Por Antonio Rocha Magalhães
Economista
Ex-Secretário de Planejamento do Ceará
armagalhaes@gmail.com

O que era uma fazenda em Canindé, na década de 1950 do século XX?

Ela tipicamente produzia milho, feijão e algodão. Além disso, tinha o gado. Poderia haver muitas cabeças, que eram criadas soltas no meio da Caatinga. Para que isso existisse, era preciso que a fazenda fosse grande. Em geral, mil hectares, ou mais. Na economia daquela época, usava-se muita terra e pouca tecnologia.

O milho e o feijão são produtos de subsistência, eram usados pelo fazendeiro e pelos seus moradores. Se houvesse excedentes eram vendidos na feira, que acontecia uma vez por semana, geralmente aos sábados. O algodão era vendido. A pluma ia para a indústria. O caroço era transformado em óleo de algodão e em torta de algodão. A torta era considerada uma ração de ótima qualidade, dada ao gado de leite ou de engorda.

O nível de produtividade era muito baixo, mas as necessidades das pessoas também eram pequenas. Esse sistema garantia sustentabilidade econômica de longo prazo, porém sem sonhos de acumulação.

O fazendeiro era considerado um matuto rico. Geralmente era alguém do próprio lugar, pertencente a uma das famílias conhecidas, muitas vezes o pai e o avô também tinham sido fazendeiros. Só mais recentemente (pensando naquela época), eles tinham começado a mandar os filhos para se educarem em Fortaleza. Na sede do município, havia somente até o curso primário. Os filhos poderiam voltar ou fazer carreira na capital. Muitos dos advogados, médicos, padres descendem dessas famílias que mandaram seus filhos para estudar na capital.

No sertão, havia com clareza duas grandes classes. A dos proprietários, que mandavam, inclusive politicamente. E a dos sem-terra, os moradores, que obedeciam. O trabalho dos moradores, assim chamados porque moravam em terras da fazenda, poderia ser dividido: na semana, três dias seriam de preferência utilizados na fazenda e os restantes três dias, inclusive o sábado, poderiam ser vendidos a outros proprietários. Grosso modo, seria a divisão entre ricos e pobres.

Havia também o trabalho de meia. O morador assumia todo o risco para a plantação de feijão e milho e plantava no meio o algodão para o proprietário. As épocas de colheitas eram diferentes, então não havia problema. No final, os restos de forragem garantiam a alimentação do gado do fazendeiro.

Na cidade, havia também outras classes: os políticos (prefeito, funcionários), os clérigos, o juiz de Direito e os comerciantes. O poder político se baseava nesse sistema, com aliança entre os políticos estaduais e municipais, finalmente caindo nos fazendeiros e nos eleitores. O voto sempre foi secreto, mas as pessoas sempre votavam nos candidatos do dono da terra.

Uma seca extrema, como em 1958, poderia abalar esse sistema. O paternalismo geralmente existente entre o fazendeiro e o morador acabava sendo rompido, porque o morador precisava migrar para procurar uma renda, para sobreviver. Com o tempo e também com as reformas sociais que estenderam a previdência rural ao homem do campo o poder político da terra foi enfraquecido. Na maioria dos casos, agora, cabe ao próprio eleitor negociar o seu voto. Isso, provavelmente, permitiu a mudança sensível que aconteceu no Estado do Ceará, em 1987, quando uma elite urbana de novos empresários assumiu o poder político.

A situação no meio rural atualmente é bem diversa no Semiárido. O sistema de baixa produtividade foi condenado, os fazendeiros abandonaram o sertão, os trabalhadores não residem nas fazendas. Atualmente, não há um equilíbrio, a manutenção da sociedade rural no Nordeste depende de níveis de subsídios antes impensados.

Há muita água a correr embaixo da ponte, antes que um novo equilíbrio seja alcançado.

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