Desastre da Vale em Brumadinho é tema de seminário no Norte de Minas

Um dos objetivos do evento é construir uma rede entre movimentos sociais e pesquisadores para planejar estudos e monitoramentos comunitários das alterações no ambiente na Bacia do São Francisco e subsidiar medidas efetivas de reparação e de recuperação ambiental | Foto: Leo Barrilari (Fundação SOS Mata Atlântica)

Por Amanda Lelis
Cedecom / UFMG Montes Claros

O evento, realizado pelo campus da UFMG em Montes Claros e a Unimontes, reunirá pesquisadores e movimentos sociais

Movimentos sociais e pesquisadores reúnem-se em Montes Claros (MG) para discutir impactos do rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho, no “Seminário Análise do Crime Ambiental da Vale em Brumadinho (MG)”, que será realizado nesta terça-feira (30), entre 8h e 12h30, na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).

A programação é dividida em duas partes. A primeira reúne especialistas para analisarem o crime ambiental do rompimento da barragem Córrego do Feijão, da Vale, localizada em Brumadinho. O rompimento aconteceu em 26 de janeiro deste ano e acarretou na morte de 228 pessoas e no desaparecimento de 49, além de inúmeros impactos ambientais, sociais e econômicos à região. O evento é aberto ao público, sem necessidade de inscrições prévias.

Participam do debate a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta), Andréa Zhouri; o pesquisador na Diretoria de Pesquisas Sociais da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Neison Freire; e Carine Guedes, que é membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A mesa é coordenada pela professora Ana Thé, da Unimontes.

A segunda parte do evento traz representantes das comunidades atingidas pela Vale e propõe uma plenária com participação do público. Vão compor a mesa representantes das comunidades atingidas do município de Pompeu, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras do Brasil e do Quilombo da Lapinha, localizado no município de Matias Cardoso. O debate é coordenado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Segundo a professora Ana Thé, uma das organizadoras do evento, um dos objetivos é dar visibilidade no Norte de Minas ao tema. “O crime ambiental da Vale em Brumadinho, que destruiu completamente o Rio Paraobepa, matou centenas de pessoas e acabou com a possibilidade de reprodução econômica de diversas famílias que de alguma forma dependiam destes recursos hídricos, situação provavelmente irreversível”, comentou. Os efeitos do desastre sobre a bacia do São Francisco também serão pauta dos debates, apresentado pela Fundaj.

Desastres em continuidade

Um dos pontos que serão tratados no evento pela professora da UFMG Andréa Zhouri, diz respeito à continuidade das ocorrências deste tipo de desastre ocasionados por empreendimentos minerários no Estado.

“O desastre de Brumadinho não foi um incidente, nem um acidente. Não foi uma coisa fortuita, que aconteceu fora da curva, de forma inesperada e de ocorrência única. O desastre é um processo que vai além do evento do rompimento da barragem. É um processo que se inicia antes desse momento crítico e se desdobra para além dele, com repercussões no tempo e no espaço”

Andréa Zhouri, professora da UFMG

Exemplo dessa continuidade seria o desastre que ocorre no Rio Doce. Em novembro de 2015, o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, da mineradora Samarco, soterrou o distrito rural de Bento Rodrigues, em Mariana, desencadeando uma série de consequências, como a morte imediata de 19 pessoas, a contaminação de afluentes e do próprio Rio Doce, além das interferências na rotina econômica e social das populações da região até a foz no Espírito Santo. A professora defende que o desastre no Rio Doce ainda está em curso, com as dificuldades de negociação e de definições concretas das ações para reparação dos prejuízos aos atingidos e à região.

“Três anos e meio após o rompimento, as pessoas não tiveram suas vidas reconstituídas. As empresas operam a partir da lógica econômica da rentabilidade, que não é abandonada num contexto de desastre, pois diminuir os custos ainda é o mote principal refletido na minoração e subestimação do alcance das afetações. O universo de quem é atingido ainda está em disputa. Mariana é um exemplo de que o desastre é continuado no tempo e no espaço, sem definições de encaminhamento”, destacou Zhouri.

A professora enfatiza que o rompimento da barragem é um momento crítico no processo do desastre, que se inicia durante a implementação do empreendimento de mineração, e persiste nas escolhas tecnológicas, no funcionamento e no andamento das operações, assim como na reparação dos danos, posterior à criticidade do rompimento. De acordo com Zhouri, é um processo crônico que tem origem em falhas da governança.

Outro ponto que será discutido durante o encontro é a atuação do poder público, com o que a professora chama de “desmonte” do licenciamento ambiental que vem acontecendo nas últimas décadas.

Articulação em rede

A professora da Unimontes, Ana Thé, destaca que também é um objetivo do evento a construção de uma rede entre movimentos sociais e pesquisadores acadêmicos que trabalham neste campo. “A construção desta rede visa o planejamento de ações para a execução de estudos e monitoramentos comunitários das alterações no ambiente pelos rejeitos da Vale, a fim de subsidiar tanto o reconhecimento das populações que forem atingidas na Bacia do São Francisco, como também medidas efetivas de reparação e de recuperação ambiental”, explicou.

O papel da Universidade

Com o desenvolvimento de pesquisas específicas em diferentes áreas – como os campos de investigação das Ciências Sociais, da Saúde, da Engenharia e da Biologia, entre outros – e também atuação in loco com projetos de extensão, as universidades estão desempenhando um importante papel diante do contexto minerário em Minas Gerais, com debates e ações que extrapolam os muros institucionais e vão ao encontro das demandas sociais.

Zhouri comentou sobre esta responsabilidade em trazer o tema em voga diante do cenário atual. “A universidade, sobretudo a pública, é o espaço da liberdade de cátedra e tem um compromisso com a sociedade. É na universidade que temas críticos, que remetem aos riscos sociais, humanos e ambientais dos empreendimentos econômicos, por exemplo, são desenvolvidos com autonomia de pensamento e de atuação, algo que é assegurado pela Constituição do nosso país”, defendeu a professora.

De acordo com Zhouri, além da produção acadêmica, o Gesta fomenta os debates em torno do tema mirando o alcance de diferentes públicos. Já foram elaborados relatórios técnicos, cartilhas e outros materiais que estão disponíveis na página do grupo. No caso específico do desastre em Mariana, a professora explica que um dos resultados da atuação do grupo foi a revisão do Cadastro de identificação dos atingidos previsto pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), acordo entre o Ministério Público e a empresa no Município. “Por meio de interlocuções e análises técnicas do instrumento de identificação dos atingidos, contribuímos para uma revisão daquele documento. Em Mariana, outro cadastro foi elaborado”, disse.

O “Seminário Análise do Crime Ambiental da Vale em Brumadinho (MG)” é promovido pelo Mestrado em Sociedade, Ambiente e Território (PPGSAT), curso associado da UFMG e a Unimontes, e pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Social da Unimontes (PPGDS), em parceria com a Frente Brasil Popular Norte de Minas, o MAB e a CPT.

O evento conta com o apoio do Quarta na Pós (PPGDS/Unimontes); da Articulação Vazanteiros e Quilombolas em Movimento; da Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais; e do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP).

Serviço

O que: Seminário Análise do Crime Ambiental da Vale em Brumadinho (MG)
Data: 30 de abril
Horário: das 8h às 12h30
Local: Auditório do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) – Prédio 06 da Unimontes – Av. Professor Rui Braga, S/N – Vila Mauriceia – Montes Claros (MG)

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