Sala com pintura clara e diversos estudantes sentados em carteiras enfileiradas de cabeça baixa fazendo prova
Estudantes do IFCE Campus Canindé fazem a prova da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), cena que só se concretizou há poucas décadas no interior semiárido | Foto: Ítalo Costa
Homem branco de cabelos brancos usando óculos quadrados, camisa xadrez e casaco preto
Antônio Rocha Magalhães é economista e foi secretário de Planejamento do Governo do Ceará

Antonio Rocha Magalhães
Economista
Ex-Secretário de Planejamento do Ceará
armagalhaes@gmail.com

Nas duas primeiras partes deste artigo, falamos sobre a questão da água e sobre o desenvolvimento econômico do sertão. Hoje é a vez da transformação por meio da educação de qualidade, única forma possível para escapar da pobreza.

Em um livro recém-publicado, um “Memorial da Família Távora no Ceará”, o autor, José Nelson Bessa Maia, fala sobre a importância da educação como meio de escapar da pobreza no Semiárido. Esse foi um estratagema usado por vários daquela família, para que os filhos e sobrinhos estudassem e encontrassem o seu lugar na sociedade brasileira (e até fora dela). No rol dos Távoras, que saíram dos sertões do Jaguaribe, há nomes como os de Juarez Távora, Joaquim Távora e Virgílio Távora, só para citar alguns.

É interessante notar que, dotados de uma educação de boa qualidade, todos procuraram ocupar posições no Ceará e em outros lugares do Brasil. Todos migraram, nenhum dos que estudaram permaneceu no sertão, mas continuaram ligados ao torrão natal. Eles entenderam, desde o início, a importância de aprender. Constituíram uma rede social da família, voltada para apoiar os parentes jovens, para que estudassem e buscassem outras oportunidades que não poderiam ser oferecidas pela terra ressequida dos sertões jaguaribanos. Eles buscaram colocações nos governos federal e em vários estados e também foram profissionais liberais. Alguns foram militares bem-sucedidos e entraram para a história do Brasil. A rede familiar continuou funcionando quando se tratava de identificar uma oportunidade de trabalho e carreá-la para alguém da família.

No meu próprio caso, estudei porque no início tive o apoio de minha avó e tias, que me receberam em Fortaleza e me fizeram sentir confiante. O apoio da família foi sempre muito importante. Como eu e como os Távoras, muitos outros nordestinos conseguiram vencer no Governo, na Igreja, no setor privado, nas profissões liberais. Por trás de cada um estava a busca de transformação, de evolução por meio do aprendizado, do aproveitamento das oportunidades surgidas.

Dada a inexistência, à época, de educação de qualidade no interior semiárido, uma grande quantidade de pessoas tomou a iniciativa de migrar, de se dedicar aos estudos e conseguir, no longo prazo, galgar carreiras de sucesso que não seriam possíveis se permanecessem no sertão. Outros se dedicaram ao trabalho no comércio e na indústria e se transformaram em operários qualificados ou até mesmo empresários.

Isso foi possível para uma família de fazendeiros vindos de Portugal, que recebeu na origem grandes sesmarias, como muitos outros que migraram de Portugal para o Brasil. Isso é muito mais difícil para o homem comum, trabalhador rural, miscigenado de índio, negro e branco, exatamente a população que forma a maioria das pessoas no sertão. Se as dificuldades já são grandes para quem pertence à elite branca e tem o apoio da família, são bem maiores para as pessoas que não têm esse apoio. A saída, muitas vezes, é se transformar em migrante de baixa produtividade, para trabalhar nos seringais amazônicos ou na construção civil em São Paulo e residir em condições inadequadas em zonas periféricas.

É aqui que entra o papel da política pública. Só o Governo pode fazer isso.

Deve ser reconhecido que nos últimos anos já houve impulso razoável na educação, em todos os níveis, especialmente em relação à interiorização da educação. Quando saí de Canindé, não havia ainda o segundo grau nessa cidade. Hoje, é possível cursar o Ensino Superior no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), há muito mais oportunidades de estudo. Ainda tem de melhorar e nada indica que isso não continue acontecendo. O processo é muito mais lento do que se almejaria.

É um trabalho de longo prazo, que não é possível fazer rapidamente. Não coincide com o processo político de eleições, quando os políticos fazem suas promessas. É muito mais fácil construir uma barragem ou uma estrada ou uma ponte do que assegurar que uma pessoa tenha educação adequada, incluindo o Educação Infantil, Ensino Médio e Superior.

Quando fizemos o Projeto Aridas, que procurou incorporar a ideia de Sustentabilidade no planejamento governamental, surgiu a educação como primeira prioridade, adiante de qualquer outra coisa. Ao lado da educação, uma boa política de meio ambiente deve assegurar que os recursos naturais não sejam destruídos para dar lugar a novas infraestruturas, a cidades ou a grilagem de terras. Existe, aqui, um conflito entre os interesses privados e a sustentabilidade ambiental, que é tratado por meio do processo de licenciamento. Para tudo isso, mais uma vez o Governo é fundamental.

O resto são detalhes do desenvolvimento, cujos resultados dependem de esforços individuais.

1 Comentário
  1. Dr. Antônio Magalhães, muito obrigado pelo livro que recebi de suas mãos. O lerei com grande carinho. Quanto a educação e livros, devo tudo a eles pelo que conquistei na vida e ainda estou na batalha. Sendo sertanejo e mestiço dessas três raças, apesar da pele clara que me adorna, filho e neto de agricultores de subsistência, não pertencendo a parca elite do meu lugar, as dificuldades e obstáculos se formaram naturalmente maiores. Peguei na enxada junto com meu pai e limpei e plantei e colhi, feijão, milho, algodão e batata nas terras úmidas da vazão d’agua do General Sampaio. Na seca, trabalhei no serviço de emergência do DNOCS, cavoucando e carregando barro para construir a barragem de um açudeco, em 1983. Mas tendo como individualidade o gosto pela leitura e pela escola, que não assim tão valorizado pela geração de meu pai, que sabia ler e escrever muito pouco, tive que galgar quase sozinho e sem incentivo os anos escolares. Não era um sacrifício para mim, era um prazer que tinha na leitura e assim consegui amenizar a minha dura realidade de sertanejo de família pobre.

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