A Fazenda Acauã, em Aparecida (PB), é  uma das mais antigas do Nordeste. A autorização para a sua exploração foi dada pela corte portuguesa à Casa da Torre em 1757. FOTO: Maristela Crispim

 

O Assentamento Acauã tem uma história de muita luta, iniciada em 1995. As dificuldades ainda existem, mas são superadas pela união das famílias que o compõe

 

Maristela Crispim*

Aparecida. Nesta terceira matéria de uma série realizada na região de Sousa, sertão paraibano, visitamos a Fazenda Acauã, considerada uma das mais antigas do Nordeste brasileiro. A autorização para a sua exploração foi dada pela corte portuguesa à Casa da Torre, em 1757. O conjunto formado  pela Capela da Imaculada Conceição, construída em estilo Barroco, sobrado, casa-grande e casarios é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) .

Trata-se de um monumento de grande valor histórico, representativo do apogeu econômico e cultural do sertão no Século XVIII. Está ligada à história da Paraíba e do Nordeste, com destaque em diversos momentos da vida brasileira, como a Confederação do Equador, pois o proprietário, Padre Luiz Correia de Sá, era um dos líderes na região sertaneja e a fazenda,  ponto de encontro dos confederados.

Mais adiante, já no século seguinte e mais precisamente na década de 30, Acauã foi propriedade do então presidente da província da Paraíba, João Suassuna, pai do escritor Ariano Suassuna, que por ali viveu um pouco da sua infância, registrada em suas obras como parte das memórias da fazenda que ele considerava a “sua terra no sertão”.

Parte da história da Paraíba, a Fazenda Acauã abrigou a infância do escritor Ariano Suassuna e tem servido como cenário para diversas produções cinematográficas. FOTO: Maristela Crispim

Nas décadas de 30 a 50, a Fazenda pertenceu ao Engenheiro José Rodrigues Ferreira, nascido nos Estados Unidos e naturalizado brasileiro,  implantou uma série de inovações. Graças ao desenvolvimento econômico e político, Acauã foi cortada pela linha férrea no sentido oste/leste interligada com a Rede Ferroviária do Ceará.

Em novembro de 1995, a parte da fazenda onde fica o patrimônio foi desapropriada pelo governo da Paraíba para fins de restauração e implantação de um complexo cultural.

O local tem servido de cenário para filmes, séries e documentários, como o “O País de São Saruê”, de Vladimir de Carvalho (1971); “Memória Bendita”, de Laercio Filho (2005); “O Apóstolo do Sertão” de Laercio Filho (2008); “O Sonho de Inacim” de Eliezer Filho (2009); e “Antoninha” de Laercio Filho (2011).

A antiga fábrica de óleo de oiticica fica logo ao lado do complexo da Fazenda. FOTO: Maristela Crispim

A ocupação das terras da Fazenda Acauã, em dezembro de 1995, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), representou o início das ocupações de latifúndios improdutivos no Alto Sertão da Paraíba. Essa luta foi muito significativa para a constituição dos assentamentos de reforma agrária na região, pois impulsionou a luta e encorajou milhares de famílias a ocupar, resistir e conquistar a terra.

O processo foi de muita resistência, seis despejos e sete prisões. Dentre os presos estavam duas alemães que visitavam a área e cinco agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT). A estratégia do proprietário era mandar prender toda a equipe da CPT para acabar com o conflito. Contudo, apesar de toda a repressão, as famílias conseguiram a desapropriação do imóvel.

Hoje coordenadora da Associação dos Agricultores do Assentamento Acauã (AAAA), Maria do Socorro Gouveia, 56, participou de todo o processo e conta que, a partir dos anos 80, a CPT do Sertão mediava os conflitos das ocupações às margens dos açudes públicos. “Foram mobilizadas 200 famílias, mas, inicialmente, só 25 ocuparam. Depois chegaram mais 100, de nove municípios onde a CPT atuava. No fim do processo, ficaram 114”, relata.

Socorro conta que cada família ficou com 15 a 16 hectares de terra de sequeiro (cultivo que depende da chuva), numa área um pouco distante da Agrovila. Em terras coletivas de 3,5 hectares são criados os animais. Em 1997 começaram a ser construídas as primeiras casas, a escola, a igreja, a praça. Quando tudo parecia bem, veio uma seca, entre 1998 e 1999, e foi necessária outra mobilização, para garantir acesso à água, por meio do Canal da Redenção.

Maria do Socorro Gouveia participou de todo o processo de conquistas. FOTO: Maristela Crispim

O apoio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) foi decisivo para o desenvolvimento socioeconômico dos assentados. Hoje a produção é bastante diversificada, como apicultura, caprinocultura, bovinocultura, suinocultura, agricultura de sequeiro, pomar de frutíferas, hortas. A primeira mandala do País foi implantada no Assentamento. Esta experiência não foi adiante. Mas, aos poucos, o cultivo agroecológico vai ganhando força, contando também a feira agroecológica e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para o escoamento dos produtos.

Filho de assentado, Cícero Fábio de Sousa Alvarenga, 37, é graduado em Agroecologia, mestre em Agronomia, técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural da Paraíba (Emater-PB), vereador e responsável por diversas conquistas, em termos de infraestrutura, para o Assentamento, como calçamento, posto de saúde, quadra de vôlei de praia e suporte esportivo a crianças e adolescentes.

José Jairo Neves Neto, 51, filho de um antigo morador da Fazenda Acauã, foi o primeiro assentado a conquistar o diploma de nível superior. Técnico agrícola e pedagogo, ele fez diversos cursos sobre Convivência com o Semiárido, o que culminou na participação no livro “conhecendo o Semiárido”.

* A jornalista viajou à Paraíba a convite da Inter Press Service – News Agency (IPS)

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