No Piauí, energia solar de pequeno porte está concentrada na capital

Foto colorida de mulher grisalha de pele morena vestindo camiseta preta e short jeans em pé ao lado de uma plantação de hortaliças segurando uma folha verde

Cultivo orgânico de hortaliças na Associação de Catadores de Marisco de Ilha Grande / Foto: Carolina Simiema

Por Carolina Simiema
Especial para Eco Nordeste

Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que o Brasil acrescentou 7,46 GW em sistemas de energia solar fotovoltaica em 2023.  O segmento registrou 626 mil novas conexões ao longo do ano e beneficiou 838 mil unidades consumidoras no País ao totalizar 25,6 GW no ano. Segundo o levantamento, 2023 foi, ainda, o segundo melhor ano, ao superar as projeções da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), que estimava que a solar terminaria 2023 com 21,6 GW de capacidade instalada. O avanço da modalidade, porém, não chegou com tanta força assim ao Estado do Piauí.

Apesar do grande potencial de energia solar da região, que abriga, inclusive, o segundo maior parque solar do País, a Central Solar de São Gonçalo, em São Gonçalo do Gurguéia, quando se refere à geração distribuída, que são as instalações de pequeno porte, os dados do painel de monitoramento da Aneel não são tão expressivos. À exceção de Teresina, que está em quarto lugar entre as capitais que mais adotaram a geração solar distribuída, as pequenas cidades, como Ilha Grande, por exemplo, ainda estão longe de se tornarem energicamente limpas.

Segundo o painel (consulta realizada no fim do mês de fevereiro de 2024), o município, com pouco mais de nove mil habitantes, possui apenas 18 unidades instaladas, duas comerciais e 16 residenciais. Essa quantidade cai para somente uma ao se considerar o consumo em zonas rurais, o que daria pouco mais de 1% da população utilizando o sistema.

Para as marisqueiras, a energia solar fotovoltaica ajudaria no aumento da capacidade produtiva. Seja no preparo do marisco ou na manutenção da agricultura, a redução do custo de energia, segundo Joelma, faria com que não fosse preciso racionar a água necessária para os processos, nem minimizar a utilização dos freezers e da máquina que tritura as cascas do marisco.

Com isso, mais produtos estariam disponíveis para o consumo próprio, o que garantiria a alimentação, em um estado no qual 80% dos domicílios estão em condição de insegurança alimentar, segundo dados de levantamento realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Insegurança Alimentar; e para a comercialização, o que beneficiaria a geração de renda.

“Como que vamos fazer uma coisa que não se pode pagar?” É o que Luiza dos Santos, 63, fundadora da Associação das Catadoras de Marisco de Ilha Grande, no Piauí, costuma dizer quando conversa sobre a necessidade de instalar um sistema solar fotovoltaico na sede da instituição. Grande parte das marisqueiras – e até mesmo da população em geral -, mesmo ao reconhecer ou idealizar os benefícios, desconhece o que envolve um projeto de energia renovável e como torná-lo acessível.

Esse distanciamento faz com que muitas marisqueiras acreditem que a transição energética seja algo inalcançável, tanto do ponto de vista técnico, financeiro e até mesmo social. Dúvidas sobre como implementar um sistema solar, como e quanto pagar, para quem é destinado, como decidir, direitos, e mais uma série de outras indagações são comuns em grande parte dessas comunidades.

É preciso entender

Nesse sentido, Rodolfo Dourado Maia, engenheiro mecânico e diretor executivo do International Energy Initiative Brasil (IEI), destaca a importância de não apenas informar essas comunidades para deixar o diálogo mais acessível, mais didático e democrático, como também formar essas pessoas, no sentido de instruí-las e capacitá-las, sobre o papel da transição energética e como elas podem se beneficiar disso. 

Para ele, unir o conhecimento dessas mulheres a respeito de suas necessidades e os seus saberes a uma assistência técnica com orientações e outras informações que dizem respeito às viabilidades de um projeto é essencial.

“O que é que vai precisar pra isso aqui? Vai precisar de tais coisas. Ok! Quais dessas coisas dependem de energia? E aí pensar qual deveria ser o tamanho do meu sistema de energia, porque se o pessoal da assistência técnica disser: olha, você precisa ter um tanque assim ou assado, com uma renovação de área de água X, coisas mais técnicas para a área de produção, isso tudo vai ajudar a dimensionar o tamanho do sistema de energia solar. E quando a gente fala de energia, não está só olhando para o fornecimento, mas também para os equipamentos que vão transformar essa energia nos serviços que a gente precisa. Não é simplesmente botar um sistema aqui para apenas bombear água. É preciso entender o que essas marisqueiras precisam, de fato, para a produção de marisco e para a horta”, esclarece.

De acordo com Maia, essa poderia ser uma possibilidade inicial para ampliar o entendimento a respeito do tema e aproximar essas mulheres dessa realidade que para a maioria ainda está tão distante. Seria como fortalecer na comunidade a troca de informações, a capacidade de análise e o poder de decisão.

Para o engenheiro eletricista da Frente por uma Nova Política Energética, Joilson Costa, orientar essas pessoas a respeito das possibilidades para aderir ao sistema seria também uma forma de “desmistificar que a energia solar é cara”, o que, segundo ele, é um dos “entraves para o avanço da energia solar nas comunidades mais pobres”.

“É isso que nós estamos fazendo com a campanha Nossa Casa Solar. Ajudamos essas pessoas a fazer a conta. A conta é comparar o valor do investimento do sistema, que pode ir de R$ 5 a R$ 30 mil, com o valor que elas pagariam para a concessionária”, explica Joilson. E complementa: “Elas não conseguem perceber o que gastam em serviços públicos. Por isso elas não conseguem contabilizar o que gastam no médio prazo. A surpresa é que quando fazem a conta: pegar o valor mensal, multiplicar por 12 [meses] e depois por 3, 4 ou 5 anos, elas se dão conta de que o valor que elas gastam de energia é muito próximo, ou até supera, o valor do sistema fotovoltaico”.

Segundo o engenheiro, o que, talvez, Luiza ainda não saiba, justamente por não ter tido a oportunidade e o acesso à informação, é que existe a possibilidade de “ir por partes”:  “Outra opção é que a pessoa que quiser adotar, [o sistema solar] precisa atender todo o seu consumo. Eu posso pedir para dimensionar o sistema para atender metade, 30%, 20% do meu consumo. A pessoa pode ir aumentando aos poucos, isso faz com que inicie, se torne um microgerador, mas com um investimento menor do que se ela fosse atender 100% do seu consumo, depois ela pode ir aumentando aquela potência”, diz.

Rodolfo Maia acredita que as comunidades também podem se organizar para fazer essa conta: “Dá para se organizar? Sim, se for uma comunidade bem organizada que a gente possa, por exemplo, pensar assim: vocês gastam tanto de energia sem sistema, podemos colocar o sistema com tamanho X e bolar um financiamento Y que o preço do financiamento possa ser igual, por exemplo, o que se paga de energia. Mas existem outras formas também, que é tentar editais ou doações”. 

No entanto, o especialista traz ainda uma reflexão sobre a “realidade concreta” de cada família, que precisaria, segundo ele, ser observada dentro de um recorte de equidade social. 

“Você se comprometer por vários anos para pagar X reais todo mês quando você está lutando todo mês para ter comida em casa também não é fácil. Embora faça sentido financiar um sistema, existe a realidade concreta das famílias que precisa ser considerada. Muitas vezes a pessoa está decidindo se vai comer ou tomar um remédio. Tem uma questão de equidade que não é todo mundo que tem condições de pagar por este sistema”, pondera.

O engenheiro também pontua sobre o que ele chama de “uma transição energética que esteja a serviço do desenvolvimento das pessoas”. Nesse ponto, ele fala sobre como a comunidade –  como um todo –  poderia se beneficiar: “Aí se pode pensar nos usos produtivos da produção dos mariscos e da horta, mas também para uso doméstico comunitário, como na associação, que desenvolve atividades e serviços que a comunidade pode usar. Isso tudo a solar pode ajudar”, enfatiza.

De fato, Luiza e sua filha, Joelma dos Santos, que preside a associação de catadores, sonham em poder ter condições para dar continuidade nos serviços que realizam na associação: “com o dinheiro que seria da água e da energia, a gente já faria outra coisa. Aqui falta tudo porque não temos dinheiro. Poderia fazer uma melhoria, ou algum movimento para as crianças no dia de sábado, ter um restaurante pra quando chegar um grupo marcar com eles”, comenta Luiza.

* Este conteúdo faz parte de uma série de três reportagens produzidas a partir de seleção do Plano Nordeste Potência, iniciativa que promove a transição energética por meio de fontes renováveis de forma justa e inclusiva. O Plano Nordeste Potência é construído por quatro organizações civis brasileiras: Centro Brasil no Clima (CBC), Fundo Casa Socioambiental, Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) e Instituto Climainfo, com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS).

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