Esta matéria, da Eco Nordeste, faz parte do Projeto ‘Um vírus e duas guerras’, parceria colaborativa entre as mídias independentes Amazônia Real, AzMina, #Colabora, Eco Nordeste, Marco Zero Conteúdo, Portal Catarinas e Ponte Jornalismo. Chama atenção, na Bahia, o número de mulheres mortas em maio, 15, sendo 12 no Interior do Estado e três na Capital, o que representa um aumento de aproximadamente 150%, em relação a maio do ano passado.

A Bahia registrou 30 feminicídios entre maio e agosto de 2020 | Foto: Adriana Pimentel

Por Líliam Cunha
Colaboradora

Salvador – BA. A Bahia registrou 30 feminicídios entre maio e agosto de 2020, segundo a Coordenação de Documentação e Estatística Policial (CDEP) e do Sistema de Gerenciamento Estatístico (SGE), vinculados à Secretária de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA). O número apresenta crescimento ante os 29 casos registrados em igual período de 2019. Somados aos quatro primeiros meses (janeiro a abril), o Estado contabiliza um total de 67 mulheres vítimas de feminicídio em 2020.

Chama atenção o número de mulheres mortas em maio, 15, sendo 12 no Interior do Estado e três na Capital, o que representa um aumento de aproximadamente 150%, em relação a maio de 2019. Entre as vítimas, Emanuele Natalícia Santos do Rosário, 21; e Laís Factum do Amparo, 27, mortas a tiros; e Carine Matos Santana, 23, a golpes de faca.

Residentes em Salvador, nos bairros da Engomadeira, Tancredo Neves e Ilha Amarela, respectivamente, as três tinham em comum a faixa etária e a história de tantos outros feminicídios. Elas tentaram terminar o relacionamento, os companheiros não aceitaram e tiraram suas vidas. Assim como Emanuele, Laís e Carine, outras 36,5% das mulheres jovens (entre 20 e 29 anos) foram mortas por seus parceiros íntimos, entre os anos de 2011 e 2016, segundo estudo do Ministério da Saúde, publicado no livro Saúde Brasil 2018.

Nos meses seguintes, a Bahia registrou seis casos de feminicídio em junho, oito em julho e um em agosto. Quando comparados a estes mesmos meses de 2019 o levantamento feito pela SSP mostra aumento em junho (20%) e redução em julho (72%) e agosto, sendo neste último a mais significativa (700%). Outras 81 mulheres foram mortas no Estado, entre maio e agosto deste ano, sendo 15 em Salvador, nove na região Metropolitana (RMS) e 57 no Interior do Estado. Estes casos não foram tipificados como feminicídio, tendo sido registrados como homicídio doloso (quando há intenção de matar). Ao todo 83 mulheres foram vítimas de homicídio doloso em todo o Estado, neste mesmo período de 2019, aproximadamente 72% delas moravam no Interior, 15% na RMS e 13% em Salvador.

Em entrevista exclusiva para a Agência Eco Nordeste, a titular da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Estado da Bahia (SPM-BA), Julieta Palmeira, afirma que a violência contra as mulheres é um problema de saúde pública que afeta a vida das mulheres, quando não lhes tira a vida com o feminicídio.

Dá para ver que o desafio é grande e o 'vírus' é a cultura machista, misógina, que discrimina a mulher e a considera uma cidadã inferior ao homem

Julieta Palmeira
Titular da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Estado da Bahia (SPM-BA)

“É um problema pandêmico que não se pode comparar com a pandemia por um vírus, mas o Brasil e a Bahia não são exceções. A violência se cruza com a pandemia da Covid-19, agravando a situação das mulheres. Dá para ver que o desafio é grande e o ‘vírus’ é a cultura machista, misógina, que discrimina a mulher e a considera uma cidadã inferior ao homem”, afirma a gestora da SPM-BA.

Neste sentido, as iniciativas da Pasta vêm acontecendo desde o início da pandemia, com o lançamento da campanha de sensibilização “Lave as mãos contra o coronavírus, contra a violência doméstica não”. O objetivo, segundo a secretária, é envolver a comunidade e incentivar a denúncia, uma vez que, nos lares em que a violência permeia a relação, a mulher passa mais tempo com o agressor em casa e tem dificuldade de chegar até uma delegacia e até mesmo de pedir ajuda.

“Por isso, a nossa campanha focou na vizinhança, em amigos e familiares para que estejam atentos aos sinais que podem ser emitidos por uma mulher em situação de violência, ao mesmo tempo em que também dialogamos com essa mulher para buscar ajuda”, explica.

“Também temos atuado colocando em estado de alerta os serviços que acolhem as mulheres em situação de violência. Esses serviços integram a Rede de Enfrentamento à Violência em cada município, prevista pela Lei Maria da Penha. Eles, ainda que com dificuldades relacionadas ao isolamento social necessário, precisam funcionar durante a pandemia”, destaca Julieta.

Outra ação de destaque da Pasta neste período de pandemia foi o incentivo à ampliação da Delegacia Digital para atender os casos de violência contra as mulheres, visando facilitar o acesso das mulheres aos seus direitos, tendo em vista o aumento da violência e a subnotificação dessa violência.

“Essa iniciativa foi reforçada com a aprovação da Lei Nº 14. 022, que trata do atendimento às mulheres em situação violência durante a pandemia, medida absolutamente necessária ao se levar em conta as dificuldades de se chegar até uma delegacia em função das barreiras sanitárias com as restrições de mobilidade”, ressalta a secretária. Desde o dia 20 de agosto, a Delegacia Digital da Política Civil registra todos os tipos de crimes contra as mulheres previstos na Lei Maria da Penha e outras correlatas, como Lei Carolina Dieckmann, que trata de delitos ou crimes informáticos.

A inclusão da possibilidade de queixa e pedido de medida protetiva por meio da Delegacia Digital é avaliada por Julieta Palmeira como “uma forma de ampliar o acesso tendo por base que uma grande parcela de mulheres na Bahia não tem computador, mas acessa a internet pelo celular (IBGE). A novidade não substitui as outras portas de entrada dessas mulheres em situação de violência, a exemplo das delegacias, unidades de saúde, defensoria pública, Ministério Público”.

Ainda segundo a secretária, a inclusão desse tipo de atendimento na Delegacia Digital vem sendo dialogada há quase dois anos pela SPM e SSP e, durante a pandemia, o diálogo foi acelerado.

“O projeto da Delegacia Digital, no que se refere ao registro de violência contra as mulheres, sem dúvida, tem uma preocupação com a efetividade e em acolher, principalmente durante a pandemia, todo tipo de violência. A privacidade dessa mulher é preservada. Além do registro, o sistema permite a solicitação de medida protetiva que é encaminhada ao juiz ou juíza pelo profissional que recebeu a solicitação e o prosseguimento da solicitação será feito a partir da interconexão do programa com o Tribunal de Justiça. Considero essa uma forma de dar celeridade a todo esse processo”, avalia a gestora.

Campanha do governo baiano focou na vizinhança, em amigos e familiares para que estejam atentos aos sinais que podem ser emitidos por uma mulher em situação de violência | Foto: Adriana Pimentel

Registros de queixa caem 21%

Assim como no primeiro trimestre do ano, o levantamento feito pela CDEP, entre os meses de maio e agosto, revelou queda no número de registros dos crimes relacionados à Lei Maria da Penha (ameaça, lesão corporal dolosa, tentativa de homicídio) e estupro.

Em 2019 estes quatro tipos de crime totalizaram 10.194 registros, sendo 6.400 casos de ameaça, 3.616 de lesão corporal dolosa, 61 tentativas de homicídio e 117 casos de estupro; enquanto que, em 2020, foram 8.083 casos registrados, destes 5.028 foram de ameaça, 2.950 de lesão corporal grave, 40 tentativas de homicídio e 65 estupros. Somados os quatro tipos de crime, a redução no número de registros feitos nos quatro meses foi de aproximadamente 21%.

Uma das explicações dadas pelas autoridades para a redução no número de registros de denúncias é a pandemia, o que tem feito com que muitas mulheres fiquem impossibilitadas de irem às delegacias para denunciar. A expectativa é que, com a possibilidade da queixa ser feita por meio da Delegacia Digital, as mulheres que se sentem ameaçadas consigam realizar a ocorrência. Para isso, basta acessar o portal da delegacia: www.delegaciadigital.ssp.ba.gov.br. Entretanto, é importante relatar, com detalhes, a ocorrência, informando local, horário e possíveis testemunhas.

“O preenchimento minucioso do relatório é fundamental porque as informações constarão do Boletim de Ocorrência (B.O.) e vão embasar as instruções dos delgados e investigadores responsáveis pela apuração do caso”, explicou o delegado Ivo Tourinho, coordenador da Polinter e responsável pela ampliação dos serviços da Delegacia Digital, em reunião virtual realizada pela SPM-BA, no último dia 10 de setembro.

O encontro virtual teve como objetivo formar agentes multiplicadores para esclarecimentos acerca da ferramenta que, desde 20 de agosto, passou a registrar crimes previstos na Lei Maria da Penha e outras legislações correlatas e contou com a participação de representantes da Rede de Atenção à Mulher em Situação de Violência, formada por representantes de dez delegacias especializadas no atendimento à mulher (DEAMs), de Centros de Referência no Atendimento à Mulher (CRAMs), Defensoria Pública (Capital e Interior), além da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres de Simões Filho e a Coordenação da Mulher do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).

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