Para viabilizar a restauração do bioma, o texto prevê a participação de comunidades locais em atividades de restauração e a capacitação de trabalhadores
A Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, passa a ter uma estratégia eficaz de recuperação imediata e produtiva de sua vegetação nativa. É o que prevê o PL Nº 1990/2024, que institui a Política Nacional para a Recuperação da Vegetação da Caatinga, de autoria da senadora Janaína Farias (PT/CE), protocolado em 22 de maio de 2024, e elaborado com apoio técnico do Instituto Escolhas. Aprovado no dia 11 de dezembro de 2024 por unanimidade, em caráter terminativo, na Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, nos termos do relatório apresentado pela senadora Teresa Leitão (PT/PE), o projeto seguiu agora para a Câmara dos Deputados.
Para viabilizar a restauração do bioma, o texto prevê a instituição do Programa Nacional de Recuperação da Vegetação da Caatinga, a participação de comunidades locais em atividades de restauração e a capacitação de trabalhadores, entre outros incentivos.
O PL Nº 1990/2024 traça objetivos de ampliação da produção sustentável de alimentos, de forma a contribuir para a soberania e a segurança alimentar, estímulo à bioeconomia e o manejo florestal sustentável, além da busca por segurança hídrica e por melhoria da qualidade e disponibilidade da água.
“A decisão do Senado vem em boa hora. A Caatinga é um dos biomas mais vulneráveis do Brasil e um dos que mais sofre os efeitos negativos das mudanças climáticas. A Política Nacional cria condições para adaptar o bioma a essa dura realidade, busca garantir segurança hídrica e alimentar, emprego e renda para a população”, afirma Rafael Giovanelli, gerente de Pesquisa do Instituto Escolhas.
O bioma abrange quase 11% do território brasileiro, cobre áreas de todos os estados nordestinos e o norte de Minas Gerais, no Sudeste. De clima tropical semiárido, marcado por períodos de estiagem, a região é severamente ameaçada pela emergência climática. As secas têm se tornado cada vez mais frequentes e são um dos fatores de aceleração do processo de desertificação no bioma.
Estudo do Instituto Escolhas identificou uma área de 1 milhão de hectares desmatados na Caatinga que precisam ser urgentemente recuperados. Segundo o Instituto, a recuperação do bioma pode gerar mais de 29 bilhões de reais em receitas líquidas, além de produzir 7 milhões de toneladas de alimentos e capturar mais de 702 milhões de toneladas de carbono da atmosfera, de forma a mitigar os efeitos adversos das mudanças climáticas. Esses resultados seriam consequências positivas dos esforços de replantio das áreas desmatadas, o que depende da produção de mais de 1 bilhão de mudas e de mão de obra especializada. O cálculo apresentado é de que 465 mil empregos seriam gerados na empreitada de recuperação da vegetação nativa.
A aprovação do projeto pelo Senado ocorreu justamente no momento em que se realizava a 16ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (COP-16 da UNCCD), na Arábia Saudita. A restauração de áreas degradadas foi um dos principais temas abordados e o Brasil pode ser exemplo, mostrar esse importante passo para cuidar do bioma da Caatinga, o mais ameaçado pelo processo de desertificação em nosso País.
A expectativa agora é que a Câmara dos Deputados aprecie o PL Nº 1990/2024 o mais rapidamente possível. Depois disso, ainda tem a etapa de sanção presidencial e as regulamentações “É uma oportunidade para o Brasil avançar nas políticas de restauração das áreas desmatadas. A recuperação da vegetação da Caatinga combate a desertificação do bioma e contribui para os esforços globais de mitigação das mudanças climáticas. Com a aprovação do Projeto, o País pode chegar à COP-30, em Belém, com liderança pelo exemplo, ao apresentar medidas concretas para o cumprimento de seus compromissos internacionais, especialmente a recuperação de 12 milhões de hectares de áreas desmatadas”, afirma Giovanelli.
Biodiversidade e degradação
“Nós enxergamos essa política de recuperação da vegetação da Caatinga como algo necessário para direcionamento de esforços, de recursos e de políticas públicas para Caatinga. O bioma historicamente vem passando por um processo de degradação e desvalorização – inclusive a própria Constituição Federal não reconheceu a Caatinga e o Cerrado como patrimônios nacionais. Em que pese a Caatinga ser o único bioma exclusivamente brasileiro, qualquer legislação ou normativa que venha a valorizar e contribuir com a proteção e recuperação nós enxergamos com com bons olhos, ainda mais nesse cenário de avanço no desmatamento, afirma Daniel Fernandes, coordenador geral da Associação Caatinga.
Daniel enfatiza que trata-se de um ambiente rico em biodiversidade e cultura também e que tem 28 milhões de pessoas que residem e demandam recursos naturais diariamente. “Para que possamos manter o fluxo de oferta de serviços ecossistêmicos é necessário conservar as florestas de Caatinga e recuperar áreas degradadas. Quando eu falo em serviços ecossistêmicos, são serviços que são vitais para nossa sobrevivência e são vitais para nossa economia também. Como a captura e o estoque de carbono, a fertilidade do solo, a segurança hídrica e a própria manutenção da biodiversidade como um todo”, argumenta.
“A Caatinga é uma das regiões semiáridas mais biodiversas do mundo, inclusive com com um alto grau de endemismo com a ocorrência de espécies ameaçadas de extinção como o tatu-bola, a onça parda, o veado caatingueiro dentre outras espécies”, acrescenta.
Mas pondera que, como qualquer outra legislação, é necessário que se garanta a sua efetividade e que dialogue com outras iniciativas como o Código Florestal e a Política Nacional de Combate à Desertificação. “Por falar em desertificação, nós temos cerca de 13% do território da Caatinga já em estágio avançado de desertificação e isso traz prejuízos não só ambientais, mas sociais e econômicos para a nossa região”, adverte.
Daniel também alerta para o avanço do desmatamento: “hoje cerca de 47% da Caatinga já foram desmatados e 89% já foram em algum momento alterados em virtude da ação humana. Quando verificamos o relatório de desmatamento publicado em 2023 pelo MapBiomas, a Caatinga ficou entre os biomas mais desmatados e houve incremento de 2022 para 2023 de 43,4% no desmatamento. Isso é um dado alarmante. Infelizmente Ceará e Bahia foram os campeões”.
E acrescenta: “essa política pública também dialoga com agendas globais sustentabilidade, com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável; a Década de Recuperação dos Ecossistemas estabelecida pela ONU de 2021 a 2030 como uma década prioritária para recuperar áreas degradadas; o Marco Global da Diversidade Biológica”.
Faz ainda um destaque para a COP 30, quando o mundo todo vai concentrar suas atenções no Brasil, acompanhar o compromisso e a capacidade de articulação do nosso governo. “A Lei de Recuperação da Caatinga vem num momento propício para mostrar esse compromisso, não só do poder público, mas da iniciativa privada, das organizações da sociedade civil em proteger a Caatinga”.
“Cumpre a nós, enquanto sociedade civil, cobrar, fiscalizar para que essas políticas públicas sejam implementadas e que efetivamente recursos para conservação, para recuperação da Caatinga cheguem na ponta. O diferencial da Lei aqui é que há uma abordagem sobre a bioeconomia da Caatinga. Temos alguns exemplos que fortalecem não só o aspecto ambiental, social, mas econômico a partir da floresta em pé como, por exemplo, a cadeia produtiva da carnaúba que é uma atividade econômica que movimenta aproximadamente 100 milhões de dólares anualmente em exportações só aqui no Estado do Ceará”, assume.
Por fim, ressalta que, segundo pesquisa do Instituto Escolhas há uma possibilidade de geração de mais de 460 mil empregos diretos com a cadeia produtiva da restauração da Caatinga: “falamos de coletores, viveiristas, empresas produzindo mudas, comunidades participando do processo de plantio e de restauração e depois dos créditos de carbono, de biodiversidade, de água que podem ser negociados e gerar renda para os atores da cadeia produtiva da restauração da Caatinga. Portanto, há um potencial econômico enorme e obviamente o ganho maior de proteção da biodiversidade, de recuperação dos ecossistemas e de promover a segurança hídrica para as presentes e futuras gerações”.