Desmatamento, queimadas e retração da superfície da água aumentam o risco de desertificação da Caatinga
Mudanças na cobertura de solo estão agravando o risco de desertificação de partes da Caatinga. Esta é uma das conclusões da análise do MapBiomas a partir de imagens de satélite entre 1985 e 2020. No período, 112 municípios da Caatinga (9%) classificados como Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD) com status Muito grave e Grave tiveram perda de 0,3 milhões de hectares de vegetação nativa, cerca de 3%. Desse total, 0,28 milhões de hectares foram perdidos em 45 municípios da Paraíba classificados como ASD.
Ao mesmo tempo, houve um decréscimo de 8,27% (-79.346 ha) na superfície de água. De forma geral, a Caatinga ficou mais seca nos últimos 36 anos. Além da redução da superfície total de água, houve também uma retração de 40% na água natural entre 1985 e 2020. Essa categoria, que engloba os cursos de água que fluem livremente, respondia por menos de um terço (27,48%) da superfície de água da Caatinga em 2020. A maior parte estava retida em hidrelétricas (42,69%) ou reservatórios (29,61%). Na série histórica mapeada, a menor extensão de superfície de água (629.483 hectares) foi registrada recentemente, em 2017. A média de superfície de água mapeada nos 36 anos analisados é de 922 mil hectares.
A retração da superfície de água ocorreu concomitantemente à perda de 10% de áreas naturais (-5,9 milhões de hectares). Todas as regiões hidrográficas tiveram redução de cobertura vegetal natural entre os anos de 1985-2020. A região Atlântico Nordeste foi a que apresentou maior redução em termos de área com perda de 3 Mha. Em termos percentuais, a região Atlântico Leste lidera as perdas, com 19,52%, seguida por Atlântico Nordeste (-13,40%) e São Francisco (-8,87%). Dos 10 municípios que mais perderam vegetação natural na Caatinga entre 1985 e 2020, oito ficam na Bahia.
A perda de vegetação primária entre 1985 e 2020 totalizou 15 milhões de hectares, ou uma retração de 26,36%. Embora tenha ocorrido um crescimento de vegetação secundária de 10,7 milhões de hectares, o saldo geral é negativo – tanto em extensão de área, como na qualidade da cobertura vegetal. A Bahia é o estado com maior área de vegetação secundária: 37,521 Km² em 2019.
Entre os fatores que provocam a perda de vegetação nativa destaca-se o avanço da atividade agropecuária. Entre 1985 e 2020 mais de 10 milhões de hectares de savana e formações florestais foram convertidos em atividades associadas à agropecuária. Outros 1,26 milhões de hectares de vegetação não florestal foram convertidos para o mesmo uso no período. No total, a agropecuária avançou sobre 11,26 milhões de hectares da Caatinga e passou a responder por 35,2% da área do bioma em 2020. O total de vegetação nativa da Caatinga (ou seja, a soma das áreas ocupadas por savana, campo e floresta) ocupava 63% do bioma, respondendo por 9,8% da vegetação nativa do Brasil.
Pastagens, agricultura e queimadas
A área de pastagens teve um crescimento de 48% e ganhou 6,5 milhões de hectares em 36 anos – desse total, 4,612 milhões de hectares apenas nos estados da Bahia, Ceará e Pernambuco. A Bahia destaca-se como o estado onde as pastagens mais aumentaram: 2,34 milhões de hectares entre 1985 e 2020.
Em 1985, pastagens ocupavam 15,6% da Caatinga; em 2020, eram 23,1%. Mais da metade (53,6%) de toda a área de pastagem mapeada encontra-se na Bahia. Juntos, os estados da Bahia e Pernambuco representam cerca de 65,4% dos 20 milhões de hectares ocupados por pastagens em 2020.
Pouco mais de um terço (34,1%) de toda a área de Mosaico de Agricultura e Pastagem mapeada na Caatinga fica no Bahia que, junto com Ceará e Piauí, representam cerca de 64% dos 9 milhões de hectares identificados em 2020. Esse tipo de ocupação de solo cresceu apenas em Minas Gerais e Piauí no período avaliado, com uma área de 0,238 milhão de hectares. Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte tiveram uma diminuição de 0,854 milhão de hectares entre 1985 e 2020.
No caso da agricultura, houve crescimento – e significativo. O aumento da área ocupada foi de 1.456%, com o acréscimo de 1,33 milhão de hectares entre 1985 e 2020. Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia representam cerca de 64,5 % de toda variação encontrada entre 1985 e 2020, com um aumento de 1,094 milhão de hectares.
O mapa das cicatrizes do fogo mostra uma maior ocorrência de queimadas na fronteira oeste da Caatinga, onde ela se encontra com o Cerrado, na fronteira agrícola denominada MATOPIBA (sigla dos estados qual a formam). Os estados do Piauí, Bahia e Ceará respondem por cerca de 87,28% do total de área queimada no bioma.
“Os impactos das mudanças de uso do solo são potencializados pela crise climática e o resultado é uma Caatinga ainda mais seca e vulnerável”, explica Rodrigo Vasconcelos, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e do MapBiomas.
Também chama a atenção o crescimento da área ocupada por infraestruturas urbanas, de 145% entre 1985 e 2020, ou 0,3 milhão de hectares da Caatinga. Ao todo, a área urbana ocupava 0,5 milhão de hectares em 2020. Desse total, cerca de um terço (30%) fica no Ceará, único estado da região situado inteiramente no bioma. Juntos, Ceará, Bahia e Pernambuco respondem por dois terços (66,4%) desse total. Esses três estados também respondem por dois terços (64,%) do aumento de área registrado nos últimos 36 anos, na região metropolitana de Fortaleza e em cidades médias desses estados.
Dois casos de
desertificação na Paraíba
O município de Caturité (PB) apresenta perda da vegetação natural de 40%, associada à diminuição da superfície de água em 51,8% e uma média de 26 hectares de área queimada por ano entre 1985 e 2020.
O município de São José da Lagoa Tapada (PB) apresenta perda da vegetação natural de 16% e diminuição da superfície de água em 28%, com uma média de 411 hectares de área queimada por ano entre 1985 e 2020.
“Ambos os municípios, situados em áreas classificadas como de grave suscetibilidade aos processos de desertificação exemplificam o avanço desse processo na região”, pontua o professor Washington Rocha, da UEFS e do Mapbiomas. Ainda segundo o professor, nessa fase inicial, a desertificação é um processo quase invisível, somente detectado por sensores como aqueles usados pelo Mabiomas e seus efeitos deletérios somente se revelam nos estágios mais avançados quando não é mais possível realizar qualquer medida de controle.
BA lidera em área e em
perda de formação savânica
A Bahia concentra pouco mais de um quinto (21,5%) de toda a área de savana da Caatinga mapeada em 2020, quando esse tipo de formação vegetal ocupava 44,2 milhões de hectares. Desse total, 84,2% ficam nos estados da Bahia, Ceará, Piauí e Pernambuco.
Entre 1985 e o ano passado, foram perdidos 10% de formações savânicas, ou cerca de 5 milhões de hectares. A maior redução ocorreu na Bahia: -2,096 milhões de hectares. Nesse período, dos 10 municípios da Caatinga que mais perderam savana, oito ficam na Bahia. Juntos, os estados da Bahia, Ceará e Pernambuco tiveram uma redução de 3,68 milhões de hectares de savana nos últimos 36 anos.
Nas formações florestais,
CE lidera em área e em redução
No Ceará ficam 37,34% dos 5,7 milhões de hectares de Formações Florestais mapeadas na Caatinga em 2020. A quase totalidade dessa área (90,1%) fica nos estados do Ceará, Bahia e Piauí. Mas o Ceará é também o estado que apresentou maior redução desse tipo de cobertura vegetal entre 1985 e 2020: -0,34 milhões de hectares. Dos 10 municípios que mais perderam Formações Florestais na Caatinga nesses 36 anos, oito pertencem ao Ceará. Juntos, os estados do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte perderam 0,55 milhões de hectares de formações florestais no período.
Mais da metade das formações
campestres da Caatinga ficam na BA
A Bahia é também o Estado com maior área de Formações Campestres: mais da metade (57,2%) do total de 3,8 milhões de hectares mapeados em 2020. Quase três quartos (72,46%) dessa área ficam na Bahia e no Piauí. Porém, dos 10 municípios que mais perderam Formações Campestres na Caatinga entre 1985-2020, três pertencem ao estado da Bahia. Juntos, os estados do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba respondem pela redução de 0,2 milhão de hectares desse tipo de cobertura vegetal entre 1985-2020. Apenas o estado do Ceará apresentou aumento: +0,21 milhão de hectares.
Mapeamento da ocupação
e uso do solo
O MapBiomas é uma iniciativa multi-institucional que reúne universidades, ONGs e empresas de tecnologia que se uniram para contribuir para a compreensão das transformações do território brasileiro a partir do mapeamento anual da ocupação e uso do solo no Brasil.
Em agosto de 2021, foi publicada a Coleção 6 de MapBiomas com mapas de cobertura e uso do solo do Brasil de 1985 a 2020. A ferramenta desenvolvida pela MapBiomas para todas as suas iniciativas disponibiliza informações geradas com resolução espacial de 30 metros. Os dados são processados usando algoritmos de classificação automática por meio de informações na nuvem do Google Earth Engine.