Peixe-leão, espécie invasora, oferece risco ao ecossistema marinho do Nordeste

Imagem esverdeada do fundo do mar com vegetação subaquática à esquerda e um exótico peixe todo listrado, cheio de pontas, no centro

Há cerca de um mês foram feitos os primeiros registros da espécie, até agora avistada no Ceará e no Piauí | Foto: Tommaso Giarrizzo – Labomar / UFC

Por Alice Sales
Colaboradora

Fortaleza – CE. A presença do peixe-leão (Pterois), espécie invasora que vem sendo encontrada em pontos do litoral do Nordeste, é motivo de preocupação. Isso porque a espécie exótica, de origem indo-pacífica, pode oferecer grandes riscos ao ecossistema marinho da região, além de possuir peçonha que oferece perigo aos seres humanos, em caso de interação. 

A invasão da espécie ameaça a vida marinha nativa já que apresenta uma expressiva capacidade reprodutiva que favorece o aumento da sua população.  O peixe é um predador voraz de outros organismos. Isso pode provocar um desequilíbrio da cadeia alimentar, gerando impactos nos estoques de peixes alvo da pesca local. Além disso, a espécie é capaz de se adaptar em diferentes condições ambientais e em águas de temperaturas altas e baixas, com diferentes condições de salinidade podendo ser encontrada até em manguezais.

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“Ainda não sabemos quais são as espécies de peixes e invertebrados predados por este invasor no Nordeste do Brasil, mas o que podemos afirmar é que os ambientes onde foi capturado o peixe-leão no Ceará e no Piauí são áreas muito rasas entre 1 e 9 m de profundidade, que geralmente são utilizadas como locais de alimentação e crescimento de muitos peixes e invertebrados até de importância alimentar e comercial”, destaca o professor doutor Tommaso Giarizzo, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da  Universidade Federal do Ceará (UFC)

De acordo com o pesquisador, baseando-se em estudos realizados no Caribe, entre as espécies de peixes consumidas pelo invasor estão garoupas e lutjanídeos como a cioba e o ariacó, ou seja, peixes de grande importância alimentar e comercial. Outro fator preocupante é que os peixes nativos não reconhecem o peixe-leão como presa ou predador, portanto as suas populações crescem em forma assustadora.

A espécie já foi registrada no arquipélago de Fernando de Noronha, em 2020, e atualmente pode ser encontrada desde Luís Corrêa, no Piauí, até Itarema, no Litoral Cearense, incluindo o Parque Nacional de Jericoacoara e a Área de Proteção Ambiental do Delta do Parnaíba. Os primeiros registros oficiais do peixe-leão no Ceará foram em meados de março, a partir de relatos de pescadores. 

“Em apenas um dia de amostragem conseguimos capturar sete exemplares da espécie  e depois de ter divulgado este achado na imprensa e nas redes sociais estamos recebendo relatos diários de ocorrência. Até agora, em pouco mais de um mês, temos mais de 40 registros de ocorrência. Neste sentido, podemos dizer que a espécie é presente nas águas do Nordeste do Brasil”, revela o professor.

Tommaso explica que o processo de invasão do peixe-leão pode ocorrer por meio da dispersão dos ovos/larvas e do movimento dos indivíduos adultos e/ou juvenis. A invasão no Brasil supostamente ocorreu pelo movimento de indivíduos adultos de um recife para o outro de forma escalonada e pela influência do fluxo das correntes. O grande sucesso da invasão é favorecido pelas características reprodutivas da espécie:  as fêmeas se tornam aptas à reprodução com aproximadamente um ano de idade e liberam cerca de 25 mil ovos por evento de desova. A reprodução aparentemente ocorre o ano todo com evento de desova a cada 2-3 dias.

Imagem cinzenta de uma embarcação afundada e um exótico peixe todo listrado, cheio de pontas, do lado esquerdo

A principal ameaça é o desequilíbrio da cadeia alimentar e a consequente redução de estoques pesqueiros | Foto: Tommaso Giarrizzo – Labomar/UFC

Riscos ao ser humano

A presença do peixe-leão tem assustado turistas e banhistas do litoral nordestino por causa dos relatos de incidentes relacionados à peçonha do animal. Mas é importante informar que, assim como outros peixes peçonhentos nativos do Brasil, a espécie tem preferência para ambientes recifais ou fundos rochosos e a probabilidade de encontrar este peixe em ambientes de praia é muito baixa. 

“Mesmo assim, acho fundamental monitorar estes locais. O acidente que ocorreu em Bitupitá, no município de Camocim, foi durante uma despesca de curral (armadilha de pesca) e isso é bem diferente da situação de um banhista que usa apenas a praia para fins de lazer”, destaca o pesquisador, a respeito de um caso recente de incidente com o peixe, no litoral cearense. 

Além de todo risco que oferece à natureza, o peixe-leão é portador de toxinas neuromusculares de efeito sistêmico nos espinhos das nadadeiras. Os espinhos desse peixe têm diversas finalidades, como defesa, intimidação e ancoragem em fendas. Além disso, a espécie faz parte de uma família de peixes – Scorpaenidae –  que são considerados os peixes marinhos mais venenosos do mundo. 

“É importante sempre esclarecer que o peixe-leão não ataca e não morde como foi já informado em muitas reportagens na TV.  Temos que falar de acidentes uma vez que a inoculação do veneno pode ocorrer apenas por pisar no peixe em águas rasas e pela manipulação incorreta deste animal.  Um dos poucos trabalhos publicados que avaliou os acidentes com peixe-leão, na Martinica, informa que as vítimas são tipicamente envenenadas quando intencionalmente manuseiam ou pisam acidentalmente no peixe-leão com a maioria das picadas ocorrendo nas mãos e nos pés”, explica Tommaso. 

Contenção do invasor

De acordo com o pesquisador, a principal ação para combater a invasão do peixe-leão é a sua captura e retirada. Mas isso é de fácil execução em ambientes de águas claras como em Fernando de Noronha e no Caribe. No Ceará e Piauí, este procedimento se torna  desafiador, já que a água nem sempre apresenta boas condições para realizar operações de mergulho, seja pelas chuvas concentradas no primeiro semestre do ano ou seja pelos fortes ventos que prejudicam a navegação no segundo semestre.

“Embora os esforços, especialmente nos EUA e Caribe, onde a invasão ocorreu há mais de 30 anos, tenham mostrado que a erradicação total do peixe-leão seja improvável, realizar ações para manter os números da população baixos pode nos ajudar a ganhar tempo precioso para as espécies nativas se adaptarem à presença do peixe invasor e, finalmente, evitar excessivos danos ambientais e econômicos”.

Aplicativo de Monitoramento

Um aplicativo criado por pesquisadores do Labomar/UFC e lançado nesta segunda-feira, será uma ferramenta aliada ao monitoramento da espécie invasora. A tecnologia conta com a participação dos pescadores, que é considerada fundamental para ajudar nas pesquisas sobre a espécie. Os pescadores, pela vivência diária no mar, podem observar ou capturar o peixe-leão e ajudar a registrar ocorrências em novas localidades e ambientes.

O aplicativo poderá ser usado facilmente nos celulares onde será possível receber em tempo real os novos registros de ocorrência, capturas e/ou acidentes do peixe- leão. Estas informações serão divulgadas em um dashboard on-line onde qualquer pessoa poderá consultar a base de dados e as posições exatas de ocorrência. Este mapeamento é fundamental para direcionar ações específicas de Educação Ambiental e controle desta espécie invasora

Histórico de invasão

O nome popular  “peixe-leão” refere-se a duas espécies intimamente relacionadas e quase indistinguíveis que são originárias do Indo-Pacífico mas que invadiram pela primeira vez as costas da Flórida em meados da década de 1980, como resultado provavelmente de solturas de aquários. Rapidamente suas populações aumentaram dramaticamente nos últimos 30 anos. Após os primeiros registros na Flórida, o peixe-leão invadiu a costa leste americana e diferentes ambientes marinhos do Golfo do México e de todos os países banhados pelo Mar do Caribe, até o litoral da Venezuela. 

No Brasil, o primeiro registro de ocorrência da espécie  foi a captura de dois indivíduos em Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, em 2014 e novamente em 2016. Por não ter registrado novas ocorrências nesta localidade, presume-se que a causa desta ocorrência foi a liberação secundária de aquários. No entanto, desde 2020, espécimes de peixe-leão foram registrados em recifes profundos (30-100 m) na Costa Amazônica e no Arquipélago de Fernando de Noronha. Nestas localidades, foram capturados dezenas de peixes-leão e, portanto, já se considera esta invasão preocupante uma vez que comprova que a população é estabelecida no Atlântico Sudoeste Tropical.

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