Família de Meibe e todos os envolvidos na construção da primeira cisterna de placa de cimento de El Salvador | Fotos: Hugo de Lima

 

Esta é a segunda matéria de uma série produzida pela Asacom sobre intercâmbios de agricultores familiares do Semiárido brasileiro e regiões semelhantes de outros países

 

Por Hugo de Lima (Asacom)*

As Tecnologias Sociais (TS) realizada há anos pela sociedade civil brasileira organizada na Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) agora fazem parte da realidade de Cantón San Bartolo, comunidade rural localizada na municipalidade de Guatajiagua, no Departamento de Morazán, Oriente de El Salvador, um dos países integrantes do Corredor Seco, região semiárida que se estende pela América Central.

O intercâmbio reuniu diversos pedreiros locais, representantes comunitários e escolares, representantes das prefeituras da região, além da comitiva de técnicos e gestores da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), e da ASA em nove dias de muito trabalho e troca de informações, entre os dias 5 e 14 de novembro. A atividade é mais uma etapa da parceria entre a FAO e a ASA, que criou oportunidades de troca de saberes entre salvadorenhos, guatemaltecos e brasileiros que vivem em áreas semiáridas.

Ao mesmo tempo em que a Oficina de Construção de Tecnologias Sociais foi realizada em El Salvador, a mesma atividade também foi feita na Guatemala, protagonizada por grupo de mulheres cisterneiras do Semiárido brasileiro.

Marcos Jacinto, da coordenação executiva da ASA Brasil pelo Estado do Ceará, destaca a importância da troca de experiências com a implantação da cisterna e do biodigestor para ambas as partes envolvidas no intercâmbio.

“Com esse intercâmbio, eles poderão entender e conhecer todo o processo de construção, a importância, o papel que têm essas tecnologias e, a partir disso, fazer as adaptações que são necessárias para o solo, para o clima, para as características gerais deles. Poderão perceber também que é possível construir um projeto com maior amplitude, como no Brasil existem o P1MC, o P1+2, o Cisternas nas Escolas e o Sementes do Semiárido. E também, nós estamos aprendendo com as experiências que eles têm, como eles vêm construindo suas alternativas de convivência”, relatou.

As potencialidades da cisterna

Em El Salvador, a cisterna de placas de 16 mil litros para primeira água, voltada ao consumo humano, como beber e cozinhar, foi construída na casa de Meibe de Jesús Colato de Reyes e Mário de Jesús Reyes, e o biodigestor, tecnologia capaz de fornecer gás produzido a partir do esterco e do lixo orgânico, foi construído na propriedade de Eva Caroline Hernández de Fernández e Mário de Jesús de Fernández.

Meibe não vai mais precisar coletar água em rios e riachos ou comprar água nos meses mais secos. “Às vezes, não tinha quem trouxesse a água para nossa casa, pois nós temos outras ocupações. Por isso, a cada semana pagávamos para encher a pila de água (uma pia típica de três compartimentos). Água que servia para lavar a louça e outros trabalhos de casa. Eu me sinto muito agradecida por esse projeto, pois aqui não há tanta água, a não ser quando vinha algum temporal, de onde nós tiramos nossa água potável. Durante os meses de março e abril os rios secam e não há água para pegar. E agora com a cisterna poderemos ter uma melhor higiene e não gastaríamos mais com água.”

O pedreiro-cisterneiro que partiu do Semiárido do Rio Grande do Norte para EL Salvador, Josivan Antônio, apoiou tecnicamente a construção da cisterna de 16 mil litros na casa de Meibe e Mario. “É muito importante ressaltar que nós não viemos fazer uma cisterna para eles verem. Nós da ASA estamos tendo o privilégio de ver uma turma que nunca viu uma cisterna, concluindo sua primeira, apenas com o nosso auxílio, os nossos nortes.”

Gás, matéria orgânica e preservação do meio ambiente

Para Eva Fernández, o grande benefício do biodigestor são o uso do gás e o aumento da matéria orgânica para adubar seus cultivos

A agricultora Eva Caroline Hernández de Fernández, que recebeu o biodigestor, conta que, há mais ou menos 10 anos, diversificaram a produção de alimentos, cultivando muitas variedades de pimenta, hortaliças, papayas e outros cultivos e vendem nos mercados próximos, como Guatjiagua, Chapeltique e no próprio Cantón San Bartolo.

“Nós já não vivemos a calamidade da fome aqui e hoje plantamos mais do que milho branco, como as hortaliças, para o benefício de nossa família. Nosso primeiro filho está na universidade e com os outros estamos lutando para ver os resultados”, conta. Para Eva, o grande benefício com sua instalação do biodigestor será o uso do gás e o aumento da matéria orgânica para adubar os cultivos.

Seu esposo, Mario Fernández, participou de uma etapa anterior do intercâmbio, no Brasil, oportunidade na qual conheceu a tecnologia. “Vimos que havia uma grande oportunidade de fazê-lo em El Salvador. Pela Mudança Climática também, pois antes usávamos lenha e agora passaremos a usar gás, o que vai cuidar de nosso meio ambiente. A medida que outras pessoas de nossa comunidade também adotarem a tecnologia, estaremos preservando esse recurso, para ajudar o mundo, para ajudar o meio ambiente”, contou.

Mobilização local

A cisterna brasileira com seu custo de construção menor do que o de outras tecnologias já construídas em El Salvador, agregou sujeitos diferentes na semana da sua construção. “Hoje estamos com técnicos e moradores de Guatajiagua e de San Miguel (de La Frontera), junto a outras prefeituras, além de representantes de centros escolares, líderes comunitários, agricultores e pedreiros, na construção de uma cisterna de 16 mil litros para uma família com limitantes para o acesso à água. Nossa grande expectativa é que os governos possam multiplicar essas tecnologias. A função da FAO é articuladora e demonstradora do que se pode fazer de diferente”, conta Mariano Peñate, coordenador do Programa Mesoamérica sin Hambre (América Central Sem Fome) da FAO El Salvador.

Segundo Penãte, precisamente no Corredor Seco, nos últimos anos, por causa das Mudanças Climáticas houve períodos secos mais longos e períodos mais concentrados de chuvas fortes. “Tecnologias como a cisterna podem garantir água para o consumo humano para uma família por cerca de sete ou oito meses da época seca (que estão cada vez mais longos). Nós avaliamos que essas tecnologias são muito importantes, pois tiram uma carga da mulher. Muitas vezes é a mulher quem vai caminhar cerca de meia hora a uma hora para conseguir a água para consumo da casa, em detrimento da qualidade de vida dela e dos filhos”, considera.

Matéria editada a partir de texto da Asacom

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