Entenda como ocorre o processo de deterioração do solo e o que pode ser feito para impedir o avanço da desertificação em áreas de Caatinga
Por Rose Serafim
Colaboradora
Fortaleza – CE. No Dia Mundial de Combate à Seca e à Desertificação, especialistas apontam como ações humanas contribuem para a degradação e indicam: o manejo sustentável é mais viável que a recuperação.
Todo o território cearense está suscetível à desertificação, de acordo com a delimitação feita pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Estudo realizado pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) mostra que 11,45% do Estado já se encontram neste processo, aparentando três grandes áreas mais afetadas: Médio Jaguaribe, Inhamuns, Irauçuba e municípios circunvizinhos. O empobrecimento do solo tem relação direta com a ação humana. Nesta data, especialistas explicam como práticas agroecológicas e saberes tradicionais podem até reverter esse quadro.
“Se o solo não for utilizado com um manejo adequado, pode vir a sofrer este fenômeno”, explica a pesquisadora da Funceme, Sônia Perdigão. Ela lista processos que, entre outros, contribuem para a desertificação, como:
- Desmatamento – deixa o solo desprotegido podendo sofrer processos de erosão
- Queimadas – eliminam a microfauna e microflora do solo
- Irrigação mal conduzida – pode causar a salinização dos solos
- Sobrepastoreio – causa a compactação dos solos
Quanto mais adiantada a erosão do solo, menor a quantidade de nutrientes e água acumulada disponíveis para as plantas. O que significa também a redução da produtividade e até a não sobrevivência da vegetação nessas áreas, aponta a pesquisadora.
Contudo, uma experiência realizada pela Funceme numa área de 5 hectares, na localidade de Brum, em Jaguaribe, tem possibilitado encontrar maneiras de reverter esse processo.
“Foram realizados estudos na área, como solo, vegetação, variáveis ambientais, dentre outros. Foram também implementadas técnicas de manejo para recuperação de área degradada e, após isso, já podemos observar resultados bem positivos, pois espaços de solo exposto, onde não nascia mais nem vegetação herbácea, hoje se encontram ocupados por elas, além do surgimento de novas espécies da Caatinga”, conta Perdigão.
A ideia corrobora com a defesa do Francisco Barreto Campello. Coordenador Projeto Rural Sustentável Caatinga, iniciativa realizada pela parceria entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o governo britânico, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tendo como implementador a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), com o apoio técnico da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Semiárido e Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).
Campello explica que que o processo de degradação do solo é intensificado pela descontinuação de práticas tradicionais de uso da terra, situação que ocorre desde a colonização do Brasil e extinção em massa das populações indígenas.
Aproximadamente 1,3 milhão de quilômetros quadrados estão suscetíveis a desertificação no País, indica Campello. Isso envolve pelo menos 27% dos municípios do Brasil, 16% do território brasileiro e uma população rural e urbana em torno de 30 milhões de habitantes.
“A desertificação ocorre por questões naturais, mas é intensificada pela ação do homem”, sintetiza. Há uma necessidade, aponta, de uma cultura de irrigação correta e de aumento da biomassa florestal.
“Nós temos desertificação por uma irrigação mal feita que saliniza o solo. Como nós temos águas muito mineralizadas por conta da geomorfologia, precisamos ter uma cultura de irrigação que permita a não degradação”, informa. Todavia, ressalta, existe a desertificação pela ação humana em função da questão energética.
“Pelo menos 30% da matriz energética do Nordeste depende da biomassa floresta, na qual 90% ou mais vem da Caatinga”, aponta, referindo-se ao uso da madeira. Essa retirada, contudo, pode ser feita, desde que cumpra práticas sustentáveis, defende. Segundo Campello, a grande ameaça é o material retirado das florestas de Caatinga de forma clandestina, por meio do desmatamento.
“Vários tipos de indústrias que usam a lenha como fonte de energia primária, indústrias, por exemplo, de fiação e arrecadação. Essa, demanda faz com que, aproximadamente, todo ano, a gente tenha 25 milhões de metros de lenha sendo utilizados para fornecer energia. A grande ameaça que nós temos é na forma como essa biomassa chega à indústria, sem planejamento ambiental, sem um licenciamento para uso sustentável, sem orientação técnica na hora de ser retirada da natureza”, denuncia.
Outras formas de pressão sofridas no bioma são a sobrecarga animal e o preparo para o plantio, aponta. “Temos que dimensionar carga animal adequada para que se beneficie da Caatinga, do ambiente e não o degrade. A sobrecarga animal, além da capacidade do sítio, vai agredir a vegetação e vai comprometer o solo. A outra forma de degradação é quando se vai preparar o solo sem os cuidados conservacionistas. Temos o famoso plantio morro abaixo, sem nenhum tipo de técnica de estabilidade do solo. Com o tempo, um ambiente que é propício para agricultura passa a ser degradado e erodido. Esse quadro, infelizmente, ainda se mantém na nossa região”, revela.
A recuperação de áreas degradadas é possível, afirma, a partir de experiências realizadas na Caatinga. Todavia, isso exige “técnica, tempo e investimento”, destaca. A melhor forma de evitar a desertificação é produzir de maneira sustentável, utilizar os recursos florestais com critérios para não precisar recuperar o solo posteriormente, conclui.
Eventos online discutem desertificação
Live da Embrapa
A Embrapa Semiárido, em parceria com o Grupo Fundação Esquel Brasil e a Funceme, realiza nesta quinta-feira (17) live alusiva ao Dia Mundial de Combate à Desertificação. A transmissão abordará as dificuldades, avanços e desafios do combate à desertificação no Brasil, a partir das 9h, no canal da Embrapa no YouTube
Mesa redonda
O PRS Caatinga realiza mesa redonda sobre o tema com pesquisadores e lideranças no Semiárido brasileiro também nesta quinta (17), às 16h, com transmissão pelo YouTube nos canais PRS Caatinga e RTV Caatinga. A moderação é de Francisco Campello.
Parabéns, Rose. Ótima reportagem, assim como as demais matérias da Econordeste.