O Serrote Pão-de-Açúcar fica em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza | Foto: Alice Sales

Por Vanda Claudino-Sales
Geógrafa
Professora associada aposentada da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Professora visitante da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)
vcs@ufc.br

O fenômeno vulcanismo é o resultado da ascensão do magma (rocha fundida existente no interior da Terra) à superfície terrestre. O material originado por esse processo, de maneira geral, se apresenta de forma gasosa, líquida (lava) e sólida, e suas características dependerão essencialmente da composição original do magma, bem como das condições de temperatura e pressão reinantes no momento da erupção. Apesar dos avanços tecnológicos, o vulcanismo, dentre todos os fenômenos naturais, é um dos mais complexos e desconhecidos no tocante aos mecanismos de gênese e evolução.

No Brasil atualmente não ocorre esse tipo de processo (ao contrário da Indonésia, onde o Vulcão Kakratoa entrou em erupção no dia 9), pois não está nos limites ativos de placas tectônicas. Porém, nem sempre foi assim. Em períodos anteriores da história geológica, importantes eventos magmáticos ocorreram de forma intensa em várias regiões brasileiras.

Uma das regiões influenciadas por eventos desse tipo foi o Nordeste brasileiro, que passou por tais processos, notadamente na sua porção oriental. As atividades magmáticas mais recentes na área ocorreram por volta de 30 milhões de anos, na época Oligoceno do período Terciário, na forma de pequenas atividades vulcânicas em setores continentais dos estados do Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba.

No Ceará, as rochas vulcânicas originadas nesse período receberam a denominação geológica de Formação Messejana. Sua primeira referência data da década de 1950, feita pelo geólogo e pesquisador Fernando Flávio Marques de Almeida, que associou relevos de Fernando de Noronha a essa formação e a definiu como fazendo parte da zona de fraturas da cadeia vulcânica desse arquipélago (ALMEIDA, 1955).

Apesar de estarem expostas aos ataques dos agentes erosivos pelo intervalo de tempo de 30 milhões de anos, as rochas vulcânicas relativas à Formação Messejana ainda persistem na paisagem natural de alguns dos municípios da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), na forma de dez feições de relevo de pequena envergadura (Figura 1). Eles representam um elemento peculiar, compondo a forma mais diferente da paisagem local. Os relevos e estruturas vulcânicas da RMF são pouco detalhados pelos levantamentos geológicos existentes, e conta com apenas um levantamento geomorfológico, detalhando o relevo (COSTA, 2008).

Figura 1. Localização dos relevos vulcânicos na Região Metropolitana de Fortaleza, Ceará. Fonte: Costa e Claudino-Sales, 2020.

Os relevos vulcânicos da RMF representam vulcões extintos, que não correm mais riscos de passarem por erupções. Eles são formados por necks e diques. Os necks representam estrutura na forma de cone truncado, originadas pela solidificação de magma dentro do cone de um vulcão ativo. Na sequência evolutiva, o edifício vulcânico passa por erosão e é destruído, restando apenas lava consolidada no seu interior (o neck). Os diques representam injeção de magma em rochas pré-existentes. O magma penetra por meio de falhas e fissuras, criando estruturas normalmente tabulares no interior das rochas encaixantes.

As rochas que constituem os edifícios vulcânicos apresentam cristais praticamente imperceptíveis a olho nu. Essa situação resulta do fato de que os rochas dos relevos vulcânicos da RMF terem sido formadas próximas à superfície, em profundidade não superior a algumas dezenas de metros, sendo consideradas subvulcânicas (MOTA, 2005). Além disso, por se tratar de corpos pequenos, o resfriamento do magma se deu rapidamente, o que justifica ainda mais a granulometria fina que apresentam.

A maneira como se processou o magmatismo em superfície é algo difícil de saber – isto é, a erupção pode ter sido do tipo explosiva ou efusiva. O alto conteúdo de sódio e potássio presente nessas rochas, que são elementos superficiais, permite inferir a ocorrência de erupção mais efusiva durante o vulcanismo da Formação Messejana, ou seja, com pequeno derrame de lava.

Quanto à origem dos relevos vulcânicos da RMF, uma hipótese os associa a uma zona de fraturas oceânicas, associada com a expansão do assoalho do Oceano Atlântico, por meio da qual teria havido ascensão de magma. Alguns dizem que essa zona de fraturas é responsável pelo alinhamento no qual se localizam diversos montes vulcânicos submarinos que corta o Oceano Atlântico no Nordeste do Brasil, como o Atol das Rocas, o Arquipélago de Fernando de Noronha e rochas da Formação Messejana. Este alinhamento está orientado aproximadamente segundo o paralelo de 4° de latitude Sul e 32º de longitude Oeste (Figura 2).

Figura 2. Região oceânica adjacente ao Nordeste brasileiro. Observa-se o Arquipélago de São Paulo na zona de fratura São Paulo e o possível alinhamento da zona de fratura entre Fernando de Noronha e a Formação Messejana. 1 – Limite de zonas de fratura. 2 – Rochas magmáticas. Fonte: Almeida et al. (1996).

Entretanto, existe também uma segunda hipótese, associando a origem da Formação Messejana à ação de um hot spot (isto é, pontos quentes estacionários existentes no interior da Terra que registram atividades ligadas à ascensão de magma). Esse hotsopt seria o mesmo que teria dado origem à cadeia submarina de Fernando de Noronha. Essa é a hipótese mais provável, porque nas erupções fissurais (como na primeira hipótese), via de regra, o magma não condiciona a formação de relevos pontuais cônicos ou dômicos, o que ocorre com as formas observadas nos relevos da RMF.

Com efeito, os relevos vulcânicos, de maneira geral, representam serrotes circulares, cônicos e elipsoidais, com dimensões de até 1,5 km². Exemplos bem representativos são o Serrote Caruru, situado no segmento oeste de Aquiraz, entre Eusébio e Fortaleza, na Praia do Porto das Dunas, apresentando 350 m de extensão e 59 m de altitude (Figura 3A); o Serrote Ancuri, situado no segmento norte de Itaitinga, apresentando aproximadamente 2 Km de extensão e 119 m de altitude (Figura 3B); o Serrote Pão-de-Açúcar, situado em Caucaia, apresentando dimensão reduzida, com apenas 49 m de altitude e 160 m de comprimento (Figura 3C); o Serrote Japarara, localizado na extremidade sul de Maranguape, medindo aproximadamente 2 km de extensão e 450 m de altitude, apresentando vertentes dissimétricas e topo aguçado (Figura 3D).

O Monte Caruru apresenta-se em forma de domo arredondado, com topo relativamente plano e vertentes relativamente íngremes, mas com certo grau de convexização. Por causa da erosão, ele não apresenta as mesmas formas originais. No entanto, a caracterização geomorfológica do Caruru em forma de abóbada permite definir este relevo como um exemplo típico de domo vulcânico. Tais características estão associadas a uma alta viscosidade do magma, fazendo com que a lava, em vez de fluir, acumule-se no interior do edifício vulcânico, criando a feição dômica com encostas íngremes e topo relativamente plano (Figura 4).

O Monte Caruru encontra-se profundamente alterado em função da atividade de mineração que implica na exploração da sua rocha vulcânica por várias décadas, principalmente para a produção de brita, visando abastecer o mercado de Fortaleza. A mineração já destruiu as vertentes oeste e norte do relevo, e continua ativamente desmontando a feição, pois a produção atinge valores da ordem de 20 mil m3 de brita por mês (DNPM, 2016).

Figura 3. Relevos vulcânicos da Região Metropolitana de Fortaleza (Fonte: Costa, 2008)
Figura 4. Visão da vertente leste do Caruru à esquerda, e esquema de formação de um domo vulcânico à direita (Fonte: Costa e Claudino-Sales, 2020).

O corpo vulcânico do Ancuri apresenta grande destaque topográfico na area em que ocorre (Figura 5). Quanto ao Serrote Pão-de-Açúcar, ele dista cerca de 20 km de Fortaleza, a oeste, localizando-se no município de Caucaia, em uma área de fácil acesso, às margens esquerda da BR-020, no sentido Norte-Sul (Km-385).

O Pão-de-Açúcar apresenta em sua base uma forma arredondada. Ele pode ser considerado um típico neck, ou seja, o antigo conduto vulcânico que ficou descoberto pela erosão. As vertentes apresentam-se íngremes, simétricas, apresentando um topo agudo e convexo e uma forma côncava próxima ao contato com o embasamento. As encostas de bases côncavas refletem rápida evacuação de detritos (Figura 6). É o único, juntamente com o Salgadinho, com características de cone vulcânico. Fato relevante neste corpo é a grande presença de blocos bordejando praticamente todo o relevo, os quais podem representar fragmentos das rochas que preenchiam o antigo conduto vulcânico.

Figura 5. Visão em 3D da paisagem geomorfológica nas proximidades do Serrote Ancuri (construído a partir do programa Global Mapper 2015).
Figura 6. Ilustração mostrando a evolução dos processos erosivos até a exposição das rochas consolidadas dentro de antigos condutos vulcânicos (Fonte: Costa, 2008).

Por não apresentar vestígios dos antigos edifícios vulcânicos, torna-se difícil conhecer a altitude original desses relevos – ou em outras palavras, definir a taxa de erosão da Formação Messejana, assim como, estimar a parte dessas estruturas que ainda que se encontra em subsuperfície. Porém, baseado na conjugação de vários fatores, Peulvast e Claudino-Sales (2004) calcularam uma taxa de erosão da ordem de 10 m a cada 1 milhão de anos, o que implica que esses relevos perderam cerca de 300 m de erosão desde o vulcanismo, ocorrido há 30 milhões de anos.

A população de um modo geral desconhece a existência desses relevos, bem como a sua importância do ponto de vista natural. Na verdade, causa sempre grande surpresa e impressão nas pessoas a informação acerca da origem das feições, como sendo associadas com vulcanismo.

Do ponto de vista científico, coloca-se que as estruturas e relevos vulcânicos mereciam maior atenção, pois representam eventos e formas únicas, que trazem implicações para a evolução geomorfológica e geológica da paisagem do Nordeste brasileiro. Um dos objetivos dos artigos tratando do tema, como esse, é chamar a atenção para essas feições, com o objetivo de que eles passem a ser vistos por autoridades governamentais e privadas como importantes elementos da paisagem regional, usando-os como fonte, quem sabe, de visitação turística, obtendo desta forma, uma proteção mais eficiente e duradoura. Nessa perspectiva, seria fundamental que as atividades de mineração fossem encerradas.

Referências

ALMEIDA, F.F.M. Geologia e Petrologia do Arquipélago de Fernando de Noronha. Departamento Nacional de Produção Mineral / Diretoria de Geologia e Recursos Minerais, Monografia XIII, Rio de Janeiro, 1955.

ALMEIDA, F.F.M., CARNEIRO, C.D.R., MIZUSAKI, A.M.P. Correlação do magmatismo das bacias da margem continental brasileira com as áreas emersas adjacentes. Revista Brasileira de Geologia 26 (3): p: 125- 138, 1996.

COSTA, A.T. Análise morfoambiental dos relevos vulcânicos da Região Metropolitana de Fortaleza, Ceará. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará, 2008.

COSTA, A.T.; CLAUDINO-SALES, V. “Os vulcões cearenses”. Gênese e Evolução dos Relevos Vulcânicos da Região Metropolitana de Fortaleza, Ceará. Revista de Geografia 37, p. 1-36, 2020.

DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral). Anuário Mineral Brasileiro. Brasília, Ministério das Minas e Energia, 2016.

MOTA, R.F. Geologia e Diagnóstico Geoambiental da Região das Pedreiras de Itaitinga, Estado do Ceará. Dissertação de Mestrado, departamento de Geologia, UFC, 1998.

PEULVAST, J.P., CLAUDINO-SALES, V. Stepped surfaces and paleolandforms in the Brazilian Nordeste Northeast. Geomorphology 65, 89-122, 2004.

5 Comentários
  1. A senhora disse tudo que aprendi durante minha formação de geologo pela Ufc inclusive a mestra foi minha professora na caldeira de geomorfológica na geografia onde sim eu mais conhecimento vocês estão de parabéns em levar esses temas aos interesses de órgãos ou pessoas que possam consolidar a sustentabilidade da natureza e homem. Meus parabéns!! Obrigado.!!…..

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