Fortaleza – CE. Apesar de o Governo Federal não reconhecer os povos ciganos entre os grupos mais suscetíveis à Covid-19, a presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Ceará (Copir/OAB-CE), Raquel Andrade dos Santos lembra que um estudo realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), indica que também os povos ciganos têm em comum com indígenas e quilombolas práticas que os colocam entre os mais vulneráveis em um contexto pandêmico.
A advogada encaminhou ofício no último, dia 20 de janeiro, ao governador Camilo Santana para que leve esses aspectos em consideração e inclua as comunidades ciganas entre os grupos prioritários no Plano Estadual de Vacinação Contra a Covid-19. Embora, o gestor ainda não tenha se manifestado individualmente sobre o pedido, a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), por meio de nota, informou que “realiza a distribuição de vacinas para os municípios cearenses seguindo as orientações de grupos prioritários definidas no Programa Nacional de Imunização, do Ministério da Saúde”.
O argumento, no entanto, não é visto como justificativa legal ou constitucional para que as autoridades sanitárias cearenses não priorizem a vacinação desse grupo étnico. Para ela, seguir as diretrizes do Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19, “não significa que um Estado não possa realizar alterações de caráter inclusivo. Essa seria uma política pública de inclusão, ou seja, de proteção de uma carência identificada, o preenchimento de uma lacuna e de uma ausência histórica”.
Ela acrescenta que “não é só nesse momento de vacinação que os ciganos são excluídos. É tanto que o índice de analfabetismo é enorme. Eles também estão, em sua maioria, abaixo da linha de pobreza. Juridicamente, sobretudo do ponto de vista constitucional, eu não vejo impedimento para que essas alterações venham como uma proposta inclusiva”.
Outros povos tradicionais
A presidente da Copir da OAB-CE também destaca, em seu ofício, a necessidade da garantia de vacinação para outros dois povos tradicionais, indígenas e quilombolas.
Em alguns estados, incluindo o Ceará, pessoas indígenas ou quilombolas estiveram entre as primeiras vacinadas nos eventos de lançamento de campanhas de vacinação, mas isso não significa necessariamente que o ritmo de imunização dessas populações está sendo mantido.
Em território cearense, foram confirmados até o fim de dezembro, segundo a Federação dos Povos Indígenas do Ceará (Fepoince), 1.017 casos de infecção por Covid-19, com nove mortes, sendo três de pessoas da etnia Pitaguary, a mais atingida. Estima-se que existam quase 21 mil indígenas, espalhados por 131 localidades indígenas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Estado conta ainda com uma população quilombola distribuída em 181 localidades (também conforme o IBGE), das quais ainda se desconhecem os números totais de habitantes e o impacto da Covid-19.
Apesar desse quadro agudo da crise pandêmica sobre os povos tradicionais, há também instabilidade protetiva em alterações de planejamento de calendário de imunização. Foi o que aconteceu com a população quilombola do Estado de São Paulo, segundo Raquel. “Os quilombolas faziam parte dos grupos prioritários do plano estadual (de vacinação). Depois, o governo Dória retirou os quilombolas e os reintegrou novamente. Essa instabilidade também precisa ser combatida. Daí o reforço, por parte do ofício que enviamos (ao governador Camilo Santana), da proteção dos indígenas e quilombolas”, explica.
Em sua página oficial, o Ministério da Saúde afirmou que os 410 mil indígenas brasileiros maiores de 18 anos devem ser vacinados na primeira etapa da campanha de imunização, mas não informa a quantidade de pessoas vivendo em comunidades quilombolas que serão imunizadas. Vale lembrar que o Censo de 2010 ainda não fazia essa estimativa de população quilombola e o Censo de 2020, o primeiro que faria essa contagem populacional em particular, foi adiado para este ano.
Além de ciganos, indígenas e quilombolas, citados no ofício encaminhado pela Copir da OAB-CE, a presidente da comissão destaca que outros povos tradicionais podem buscar a inclusão nos planos de vacinação, nacional, estaduais ou municipais. “Há várias questões que precisam ser analisadas quanto desse tipo de pleito porque pode haver comunidades ou povo tradicionais que não necessariamente estejam hiper-vulnerabilizados durante a pandemia, por essas características específicas de suas tradições”, explica Raquel.
“É interessante que representantes de outros povos procurem a Comissão da Promoção de Igualdade Racial da OAB de seu Estado ou a procuradoria da Defensoria Pública da União porque seria uma competência dessa questão envolvendo uma comunidade tradicional. Aí o poder público poderia analisar especificamente esse grupo”, indica a advogada.