Arqueologia mudou economia na região da Serra da Capivara

Esta é a terceira de uma série de três especiais do jornalista Flamínio Araripe, em colaboração para a Eco Nordeste, fruto de viagem a São Raimundo Nonato, no Piauí, onde fez uma imersão na natureza do presente e do passado e em intervenções importantes e necessárias para a preservação de um patrimônio singular.

A imagem mostra um homem trabalhando com cerâmica em um torno de oleiro, moldando uma peça de barro. Ele está em um ambiente de oficina, com uma mesa ao lado onde há outras peças de cerâmica, algumas em diferentes estágios de acabamento. Ele usa uma camisa azul e um avental preto, ambos manchados de barro. Embaixo da mesa, há uma pilha de pratos de cerâmica empilhados, indicando que ele provavelmente produz em série. O ambiente parece rústico e simples, com algumas ferramentas e materiais espalhados.
A indústria cerâmica cresceu, prosperou e dá emprego a muitos moradores | Foto: Flamínio Araripe

A preocupação da arqueóloga Niède Guidon com a sustentação econômica da população deslocada com a criação do Parque Nacional Serra da Capivara levou à criação de hotéis e pousadas, restaurantes, uma indústria cerâmica, lojas, grupos de apicultores profissionais, guias de turismo e as guariteiras, mulheres que controlam a entrada e saída do Parque.

Uma das ideias de Niède, a criação de uma cerâmica de médio porte, foi proposta a prefeitos e empresários da região, mas não foi aceita. Até que Girleide Oliveira topou a ideia com João Costa. A empresa foi instalada em terreno doado por Nivaldo Coelho de Oliveira e em 2024 comemora 20 anos de atividade. Emprega 40 pessoas e produz 12 mil a 16 mil peças por mês.

O gerente da indústria, Antônio Marcos de Oliveira, informa que 60% a 70% da produção “são vendidos para fora”, para empresas como a TokStok e Grupo Pão de Açúcar. Dez fornos de altas temperaturas queimam gás GLP durante 8 a 10 horas para deixarem prontas as peças, todas elas com um detalhe local único: a reprodução de uma figura das pinturas rupestres vistas no Parque. Há no catálogo cerca de 300 modelos de peças.

O barro é colhido na região e somente o pigmento que dá o aspecto esmaltado às peças vem de fora, São Paulo. A massa entra na máquina compactadora e sai pronta para colocar na forma de gesso.

Depois de adquirir consistência, cada peça seca ao sol. Ainda crua, vai para a mão do artesão, que tem à sua frente um catálogo com as pinturas rupestres que reproduz no barro maleável com espátula de inserção e estilo cerâmico. Em seguida, a obra recebe um banho de cera de carnaúba e, depois de seca, está apta ao processo de cozimento no forno. Uma loja na vizinhança da indústria – o terreno possui ainda restaurante e hospedagem – vende as peças com 20% de desconto.

Mulher na guarita

Renata Landim é uma das guariteiras do Parque Nacional da Serra da Capivara | Foto: Flamínio Araripe

A definição para a escolha de mulheres, com exclusividade, para cuidar das guaritas do Parque Nacional Serra da Capivara, é explicada por uma delas, Renata da Silva Campos Landim: “as mulheres são mais organizadas, fazem um monte de coisas ao mesmo tempo. Homem, se fala alguma coisa para ele, já desanda”.

Enquanto ela fala, passam por trás da cancela alguns jacus. As aves pretas com vermelho na cabeça atravessam a estrada de piçarra para beber água num tanque atrás da guarita. “Vou me aposentar aqui, se Deus quiser”, afirma Renata Landim. Já cumpriu 16 anos na função, num time de 20 guariteiras.

Mel de abelha

O modo escolhido por Niède Guidon para evitar a derrubada de árvores, não mais compatível com a existência do Parque, foi simples e criativo. A Fundação Museu do Homem (Fumdham) patrocinou um curso profissional de apicultura e deu 40 colmeias a cada aluno. Soube de uma aluna que hoje possui 400 colmeias em produção.

A ONG Fumdham foi criada em 1986 pela arqueóloga para gerir o Parque Nacional Serra da Capivara, fazer a conservação dos sítios arqueológicos, a pesquisa científica e a educação ambiental. O Piauí, depois do Rio Grande do Sul, é o maior exportador de mel no País. Mel orgânico, floradas da caatinga, sabor inigualável.

Leia as outras duas matérias desta série:

Bióloga inicia, no Piauí, a criação do Museu da Caatinga

Aranha mais venenosa do Brasil recebe o nome de Niède Guidon

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