O turismo e seus impactos na biodiversidade costeira do Nordeste

Vista aérea do mar verde, faixa de praia, coqueirais e pequenas construções

Caetanos de Cima é uma pequena vila de pescadores, no município de Amontada, no litoral oeste do Ceará que oferece o turismo comunitário como opção para visitantes | Foto: Rede Tucum

Por Adriana Pimentel
Colaboradora

São muitos os casos em que o turismo desordenado leva prejuízos aos moradores da área visitada. Essa falta de ordenamento, somada à especulação imobiliária e à ocupação irregular acumuladas ao longo dos anos, podem ocasionar tragédias como a que ocorreu na primeira semana deste 2022 em cânions do Lago de Furnas, município de Capitólio, em Minas Gerais, onde parte de uma rocha soltou e atingiu embarcações que navegavam no local. Dez pessoas morreram e 27 ficaram feridas. É importante lembrar que em novembro de 2020 o desabamento de uma falésia matou uma família na Praia de Pipa, em Tibau do Sul, no Rio Grande do Norte.

Essas ocorrências dão ênfase à necessidade de entendermos melhor as dinâmicas naturais, respeitarmos seus limites e fazermos escolhas mais conscientes e seguras. Na ânsia de lucrar com atrativos naturais, muitas vezes limites são cruzados, o que pode por em risco a integridade de ecossistemas, de populações locais e dos próprios visitantes.

Nos últimos dias de 2021, por exemplo, uma festa irregular nas piscinas naturais da Praia de Marceneiro, município de Passo de Camaragibe, no litoral norte de Alagoas, Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais  pode ter causado impactos irreversíveis ao ecossistema marinho, já que muitas espécies usam esses locais para descanso, interação e reprodução.

Segundo Miguel Mies, coordenador de pesquisas do Projeto Coral Vivo, entre os problemas associados com o turismo predatório em ambiente recifal, estão a poluição, com resíduos sólidos que podem parar no trato digestório de corais e vazamento ou despejo de combustível, óleo, metais pesados e outros poluentes por embarcações; pisoteamento por turistas que podem gerar danos e morte; ancoragem de barcos sobre os recifes, de maneira a quebrar e destruir corais; interferências na cadeia alimentar, já que as pessoas frequentemente alimentam os peixes.

O turismo sem gerenciamento pode causar severos danos às populações de corais e outros organismos recifais. Em alguns casos, pode dizimar o recife inteiramente. É importante reforçar que o turismo em regiões recifais é uma coisa boa ao gerar desenvolvimento socioeconômico na região. “No entanto, se for devidamente gerenciado, fiscalizado e sustentável ambientalmente”, ressalta Mies.

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Felizmente há, no Nordeste, iniciativas turísticas que oferecem um outro tipo de relação com o meio ambiente e as comunidades locais, não baseada no olhar dominante e explorador que enxerga a natureza apenas como fonte inesgotável de recursos a nosso serviço.

Formação para o mergulho

Corais laranjas e beges no fundo do mar com peixe laranja no primeiro plano e mergulhador ao fundo da imagem

Para incentivar o uso responsável nos ambientes recifais, o Projeto Coral Vivo prepara uma formação para condutores de mergulho em Unidades de Conservação | Foto: Projeto Coral Vivo

O Projeto Coral Vivo, por exemplo, com o objetivo de incentivar o uso responsável nos ambientes recifais, prepara uma formação para condutores de mergulho em Unidades de Conservação, tendo como foco temático norteador a Década dos Oceanos para o Desenvolvimento Sustentável. “Essa formação objetiva alcançar uma transformação nas práticas cotidianas de profissionais do mergulho, com a busca de resultados positivos para o uso sustentável dos ambientes recifais brasileiros”, explica Fábio Negrão, coordenador de Sensibilização do Projeto Coral Vivo.

Mies destaca três frentes importantes neste processo: pesquisa científica e sensibilização desenvolvidas conjuntamente servem na identificação dos impactos enfrentados pelos corais, e também para orientar políticos, gestores ambientais e outros tomadores de decisão sobre o que fazer para preservar ambientes recifais. A Educação Ambiental forma jovens que se tornam defensores dos ambientes marinhos. E, por meio da Comunicação, são informados todos os diferentes setores da população sobre as atividades para divulgar as ameaças e boas práticas.

O Coral Vivo faz parte da Rede de Conservação da Biodiversidade Marinha (Rede Biomar), uma parceria de projetos com atuação marinha patrocinados pela Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental, com o objetivo de juntar esforços em prol da conservação marinha no Brasil. Atualmente fazem parte da Rede Biomar os Projetos: Albatroz, Baleia Jubarte, Coral Vivo, Golfinho Rotador, Meros do Brasil e Tamar.

Golfinhos de Noronha

Mar azul com um grupo de golfinhos-rotadores nadando na superfície da água para respirar

O desenvolvimento de pesquisas, a Educação Ambiental e a Comunicação têm sido as principais formas de atuação do Projeto Golfinho Rotador para a proteção da espécie em Fernando de Noronha | Foto: Projeto Golfinho Rotador

No Arquipélago de Fernando de Noronha, localizado no litoral de Pernambuco, o conhecimento científico tem sido uma das principais ferramentas para a sensibilização dos usuários, tanto moradores quanto turistas, para serem protetores da biodiversidade. Assim, podem colaborar para a adequação das políticas públicas para a conservação e desenvolver ações conjuntas entre instituições, setor privado, público e organizações sociais. Neste contexto, desde sua origem, em 1990, o Projeto Golfinho Rotador participa intensamente de conselhos, grupos de trabalho e outros fóruns locais, nacionais e internacionais voltados para a conservação da biodiversidade marinha, com os golfinhos-rotadores como foco e espécie motivadora das abordagens.

Mas, ainda é preciso avançar na criação de alternativas e minimizar os impactos negativos do turismo náutico, por exemplo, para os golfinhos-rotadores em Fernando de Noronha. A rotina da espécie durante o dia é de descanso, reprodução, cuidados de filhotes e principalmente a interação social em áreas onde a visitação é intensa, como a Baía dos Golfinhos, Baía de Santo Antônio e Ilhas secundárias.

Segundo Flávio Lima, biólogo, professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e coordenador institucional do Projeto Golfinho Rotador, “é durante essa fase que ocorrem os passeios de barco para observar os golfinhos. A passagem de embarcações de diferentes tipos pelas áreas de concentração durante essa fase do dia interfere nos comportamentos naturais, podem causar divisão de grupo, redução do tempo de descanso e afugentamento dos animais das áreas. Ao longo dos anos tem sido constatada a alteração do tempo de permanência dos golfinhos nas áreas de concentração em Noronha, assim como a alteração dessas áreas. Eles estão passando menos tempo concentrados na Baía dos Golfinhos e usando novas áreas de concentração”.

Trabalhar na proteção dos golfinhos rotadores quando eles são um dos principais atrativos turísticos de Noronha não é tarefa fácil, mas o Projeto Golfinho Rotador, como integrante da Rede Biomar, tem como base a conciliação entre o desenvolvimento sustentável, a conservação da natureza e da cultura e o bem-estar social.

“Seguindo esta perspectiva, trabalhamos a proteção dos golfinhos-rotadores por meio da ampliação do conhecimento científico sobre a ecologia e comportamento da espécie, assim como sobre os impactos causados pelas atividades de turismo. Estas informações são para a proposição de políticas públicas de controle do fluxo de turistas em Fernando de Noronha, adoção de normas de conduta para as abordagens das embarcações e sensibilização dos moradores e visitantes quanto à importância dos golfinhos para a sustentabilidade local”, ressalta Lima.

Comunidades costeiras do Ceará

Rio com vegetação rala na margem e embarcação com pessoas com máscaras e coletes salva-vidas

O turismo comunitário tem sido incentivado há décadas, no litoral do Ceará, pelo Instituto Terramar como forma de manter uma relação mais saudável entre visitantes, natureza e comunidades locais | foto: Instituto Terramar

“Eu só queria que você fosse um dia ver as praias bonitas do meu Ceará. Tenho certeza que você gostaria dos mares bravios das praias de lá”. A Música de Carlos Barroso, conhecida na voz do cantor Raimundo Fagner, destaca as belezas do litoral cearense e é justamente sobre elas e as comunidades tradicionais costeiras que está estruturado, há quase três décadas, o trabalho do Instituto Terramar, uma Organização Não Governamental, sem fins lucrativos, de caráter socioambientalista. Justiça Ambiental na Zona Costeira do Ceará é o foco do trabalho para a garantia de direitos coletivos e individuais, em especial os direitos ao meio ambiente, ao território, à diversidade cultural, ao trabalho e ao exercício político.

Os desafios são muitos, principalmente em relação à voz e representatividade das comunidades que em muitos casos não são ouvidas e nem consultadas sobre implementação de empreendimentos que geram problemas ambientais, sociais e, principalmente, que não respeitam os conhecimentos ancestrais dos moradores e nem seus direitos e necessidades.

“Essas questões estão associadas a um outro desafio estrutural que é a alta demanda dos setores produtivos da carcinicultura, do turismo, da indústria portuária, de energia, por terra para exploração econômica externa aos modos de vida tradicionais e portadoras de altos riscos socioambientais”, conta Cristiane Faustino, coordenadora de Processos Internos do Terramar.

Mesmo diante do cenário desafiador da luta por direitos, Faustino destaca conquistas importantes como a constância da organização comunitária em defesa dos ecossistemas e da biodiversidade e dos modos de vida; a conquista de duas reservas extrativistas (Batoque e Canto Verde); o fortalecimento da capacidade política e organizativa das comunidades que mantêm os territórios, apesar dos conflitos e das perdas de direitos.

E ainda o fortalecimento da pauta ambiental articulada aos direitos humanos; o empoderamento das mulheres e das juventudes e, mais recentemente, a visibilidade da população LGBTQIA+ nos territórios; o Turismo Comunitário que hoje está consolidado em muitas comunidades, o desenvolvimento de tecnologias sociais; o autorreconhecimento da importância das comunidades locais para conservação ambiental e manutenção da diversidade sociocultural.

Turismo comunitário

O cheiro do café passado na hora, o vento que balança as roupas no varal, a horta que oferece verduras fresquinhas, livres de agrotóxicos, para a próxima refeição. É assim, com todos os sentidos provocados pelas cores e formas da vida cotidiana dos moradores, a base do Turismo Comunitário (TC). Receber os visitantes em casa, mostrar as riquezas e tradições do lugarejo é uma forma de resistir e gerar renda para as comunidades. Além de trabalhar as questões ambientais de forma consciente, sem degradar e ainda fortalecer o trabalho coletivo.

“O Turismo Comunitário inclui homens, mulheres e jovens e incentiva investimentos coletivos para melhoramento das atividades produtivas, das habitações e da organização. O TC é também um vetor de trocas socioculturais importantes para a transformação das consciências e é um espaço de acolhimento para pessoas que estão comprometidas com a conservação ambiental e os direitos dos povos. É, de certa forma, um meio de fortalecer e contribuir com os esforços comunitários para a defesa do território e dos ecossistemas marinho-costeiros”, afirma Faustino.

A Rede Cearense de Turismo Comunitário (Rede Tucum), que nasceu pela atuação do Instituto Terramar, é uma articulação formada, a partir de 2008, por grupos de comunidades da zona costeira que realizam o turismo comunitário no Ceará por meio da formação de uma consciência crítica, autônoma e cidadã em defesa do território, do meio ambiente e da vida.

Beatriz Goes, coordenadora da Rede Tucum, destaca que as principais linhas de atuação do turismo responsável são o meio ambiente, a educação popular, comunicação, geração de trabalho e renda. Algumas dessas comunidades já têm experiência com o turismo comunitário e sustentável há mais de 15 anos. Também existe um intercâmbio entre as comunidades e suas culturas, principalmente nos eventos e nas assembleias anuais da Rede Tucum, que costumam ser realizadas em uma comunidade diferente a cada ano, com trilhas, rodas de conversas e noite cultural.

Luciana dos Santos, pescadora, integrante do Conselho Fiscal da Associação Quilombola do Cumbe, que atua no turismo comunitário, diz que o fortalecimento das tradições é um dos principais pontos do TC: “as pessoas ficam hospedadas nas nossas casas, levamos para o rio, mostramos como se pesca; visitamos as dunas, lagoas, manguezais; falamos sobre consciência ambiental e do trabalho em defesa do nosso território. Aqui no Cumbe oferecemos aos turistas a atividade ‘Comer no mato’ como fazíamos na nossa infância com nossos pais aos domingos, onde pescamos, preparamos e comemos lá mesmo na beira do rio, peixes e sururu, ou seja, é um turismo de vivência”.

Antes de se aventurar no turismo comunitário é importante atenção na escolha do serviço, ver as avaliações, pegar referências para evitar riscos e não fortalecer iniciativas que usam a sustentabilidade como Marketing, mas que, na realidade, não respeitam ecossistemas e comunidades locais.

Anote as dicas de Faustino: “os territórios do turismo comunitário da zona costeira são tradicionais e abrem um mundo totalmente novo. O turismo de massa e convencional é um dos principais fatores de marginalização, empobrecimento, desterritorialização e dependência monetária das comunidades que antes tinham uma vida de tranquilidade, fartura e livre acesso aos territórios. Procure conhecer a realidade ambiental e social dos lugares que deseja conhecer; aproveite para desfrutar do acolhimento maravilhoso das comunidades que sempre dão o melhor de si para gerar serviços de qualidade, alimentação saudável, caminhos de beleza, mistérios e ancestralidades”.

Serviço

Projeto Coral Vivo
Projeto Golfinho Rotador
Rede Tucum
Instituto Terramar
Comunidade Quilombola do Cumbe

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