Centro de Fortaleza: passado, presente, futuro

O Centro de toda cidade sempre é referência da história da construção daquele lugar. Em geral, enfrenta problemas de ocupação (sobretudo noturna), ordenamento, manutenção e qualificação dos espaços, assim como de segurança.

Em Fortaleza não é diferente. A Cidade começou a se desenvolver, do ponto de vista urbano, com a fundação do Forte de Schoonemborch, pelo holandês Matias Beck, em 1649. A partir de 1654, quando os portugueses o retomam, passou a chamar-se Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, dando origem à vila.

Não muito longe dali, onde hoje funciona a 10ª Região Militar, se encontram alguns dos seus importantes marcos históricos, como a Praça General Tibúrcio (Praça dos Leões) ladeada por um conjunto de edificações que constituiu o primeiro núcleo do poder constituído: Igreja do Rosário (1755); Palácio da Luz, hoje Academia Cearense de Letras (fim do século XVIII); e Assembleia Provincial, hoje Museu do Ceará (1856-1871).

Dinâmica urbana

No começo, não havia um centro, pois o Centro era a própria Cidade, que foi se expandindo, criando novos bairros, novas centralidades, novas dinâmicas. A partir da década de 1970, com a paulatina saída do poder público para outros bairros, teve início um processo de esvaziamento.

O centro em números

33 praças
28.588 imóveis
9.711 comerciais
16.135 residenciais
2.736 outros (históricos, igrejas, cemitério)
64.350 trabalham
350 mil pessoas circulam por dia
420 mil aos sábados
600 mil próximo a grandes datas
6.800 viagens de ônibus diárias da periferia

Esse movimento culminou com a implosão do Fórum Clóvis Beviláqua, que acompanhei como repórter, em 2000. A partir desse momento, os escritórios de advogados que ainda funcionavam naquela região migraram, como já tinham feito os consultórios médicos e odontológicos.

Antes mesmo, um dos grandes atrativos do Centro de outrora, os cinemas, já tinham mudado para os shoppings centers, assim como muitas lojas. Mas esse surgimento de novas centralidades com a migração de muitos serviços não foi o fim do significado comercial do Centro.

Depois de experimentar várias fases, mantendo a efervescência que caracteriza os grandes centros urbanos, o Centro de Fortaleza experimenta um novo e interessante movimento, nos últimos anos, impulsionado pela própria crise econômica que empurra os desempregados para o comércio informal.

Esse mesmo mercado ambulante, que cresce desordenadamente nos calçadões e praças do Centro de Fortaleza, alimenta e faz crescer a economia da região de uma forma extraordinária. Além do Mercado Central e do Centro Fashion, diversos outros polos comerciais populares proliferam pela região.

Glaucilene do Nascimento Celestino, 40

Trabalha como ambulante há 12 anos e não se aperta em tempos difíceis. “Quando aqui fica fraco, eu viajo. Quando o dinheiro não vem, eu vou até ele”, resume. No dia em que a encontramos, vendia um equipamento chinês para cortar verduras por R$ 10 a unidade. Usando microfone, demonstra uma grande desenvoltura nas vendas. “Vendo umas 40 peças por dia. No ano passado, eu vendi um equipamento que cortava cerâmica e vidro, depois vendi um que fabricava salgados. Agora em dezembro, eu parto para o comércio de livros, até fevereiro”, revela.

Novas possibilidades

FOTO: Eduardo Queiroz
E é exatamente neste momento que surge o Plano de Ação Novo Centro, alimentado por uma série de fatores. A Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e a Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF) se uniram com diversos atores que compõem a complexidade da nossa principal centralidade para pensar ações que poderiam ser adotadas, até 2019, para melhorar a circulação e dar mais segurança àquela região, entre outros fatores.

Habitação; Infraestrutura e Mobilidade; Turismo e Cultura; Políticas de Apoio às Pessoas em Situação de Rua; Ordenamento do Comércio Informal; e Segurança e Fiscalização formam os seis eixos de ação estabelecidos para serem trabalhados, a partir de agosto passado, ao longo de um ano. Algumas ações relacionadas fazem parte de projetos já em andamento e outros já concluídos.

Simbolicamente, as novas obras começaram pelo calçadão da Rua Guilherme Rocha, ligando as praças do Ferreira e José de Alencar. Das quatro quadras, as três primeiras devem ficar prontas até o lançamento do Natal de Luz, no dia 24 de novembro próximo.

Francisco Aragão Marques, 69

É o mais antigo dono de banca no Centro de Fortaleza. Trabalha na Praça do Ferreira há 41 anos. Nascido em Camocim, filho de ferroviário, veio para Fortaleza quando a estrada de ferro declinou e foi logo morar no Centro. Quando casou, chegou a morar no Conjunto José Walter, mas logo voltou, e, entre um endereço e outro, não abre mão da comodidade de precisar apenas de uma caminhada para ir trabalhar todos os dias em sua banca, onde revistas e jornais não representam mais o grosso das vendas, mas dá para ir levando a vida com otimismo.

Para não prejudicar ao período de vendas do Natal e da volta às aulas, as obras do outro calçadão, da Liberato Barroso, entre General Sampaio e Assunção, só serão iniciadas em fevereiro. A expectativa é grande para todos os lados daquelas ruas de movimento frenético.
FOTO: Maristela Crispim

O mais interessante é que, enquanto obras do calçadão da Guilherme Rocha seguem vigorosas, lojas e pontos outrora fechados são reformados e reabertos, animados pelos bons ventos que sopram na famosa “Esquina do Pecado”, local onde o vento canalizado pela construção dos prédios do Excelsior e do São Luiz antigamente costumava levantar as saias das normalistas que por ali passavam, causando furor entre os transeuntes e frequentadores.

Vitrines expostas

Assis Cavalcante, presidente da CDL, lembra que, no passado, as vitrines ficavam expostas, mesmo com as lojas fechadas, para que, ao saírem do cinema, a grande diversão da época, as pessoas as apreciassem. Ele recorda que muitos fizeram fortuna no Centro. Ele mesmo teve a carteira assinada como contínuo aos 14 anos e, antes dos 18, foi emancipado pelo pai para abrir a sua primeira loja. Hoje tem 24 estabelecimentos, sendo 12 no Centro.

“Na época da hiperinflação se ganhava dinheiro no overnight e muitos deixavam de vender para especular. Com o Plano Real, muitos comerciantes migraram para os shopping centers. Naquelas ruas depois da São Paulo praticamente tudo fechou. Com o fenômeno da José Avelino, aqueles pontos foram sendo ocupados por lojas de tecido e de aviamentos para confecções. E o dinheiro e a renda voltaram a circular”, resume o presidente da CDL.

Assis Cavalcante destaca a importância do Centro em termos de arrecadação. “Fortaleza arrecada 72% do ICMS do Estado. O Centro é responsável por 11%. Essa arrecadação é maior que a de qualquer cidade do Interior e o Centro não tem a estrutura de uma cidade”, ressalta.

FOTO: Maristela Crispim

Uma das principais questões a ser trabalhada no Centro neste novo movimento, para o presidente da CDL, é o incremento da vida noturna, por meio de equipamento e ações. “O Cine São Luiz tem melhorado muito a vida do Centro, mas é preciso ampliar”, enfatiza.

A questão da segurança é outro ponto ressaltado por Assis Cavalcante, principalmente em função dos furtos qualificados no descanso noturno com emprego de carro. “Eles dão a marcha ré, derrubam a porta e levam tudo”, resume.

Visão de futuro

Para o presidente da CDL, as pessoas têm que acreditar que aquelas ruas e praças vão muito além do comércio ambulante desordenado e das pessoas em situação de rua. “O público do Centro é aquela pessoa que vai para lá porque sabe que tem tudo. O outro é aquele que quer negociar diretamente com o dono da loja, e não importa a classe social”, reconhece.

É o caso do eletricista Paulo Sérgio Guilherme Pereira de Oliveira, 40, que procura o Centro especificamente por causa de variedade e preços que não encontra em outros locais da Cidade. “Tem coisa que eu só encontro aqui. Os preços são imbatíveis e eu ainda tenho como pesquisar nas lojas e barganhar”, relata.

“Eu aposto naquela área porque já é um polo comercial. Falta pouco a ser feito e ainda tem um viés muito forte que é o turístico, fica perto da Praia de Iracema, da Beira-Mar. Em todo lugar é no Centro onde estão a história, os costumes, tem um lado cultural muito forte”, finaliza.

FOTO: Eduardo Queiroz

Assis Cavalcante considera a Praça do Ferreira como o local mais importante da área. “É eclética e cheia de vida”, resume. Na outra ponta, cita a Praça José de Alencar como a área mais problemática. “Está muito desordenada, com grande concentração de desocupados e risco de arrastões”, afirma.

Adail Fontenele, titular da Secretaria Executiva do Centro (Serce), afirma que a sua primeira memória do Centro de Fortaleza diz muito sobre a sua movimentação: “Hoje, ele recebe cerca de 350 mil pessoas por dia. Eu me recordo que, com uns 12 anos, morava em minha cidade natal, Viçosa do Ceará, e vi uma foto da antiga Rua do Ouvidor, hoje Guilherme Rocha, e perguntei a meu pai se era dia de procissão. Porque, no Interior, eu só via muita gente na rua em dias de festejos religiosos”.

Hoje, envolvido diretamente com o Centro, precisamente com uma intervenção nessa dita rua, considera a obra símbolo de muitas intervenções necessárias para uma melhoria radical do Centro de Fortaleza.

Tarcísio Pereira Silva, 65

É engraxate na Praça José de Alencar há 35 anos. Para ele, a melhor fase do local foi quando abrigava o terminal de ônibus e anima-se ao ouvir que a Prefeitura programa o retorno dos transportes coletivos o local. Morador de Maranguape, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), ele nasceu em Iguatu, no Centro-Sul do Estado. Considera os tempos atuais bicudos, embora dê para ir levando, mas espera por dias melhores.

“Isso tem provocado a inciativa privada a melhorar os seus estabelecimentos. A própria Caixa Econômica está reformando a sua fachada, resgatando aquela beleza que queremos. Isso tem incentivado lojas antigas e tradicionais a reabrirem suas portas. Nesta mesma Guilherme Rocha, vamos garantir espaço aos ambulantes, organizar melhor a mobilidade das pessoas. Nos estenderemos, depois, à Liberato Barroso, da General Sampaio à Assunção. A melhoria da mobilidade tem repercussão direta no volume de vendas nas lojas”, acredita.

É essa a esperança da vendedora ambulante Maria de Fátima Braga, 64, que passou 16 anos perambulando pelas ruas com as mercadorias nos braços e há dois anos conseguiu se cadastrar na Prefeitura e trabalhar de forma fixa, no calçadão da Liberato Barroso.

Vocação para a moda

Segundo Adail, o primeiro grande desafio foi agir em relação à proliferação do comércio de confecções, com o ordenamento da feira da José Avelino. “Mas isso mostrou a vocação da Cidade para o mercado de confecções. Agora, Prefeitura está organizando o Polo de Moda do Centro, que vai da Jacarecanga à Praia de Iracema. Essa organização vai estimular muito mais. São mais de 10 mil pessoas negociando confecções naquela área”, conta.

Raimundo Oliveira Araújo, 83

Mais conhecido como Raimundo dos Queijos, mantém o comércio há 41 anos no Centro. Nascido em Chaval, no Litoral Oeste, separado do Estado do Piauí pelo Rio Timonha, ele chegou a trabalhar na extração da carnaúba. Em 1975, veio para Fortaleza, onde teve um frigorífico, na Praça José de Alencar, por dois anos. Mas a fama veio com o comércio de frios, daí o apelido. O local virou point aos sábados e domingos, com uma clientela que acabou animando comerciantes da área a abrirem as portas para aproveitar o movimento.

Para agir em relação a outro ponto delicado do Centro, que é a realidade das Pessoas em Situação de Rua (PSR), a proposta é dar moradia digna e capacitação para o retorno ao mercado produtivo, por meio do projeto Novos Caminhos. Segundo o secretário, a própria Prefeitura já absorveu 16 pessoas, em mercados públicos, e espera que o exemplo seja seguido pelos próprios comerciantes, principais incomodados, que podem dar oportunidade a essas pessoas. “Este é um problema gravíssimo, que não se resolve de uma hora para outra”, admite.

Eixos do Plano de Ação Novo Centro

I. Habitação
Viabilização de 500 a 900 unidades habitacionais, seja por aluguel ou compra – agosto de 2019

II. Infraestrutura e Mobilidade

  1. Implantação de 1.000 novas vagas de Zona Azul – concluída
  2. Construção de terminal aberto ao lado da Praça José de Alencar – julho de 2019
  3. Reforma da Praça José de Alencar – R$ 6,5 milhões – agosto de 2019
  4. Calçada Viva na Barão do Rio Branco – R$118 mil – junho de 2019
  5. Faixas exclusivas na João Moreira e Castro e Silva – R$ 140 mil – novembro de 2018
  6. Reforma e revitalização do Passeio Público – ainda sem data definida
  7. Faixas exclusivas na Avenida Duque de Caxias – R$ 280 mil – março de 2019
  8. Implantação de dez travessias elevadas
  9. Rua Guilherme Rocha (duas) – novembro de 2018
  10. Rua Liberato Barroso (quatro) – maio de 2019
  11. Rua Floriano Peixoto (duas) – junho de 2019
  12. Outras vias – até agosto de 2019
  13. Reforma dos calçadões e implantação de quiosques – R$ 4 milhões
  14. Guilherme Rocha – novembro de 2018
  15. Liberato Barroso – julho de 2019
  16. Teatro São José – R$ 6 milhões – concluído
  17. Estação das Artes – valor de referência da licitação R$ 84,5 milhões
  18. Praça do Cristo Redentor – R$ 1,3 milhão – dezembro de 2018
  19. Biblioteca Menezes Pimentel – R$ 11,3 milhões – dezembro de 2018
  20. Escola de Hotelaria e Gastronomia – R$ 28,7 milhões – abril de 2019

III. Turismo e Cultura

  1. Consolidação de uma Agenda Cultural Pública e Privada – agosto de 2018
  2. Ciclofaixa Cultural – iniciada

IV. Políticas de Apoio às Pessoas em Situação de Rua (novembro de 2018)

  1. Pousada Social (100 vagas)
  2. 42 unidades de Aluguel Social
  3. Consultório de Rua

V. Ordenamento do Comércio Informal

  1. Transformar o aplicativo “Guia do Camelô” em “Guia do Centro”
  2. Ordenar o comércio informal
  3. Guilherme Rocha -novembro de 2018
  4. Liberato Barroso – julho de 2019
  5. Barão do Rio Branco – junho de 2019

VI. Segurança e Fiscalização

  1. Instalação de 40 câmeras que se somarão às da SSPDS (11) e PMF (32), já existentes
  2. Aquisição de uma sala de monitoramento

 


“Decifra-me ou devoro-te”

Romeu Duarte Junior

O Centro de Fortaleza é alvo da atenção de técnicos, gestores, políticos e da comunidade fortalezense há mais de 40 anos, quando se iniciou o seu processo de declínio. Outrora um setor urbano multifuncional e celebrado como o coração da cidade, amarga uma condição que alia a franca decadência física e simbólica à monofuncionalidade comercial de baixa extração, mesmo esta garantindo para si uma posição destacada na economia de Fortaleza e do Ceará.

Em suma, o Centro hoje é da periferia, que o procura em razão dos preços baixos de suas lojas e parece não se preocupar com a degradação espacial de suas praças, a ocupação irregular de suas vias e calçadas pelo comércio informal, a ocupação dos seus espaços por pessoas em situação de rua, a onipresença do lixo e o abandono e a destruição do seu patrimônio construído.
Numa palavra: uma área citadina que é, ao mesmo tempo, rica e pobre, um oximoro urbano de difícil decifração e equacionamento. Mas houve um tempo em que o Centro era o centro de tudo. Aliás, era mesmo a própria cidade.

Atualmente, debilitado, sofre com a potente poli nucleação descontrolada da Capital e a falta de definição de outras vocações mais qualificadas para que se constitua no Centro de todos, referência pujante e histórica, lugar de pulsação constante e intensa, onde o novo e o antigo se encontram para a construção de um futuro consolidado, ao mesmo tempo velho e menino. Uma fortaleza desta Fortaleza de tantas outras fortalezas. Claro, o caldo de cana da Leão do Sul ainda é o tal.

 


“Na transversal do tempo”

José Borzacchiello da Silva

De repente me dei conta do frenesi do Centro de Fortaleza com tanta gente caminhando com rapidez em suas ruas estreitas. Nesse vai e vem o caminhar objetivo e direto não permite uma parada para respirar e se dar conta que estamos em lugar único dessa cidade sem memória.

O Centro de Fortaleza traz marcas de um passado quando ele era a própria cidade e suas ruas conforme seus usos anunciavam seus contrastes e contradições. Fortaleza de ricos e pobres de mais pobres que ricos, mudou pouco.

O Centro guarda vestígios do passado embora uma opacidade encubra belos monumentos que homenageiam personagens nem tanto admirados nesses dias digitais quando a maioria caminha com um telefone celular na mão apesar do medo dos assaltos.

A violência permeia a paisagem do presente e a miséria humana escancara suas entranhas nas praças mais conhecidas da cidade como a do Ferreira e suas imediações onde um contingente de sem teto armou o dormitório possível.

Nada parecido com os bons tempos de outrora, quando o glamoroso Centro era o lugar mais importante da urbanidade cearense, marcado pelas trocas simbólicas e de solidariedades.

De repente chegam os shoppings centers, os grandes supermercados e aliados ao automóvel alcançam lugares mais distantes e alteram de tal forma a cidade. O Centro se ressentia a cada fuga dos poderes constituídos e dos serviços especializados.

O “tempo não para” já dizia Cazuza. O Centro também não parou. Ajusta-se aos novos tempos e resiste. Um público fiel garante sua dinâmica e projeta dias alvissareiros para o futuro.

 

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