Por Antonio Rocha Magalhães
Economista
Ex-Secretário de Planejamento do Ceará
armagalhaes@gmail.com
Canindé / Mulungu – CE. Não há coisa mais bela do que o luar se espraiando sobre a caatinga. Ou melhor, sobre o Sertão. Não é só porque o poeta Catulo da Paixão Cearense (que era maranhense, mas tinha o pai cearense) escreveu um poema musicado sobre este tema: “Não há, oh gente! Oh não! Luar como este do sertão”. Quem já viu, quem já curtiu, há de concordar.
Uma vez fiz uma viagem acompanhando um comboio de jumentos desde Canindé até um sítio em Mulungu. A noite, nós a passamos no Sertão. Digo nós, porque havia os tangerinos, inclusive o chefe do comboio, que era o seu Cosme (que não era gêmeo do seu Damião, nem sequer irmão dele). E eu tinha apenas 10 anos. O meu pai era amigo do seu Cosme, que guardava os seus jumentos na nossa fazenda em Canindé, e os encontrava no dia seguinte bem alimentados e sem sede. Prontos para uma nova viagem. Ele levava alguns produtos do Sertão para a Serra, mas sobretudo trazia os produtos da Serra para a feira de Canindé.
Pois bem, eu acompanhei o seu Cosme. Acho que ele teve um pouco de pena daquele menino e o colocou para viajar de jumento, de pernas escanchadas sobre uma cangalha. Tudo era farra! Saímos de Canindé ali pelas 3 horas da tarde. O sol ainda estava a pino, começando a descer. A partir das 4 horas, começava a refrescar. A temperatura do vento mudava. Não mais aquele vento quente, do meio-dia, mas o vento fresco, que sobia pelo Rio. Não chegava a ser um vento Aracati, bem conhecido no Vale do Jaguaribe, mas ainda assim um vento que refrescava.
Era julho, fim de inverno (período chuvoso), a caatinga ainda estava coberta de folhas verdes, maduras, que ainda não tinham começado a cair. Dali a pouco – setembro em diante, só veríamos os garranchos de marmeleiro e de jurema, típicos da caatinga secundária. Onde ainda pegávamos um pouco da caatinga original, se sobressaíam alguns pés de sabiá, de pau-branco, de angico. Dependendo do tipo de solo e da água que era guardada no solo, a caatinga podia ser mais fechada ou mais aberta.
De repente, entrou a noite. Digo de repente, porque a noite chega de uma vez, lá no Sertão. Sei que é a mesma coisa se estamos próximos da Linha do Equador, mas notamos mais se estamos no Sertão. Não há um longo pôr do sol, apenas alguns minutos para apreciá-lo. No nascente, aparecia uma lua cheia, imensa, clareando o caminho, a caatinga, os nossos corações. Não precisaríamos continuar na noite escura, tateando o caminho. A lua no Sertão, através de um céu despoluído, clareia tudo, sem esquentar. E estimula as conversas, as histórias de trancoso, as saudades de casa, os causos que cada um vai desfiando, se encontra alguém disposto a ouvir.
Andamos até as 9 horas da noite, quando chegamos a uma fazenda de um conhecido do seu Cosme, onde ele sempre se arranchava, na ida e na volta. Esse fazendeiro conhecia o meu pai. Todos os comboieiros dormiram no alpendre da grande casa, inclusive eu. Já estava com sono e cansado, e caí logo no sono. Mas acordei de madrugada, com o sertão todo banhado de luz, os animais dormindo no pasto, as pessoas dormindo nas redes. Andei um pouco pelo terreiro, divisei os currais, ouvia os chocalhos no meio do amplo silêncio do ambiente. Perto da casa, um pé de juazeiro com uma grande copa verde, que não seria perdida durante todo o período sem chuva, que normalmente vai de julho a dezembro. Por mim, o mundo poderia parar naquele momento. Eu me sentia extasiado!
Não pude voltar a dormir, porque dentro de pouco tempo o seu Cosme acordou, começou a preparar os animais, íamos retomar a caminhada antes de o dia nascer. Tomamos um café quente, seguimos a viagem. Por enquanto, ainda podíamos nos guiar pelo claro da lua, que aos poucos foi se misturando com os reflexos da claridade do sol, que mesmo antes de se apresentar já era precedido pela luz incerta que ia aos poucos cobrindo a terra. Estávamos na estrada, ou melhor, na trilha, quando a noite já era passada, mas o dia ainda não havia chegado.
Seu Cosme falou: “Dentro de meia hora, vamos começar a subir as quebradas. Preciso que todos tenham muito cuidado, porque é fácil desabar de um precipício. Os caminhos da Serra ainda estão muito escorregadios.” Às 10 horas já estávamos lá em cima. Aquela vegetação não era mais de caatinga. Em vez disso, grandes árvores e cafezais que se protegiam embaixo das ingazeiras.
Texto muito saboroso de ler. A narrativa nos deixa “ver” esse sertão enluarado… Como, quando menino, fui certa noite de lua a um açude no sertão dos Pimenta, em Morada Nova e, vislumbrei dessa vista da caatinga iluminada de prata, senti-me revisitando esse meu tempo menino.