Por Alice Sales
Colaboradora

Intitulado como “Aterrar pra quê”, o movimento popular que se opõe à obra defende que para que a construção do aterro seja executada é necessário, antes de tudo, a realização de um estudo consistente e aprofundado de impactos causados | Foto Eduardo Queiroz

Fortaleza – CE. As obras do novo aterro da Praia de Iracema seguem a todo vapor, causando grande mobilização entre manifestantes e pesquisadores que se opõem ao empreendimento. Na noite do último sábado (5) e na manhã do último domingo (6), ativistas se reuniram no local para reivindicar um posicionamento da Prefeitura de Fortaleza à Justiça Federal e à sociedade fortalezense sobre o início da construção do aterro, que passa por um processo de ação civil pública promovida pelo Instituto Verdeluz, Associação Brasileira dos Defensores dos Direitos e Bem-estar dos Animais e a Organização Não Governamental (ONG) Deixa Viver.

Ao se pronunciar sobre a ação, o juiz Jorge Luís Girão Barreto, da 2ª Vara Federal do Ceará, determinou o prazo de dez dias para que a Prefeitura de Fortaleza se manifestasse sobre o pedido de suspensão do processo de aterramento.

No processo, as organizações pediram a suspensão por prazo indeterminado das obras de requalificação da Beira-Mar, além da “retirada de todos os contentores, tubos flutuantes e maquinários alocados na área”. As ONGs pedem também a suspensão dos repasses financeiros para a realização das modificações, bem como a condenação e o pagamento de indenizações “pelos danos ocasionados ao meio ambiente urbano”.

Intitulado como “Aterrar pra quê”, o movimento popular que se opõe à obra defende que para que a construção do aterro seja executada é necessário, antes de tudo, a realização de um estudo consistente e aprofundado de impactos causados. O documento deve apresentar o levantamento de fauna e flora marinha do local, levando em consideração a presença de tartarugas marinhas, espécie que não foi citada no Estudo de Impactos Ambientais (EIA) apresentado inicialmente pela Prefeitura de Fortaleza. Além disso, o movimento popular reivindica que seja determinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que garanta compensações ambientais.

Dentre as medidas de compensação esperadas estão:

  • Destinação de 5% do valor da obra para Unidades de Conservação do mesmo bioma
  • Criação de um observatório do boto-cinza e da vida marinha com, no mínimo, 10 anos de monitoramento de corais, tartarugas e botos
  • Criação de um Museu Subaquático de Iracema com trilhas demarcando as áreas de visitação para naufrágios e recifes
  • Criação de Recifes Artificiais
  • Criação de Unidade de Conservação na categoria de Refúgio da Vida Silvestre para Tartarugas Marinhas

Impactos sobre a Biodiversidade

A principal preocupação dos ambientalistas e pesquisadores que lideram o movimento contra o aterro diz respeito aos danos causados à biodiversidade local, inclusive sobre espécies ameaçadas de extinção. Segundo Liana Queiroz, bióloga e doutora em Ciências Marinhas e engajada na causa, o aterro pode trazer uma perda irreparável, sobretudo para os corais submersos, para a população de boto-cinza que habita a orla de Fortaleza e para as tartarugas marinhas.

A pesquisadora Vanda Claudino Sales, geógrafa, com pós-doutorado em Geomorfologia Costeira, reforça que os impactos serão sobre a biodiversidade marinha e considera a necessidade de levantar outros aspectos: “existem outras técnicas para engorda de praia que não implicam em construção de espigões e aterros hidráulicos. Uma alternativa, por exemplo, seria a retirada de areia do segmento oeste do litoral (área do Vincente Pinzon, incluindo a faixa emersão), para ser lançada a oeste do Porto do Mucuripe. A recuperação das praias que sofrem erosão seria mais lenta, mas com menor impacto, e resolveria o problema de acúmulo de sedimentos na área do Vicente Pinzón, que representa um grave problema ambiental. Essa alternativa é rejeitada porque não é visível para a população, não mobiliza empreiteiras, nem é imediata,” pondera.

A principal preocupação dos ambientalistas e pesquisadores que lideram o movimento contra o aterro é os danos causados à biodiversidade local | Foto: Eduardo Queiroz

Ação Judicial

Sobre o processo, Liana Queiroz relata que, diante do impasse sobre o risco de impactos ambientais causados pela construção do aterro, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou uma perícia. “Quando a perícia foi feita havia uma série de falhas e inconsistências no Estudo de Impacto Ambiental apresentado inicialmente. O perito considerou que o estudo foi meramente protocolar e que a Prefeitura assumiu uma responsabilidade desproporcional perante as consequências causadas pela realização da obra, que se fosse executada desta maneira apresentaria riscos de crime ambiental”.

No parecer técnico assinado pelo perito Valdir Carlos da Silva, do MPF, confere-se que “o EIA e o PBA possuem deficiências que não foram corrigidas pela atuação do órgão licenciador competente. Avalia-se que as licenças ambientais expedidas não proporcionaram compromissos de uma gestão ambiental aderente ao meio ambiente e ao projeto de engorda das praias, tendo em vista os indícios relevantes de que os estudos possuíram natureza protocolar (…) Aliás, e a rigor, o EIA não apresenta programa de monitoramento ambiental, enquanto as medidas de controle ambiental (mitigadoras) foram genéricas o bastante para não se reconhecer aderência ou correlação do estudo com o projeto e o ambiente em que será implantado. Não foram propostas medidas compensatórias.”

No documento, o mapeamento da ocorrência de eventuais corais ou fundo duro nas áreas sujeitas ao aterramento e a identificação de espécies que demandem medidas de proteção na área do aterro e da jazida é uma das recomendações feitas pela perícia, como medida que deveria ser adotada antes da realização da obra. No entanto, os trabalhos tiveram início sem que nenhum levantamento de dados primários tenha sido apresentado às instituições que moveram a ação.

“Havia um monitoramento acordado com o Instituto de Ciências do Mar (Labomar) que previa uma campanha pré-dragagem, que corresponde ao levantamento de dados sobre a fauna da área de onde eles estão tirando a areia e da área onde estão aterrando. Esse monitoramento deveria ser feito antes da obra, durante e depois. No momento em que o Ministério Público autorizou eles começaram a obra no mesmo dia. Não deu tempo de o Labomar fazer essa campanha antes e eles não apresentaram esse levantamento antes do inicio da obra, que é o que tinha sido acordado junto ao Ministério Público,” destaca Liana Queiroz.

Prefeitura afirma que não há impacto ambiental

Em nota concedida à Agencia Eco Nordeste, na última segunda-feira (7), a Prefeitura Municipal de Fortaleza afirma que “Com relação à recomposição da faixa de areia do novo aterro, no bairro Meireles, as obras só foram iniciadas após a anuência do Ministério Público Federal (MPF) que entendeu ser preciso realizar alguns estudos complementares para dar segurança e respaldo legal no tocante ao licenciamento ambiental da obra. Os estudos solicitados pelo MPF foram realizados pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), com coordenação do Professor Fábio Perdigão, que, por sua vez, submeteu todo o processo à análise pericial que teve o entendimento de que a obra poderia acontecer sem impedimentos.”.

Destacou, ainda: “Destacando que há sete anos o MPF acompanha todo o processo e as decisões em relação a qualquer intervenção na Beira-Mar, a PMF lembra que o órgão possui todos os relatórios e documentos que a gestão apresentou. Tanto que o próprio procurador e a equipe de peritos já se pronunciaram informando que não cabe ações judiciais, por haver entendimento que tudo que foi recomentado pelo MPF e que houve o cumprimento por parte do poder público, no caso o Executivo Municipal.

E finalizou: “Como forma de dar mais transparência, respaldo técnico ao projeto e deixar um legado ambiental, a gestão também firmou parceria com o Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), com a Universidade Estadual (UECE) e com o Instituto Aquasis, a fim de desenvolver estudos acessórios e adicionais. Nos estudos realizados, por exemplo, o professor Fábio Perdigão identifica que quando a maré baixa, nós temos em torno de 50 a 60 metros de área de praia e o que a Prefeitura está fazendo, de fato, é uma engorda da faixa de praia para trazer benefícios para a cidade e que já foi comprovado que não tem corais nessa área. Como a obra de recomposição (engorda) da faixa de praia não tem impacto ambiental, não existe, portanto, a necessidade de discutir eventual compensação ambiental.”

Sobre o novo aterro

O novo aterro da Praia de Iracema faz parte do projeto de Requalificação da Avenida Beira-Mar. O empreendimento prevê um avanço de 80 metros mar adentro, com extensão de 1,2 mil metros, totalizando uma área de 96 mil metros quadrados.

Um equipamento retirar areia do fundo do mar e remaneja para a beira da praia, resultando no aterro que ficará no mesmo nível do já existente. A engorda da faixa de areia está sendo executada entre os espigões das avenidas Desembargador Moreira e Rui Barbosa. A obra é orçada em R$ 70 milhões.

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