Tese defendida por ruralistas de que populações indígenas só têm direito a territórios ocupados desde a data de promulgação da última Carta Magma tem julgamento retomado no STF nesta quarta-feira, 1º

O julgamento decide sobre o que seria território “tradicionalmente ocupado”. A discussão é feita a partir do Artigo 231, da Constituição, onde a expressão é utilizada | Foto: Iago Barreto

Por Rose Serafim
Colaboradora

Representantes de dez comunidades indígenas cearenses ocuparam na tarde dessa quarta, 1º, trecho da CE-085, em protesto contra o julgamento do marco temporal. A tese, defendida por ruralistas, estabelece que povos indígenas só tenham direito a territórios ocupados desde a promulgação da última Constituição, em 5 de outubro de 1988, e coloca em xeque o processo de demarcação de terras indígenas por todo o País.

O advogado-geral da União, Bruno Bianco Leal, defendeu que o STF mantenha a validade do chamado “marco temporal” na demarcação de terras indígenas. Segundo o representante da AGU, o debate das demarcações cabe ao Congresso. A sessão desta quarta foi encerrada às 18h15, após 21 das 38 manifestações previstas. O julgamento deve ser retomado nesta quinta, 2, com as falas da Procuradoria-Geral da República e voto do relator Edson Fachin.

Entenda o caso

Foi retomado, nesta quarta-feira, 1º, o julgamento, no Supremo Tribunal Federal, do Recurso Especial 1.017.365, que trata de um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do Povo Xokleng, envolvendo uma área reivindicada como parte do território tradicional.

A área também é ocupada por povos Guarani e Kaingang. Em 2019, o plenário do STF reconheceu que o julgamento do parecer terá repercussão geral. Isso significa que a decisão nesse caso servirá para fixar uma tese de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do judiciário.

O julgamento decide sobre o que seria território “tradicionalmente ocupado”. A discussão é feita a partir do Artigo 231, da Constituição, onde a expressão é utilizada.

 Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Segundo Cleciano Tremembé, da Aldeia de Queimadas, do município de Acaraú, Ceará, a decisão tomada pela Corte pode interferir tanto em demarcações futuras quanto em territórios já estabelecidos. Ele lembra que as áreas reconhecidas como indígenas no Ceará só foram definidas judicialmente após a Constituição de 1988, e teme que a decisão favorável ao marco temporal possa dar espaço para questionamentos sobre essas terras.

Canseira em mais de 6 mil indígenas reunidos em Brasília

Em entrevista ao site Notícias Agrícolas, o vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Neri Geller (PP-MT), revelou que a bancada atua para postergar a decisão no STF | Foto: Iago Barreto

Até 25 de agosto, data prevista para o julgamento após adiamento de junho, o acampamento Luta Pela Vida mobilizava mais de 6 mil indígenas representantes de 173 povos na Capital Federal. A estimativa foi feita pela Articulação de Povos Indígenas do Brasil (Apib), e esta seria, segundo a organização, a maior mobilização dos povos indígenas desde a Constituinte de 1988.

O processo estava na pauta do plenário, mas só foi aberto a meia hora do fim da sessão do dia 26 de agosto. O ministro Edson Fachin, responsável pelo caso, teve tempo de apenas ler o relatório.

Em junho deste ano, outras centenas de representantes de povos originários saídos de todo o País ocuparam a Praça dos Três Poderes, em Brasília, no acampamento Levante Pela Terra. Contudo, os ministros não chegaram a apreciar a pauta que foi adiada para período posterior ao recesso de julho.

Segundo Cleciano, que também é professor indígena, o STF tenta dar uma “canseira” nos povos que protestam contra o marco temporal.

“Todos os povos estão se manifestando porque a canseira que tem sido dada pelo Supremo Tribunal Federal em julgar a questão do marco temporal tem afetado muito as nossas vidas. Agora, nós tivemos seis mil indígenas em Brasília acampados por cinco dias e eles adiaram a votação pra tentar fazer uma canseira. Então, os indígenas que estavam lá e estão retornando, talvez não possam participar, mas os que estavam na aldeia vão fazer um ato de reivindicação também”, explica.

Em entrevista ao site Notícias Agrícolas, o vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Neri Geller (PP-MT), revelou que a bancada atua para postergar a decisão no STF. Os deputados, segundo ele, priorizam a aprovação da PL 490/2007, que teve texto aprovado em 23 de junho pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCCJ), no Congresso Nacional, e trata sobre o mesmo tema: a retirada de direitos de indígenas sobre os territórios que ocupam.

Por todo o País, comunidades indígenas criaram dezenas de campanha de financiamento para participar da manifestação na capital federal. Na noite desta terça-feira, representações dos povos faziam vigília na Praça dos Três Poderes, com cantos e rituais sagrados, buscando forças para continuar lutando contra o marco temporal.

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