causa da ameaça do flagelo da fome. O contágio entre a etnia mais desassistida do País pode ser desastroso.

“Estamos cumprindo as determinações dos governos estaduais e federal. Os ciganos estão recolhidos. Entretanto, não sei até quando irão suportar essa situação se não vier um socorro imediato do poder público”, assegura Rogério Ribeiro, calon presidente do Instituto Cigano Brasil (ICB), cuja sede localiza-se em Caucaia/CE.

“Os ciganos moram muito próximos uns dos outros. Temos os exemplos do Bairro Sumaré, em Sobral; em Pindoretama; no Barroso, em Fortaleza. As casas são próximas e quase sempre conjugadas, bem modestas e sem as mínimas condições sanitárias. E as visitas fazem parte da tradição. É um barril de pólvora. Os acampamentos têm 14 barracas vizinhas. Até agora, não temos registro da doença. O meu temor é que, quando faltar alimentação, eles vão ter que pedir ajuda fora ou até aos vizinhos. Se isso vier a acontecer, teremos o caos. Por isso, é urgente a ação imediata do poder público para evitar uma tragédia”.

Fora do Cadastro

Para Rogério, a situação do povo cigano é a mais delicada. “Somos cerca de 3 milhões em todo o Brasil. Entre os rom – e seus vários subgrupos, como os kalderashi, macwaia, horahane, lovaria e rudari, entre outros- e os calon. No Nordeste, são 300 mil, aproximadamente; no Ceará, 20 mil espalhados por, pelo menos, 60 municípios do interior. Desse universo de 3 milhões, acredite, somente 26 mil estão inscritos no Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico), o que é um número irrisório. A maior parte vive em situação precária e sequer tem escolaridade. Estou antevendo dificuldades para eles conseguirem se inscrever por meio desse aplicativo que o Governo Federal vai lançar para o pagamento da ajuda de R$ 600″

“As famílias ciganas estão aguardando ajuda dos governos com cestas básicas. Muitos já estão passando por diversas dificuldades. A maioria dos ciganos são comerciantes autônomos. Precisam ir para a rua vender suas mercadorias e estão impossibilitados por causa do coronavírus”, conta Joaquim Ferreira, chefe da comunidade do bairro Barroso, em Fortaleza.

Gleicivânia Gomes, coordenadora do Instituto Cigano Brasil da Comunidade dos Trilhos, em Catuana, Caucaia/CE, frisou que a as oito famílias que residem ali aguardam a ajuda de terceiros. “A situação é terrível. Eles já enfrentam dificuldades no cotidiano. Com a chegada do coronavírus, as coisas pioraram. Estamos pedindo ajuda a todos. Recebemos a doação de bananas nessa semana e ainda repartimos com a Casa de Maria, que abriga muitas crianças necessitadas. Deu para tirar do sufoco momentaneamente. Mas o temor é que, sem ajuda, o isolamento será rompido e o pior pode acontecer”.

Oito famílias que residem em Catuana, Caucaia/CE já enfrentam dificuldades no cotidiano receberam a doação de bananas nesta semana e repartiram com a Casa de Maria, que abriga crianças necessitadas

Em Pindoretama, a comunidade cigana aguarda a doação de cestas básicas por parte do grupo Mulheres do Brasil. O Mesa Brasil, do Serviço Social do Comércio (Sesc), doou 150 litros de leite que foram distribuídos para o pessoal de Sobral, da Comunidade Sumaré e da Fazenda Joelma.

Ofícios

O ICB enviou ofícios para o Governo Federal, governos estaduais e diversas prefeituras do Brasil pedindo ajuda. “É preciso que as autoridades levem em conta as peculiaridades da nossa etnia. Aqui no Ceará, somos sedentários (vivem em casas, estão fixados). Em outras regiões, o nomadismo ainda é muito presente. Como essas pessoas vão fazer um cadastro sem ter residência fixa? É preciso que isso seja levado em consideração. Aos poucos, estamos conseguindo mudar essa realidade. Estamos provocando os órgãos públicos para que incluam o campo da etnia em todos os documentos, bancos de dados e levantamentos, a fim de que possamos saber quem é cigano e possa ter um tratamento adequado”.

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