Por Alice Sales*
Colaboradora
Crato – CE. A região do Cariri, no sul do Ceará, é popularmente conhecida por abrigar uma diversidade de manifestações históricas e culturais de seu povo. As tradições do lugar, consideradas como patrimônio, contam com os Museus Orgânicos, espaços abertos ao público que ajudam a contar a história, conservar as memórias do território e a valorizar os mestres da cultura caririenses e seus legados.
Neste sábado (13), durante a programação da Mostra Sesc Cariri 2021, a região celebra a inauguração de mais um museu orgânico para somar aos outros nove já existentes: Museu Orgânico Casa de Telma Saraiva. O espaço, no município de Crato, reúne a história da fotografia no Cariri e é uma homenagem póstuma à artista, foto-pintora e fotógrafa, Telma Saraiva, precursora na arte da fotografia pintada à mão, desde a década de 1940.
A criação do espaço é fruto de uma curadoria feita pela família de Telma Saraiva que reúne obras, instrumentos de trabalho e pertences pessoais. Além disso, o público poderá conhecer objetos inéditos de bastidores, como o laboratório de negativos, equipamentos e a primeira câmera utilizada pelo pai de Telma, no início do século XIX.
Casa Grande
Precursora dos Museus Orgânicos, a Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Cariri, foi o primeiro espaço deste projeto a ser inaugurada, em 1992. Tendo como sede a casa que deu origem à Cidade de Nova Olinda, construída em 1717, o memorial expõe artefatos e peças importantes da história do território e do Povo Originário Kariri, etnia que dá nome à região.
Além disso, o espaço é voltado ao incentivo à formação infantil e promoção da qualificação aos jovens caririenses. Quem visitar a Fundação Casa Grande, será recebido por crianças e jovens “guias mirins” que contarão a história que há por trás de cada peça exposta no museu.
“A formação de crianças e jovens na Fundação Casa Grande tem pilar na educação patrimonial e parte do princípio de preservar a memória do lugar, para que jovens e crianças se apropriem das tradições, lendas, mitologia, antropologia e se especializam em diferentes aspectos da história do homem Kariri. São saberes que passam de geração em geração”, destaca Alemberg Quindins, gestor cultural do Serviço Social do Comércio do Ceará (Sesc-CE).
Além do museu que será inaugurado neste sábado e do Museu do Homem Kariri, os Museus Orgânicos concentram-se em diferentes cidades da região. Confira:
- Museu do Ciclo do Couro, do mestre Espedito Seleiro – Nova Olinda
- Museu Casa do Mestre Antônio Luiz – Potengi
- Museu Oficina do Mestre Françuili – Potengi
- Museu Casa do Mestre Raimundo Aniceto – Crato
- Casa do Mestre Nena – Juazeiro do Norte
- Museu Casa Oficina de Dona Dinha – Nova Olinda
- Museu Casa da Mestra Zulene Galdino – Crato
- Museu Casa dos Pássaros do Sertão – Potengi
Ciclo do Couro
Dentre as mais famosas manifestações culturais do Cariri destaca-se a arte em couro do mestre Espedito Seleiro, exposta no Museu do Ciclo do Couro, em Nova Olinda. No espaço funciona também o ateliê e loja do artista. Habilidade herdada de seu pai e que já conquista a quinta geração, o feitio em peças de couro caracterizadas pelos inconfundíveis arabescos coloridos já ganhou espaço em filmes e desfiles de moda.
“A figura do mestre Espedito Seleiro e sua arte representa três grandes personagens tradicionais da nossa região relacionados ao ciclo do couro: o ferreiro, o vaqueiro e o seleiro“, ressalta Quindins.
Bacamarteiros da Paz
Quem acredita que o bacamarte, arma de fogo feita artesanalmente, remete à violência, se engana. No Cariri, o instrumento é símbolo do tradicional grupo de reisado Bacamarteiros da Paz, fundado pelo Beato Zé Lourenço. Os festejos se desenvolvem após o Natal, até o Dia de Reis, 6 de janeiro, mas podem ser apreciados em diferentes períodos do ano no Museu Orgânico Casa do Mestre Nena, em Juazeiro do Norte.
O espaço reúne instrumentos e indumentárias características da Folia de Reis, além dos relatos de memórias do Mestre Nena, que hoje, aos 70 anos, recebe os visitantes e conta pessoalmente sua relação com o reisado, que teve início quando ele ainda era um menino, aos 12 anos. Hoje, pai de 11 filhos e avó de muitos netos, o mestre da cultura conta com a sua descendência no grupo de reisado.
O mestre explica os dois principais personagens que incorpora nos festejos de reisado: o cangaceiro e o palhaço Mateu: “quando me visto de cangaceiro, tomo uma postura mais séria, com o bacamarte em mãos. Mas não fazemos apologia à violência. Já quando pinto o rosto de preto e me visto de Mateu é a hora de brincar e levar graça e alegria às pessoas”.
Quanto à transformação de sua casa em Museu Orgânico, Mestre Nena conta que foi uma das grandes alegrias poder perpetuar sua arte por meio desta iniciativa e destaca que aprende muito mais com as pessoas que o visitam. Ele acrescenta: “Enquanto eu puder, participarei da Folia de Reis. Quero viver de agricultura e da cultura até o fim da vida”.
José Nilton Nascimento, contra-mestre do grupo, destaca que a tradição de bacamarteiros necessita de maiores atenções para que a cultura dos grupos não se perca. Segundo ele, esse é o único grupo de bacamarteiros existente atualmente. “Se esse grupo acabar, acaba também todo o festejo de reisado com bacamarte na região. Gostaríamos de reivindicar alguma política pública que torne apto um bacamarteiro para a fabricação e manutenção legal desses instrumentos para os grupos, para que essa cultura não morra”.
Serviço
O quê: Inauguração Museu Casa de Telma Saraiva
Quando: 13 de novembro de 2021 – 16h
Onde: Crato – CE
* A jornalista viajou a convite do Sesc-CE