Lajedos são ‘ilhas’ de diversidade nos sertões

Pesquisas revelam variedade de espécies e inscrições que contam muito da história desses ricos ambientes que ignoram a seca ao redor

A imagem mostra uma paisagem natural impressionante com uma formação rochosa de grande porte ao fundo. A rocha possui um padrão único de sulcos e fendas verticais, com vegetação esparsa e verde crescendo entre as fendas, o que cria um contraste interessante com o tom acinzentado das pedras. Em primeiro plano, há um homem vestido com roupas apropriadas para trilha — uma camisa azul de manga comprida e um chapéu de proteção com abas largas para o sol. Ele está segurando um celular, aparentemente tirando uma foto ou filmando a paisagem à sua frente. Ao redor, há vegetação típica de ambientes semiáridos, com plantas secas, arbustos e um caule alto e escuro à direita da imagem, que pode ser de uma planta adaptada a ambientes secos. O céu está parcialmente nublado, com partes azuis visíveis entre as nuvens, o que sugere um clima ameno
A Pedra da Boca é um dos grandes atrativos naturais de Araruna, no sertão paraibano | Foto: Bartolomeu Souza

Pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), têm realizado diversas pesquisas em áreas de afloramentos rochosos, conhecidos popularmente como lajedos, nas regiões do Cariri e Agreste paraibano.

O professor Bartolomeu Israel de Souza, do Departamento de Geociências da UFPB, destaca que algumas dessas investigações têm revelado a presença de elevada quantidade de plantas que conseguem manter as folhas ao longo de todo o ano.

“Predominam espécies de porte arbóreo e alta diversidade, em contraste a paisagens na qual normalmente são encontrados indivíduos que perdem as folhas na longa estação seca da região (que dura cerca de 8 meses), apresentam porte arbustivo ou mesmo ausência de cobertura vegetal e pouca diversidade”, informa.

Essas características, segundo ele, são encontradas especialmente no entorno de alguns afloramentos rochosos, como é o caso dos que existem na Área de Preservação Ambiental (APA) do Cariri, uma das mais importantes Unidades de Conservação que existem em todo o bioma Caatinga, Serra da Engabelada (município do Congo) e Parque Estadual Pedra da Boca (município de Araruna).

Em um dos últimos levantamentos efetuados pela equipe, em 2024, no lajedo da Salambaia / Cabaceiras, foram identificadas 134 espécies de plantas, algumas delas de elevado requerimento hídrico para sobrevivência.

O pesquisador explica que isso é possível nesse e em outros afloramentos rochosos, devido ao forte escoamento das águas da chuva durante o período chuvoso, conhecido como “inverno” da região (concentrado normalmente de fevereiro à maio) em direção às suas bordas, que cria essas “ilhas de vegetação”, nas quais há maior umidade, solos mais profundos e férteis e um microclima mais ameno, em comparação ao restante das áreas mais distantes dessas estruturas.

Bartolomeu acrescenta que, além disso, esse aporte hídrico exerce papel decisivo para as bacias hidrográficas, em especial, para o Alto Curso do Rio Paraíba, o que contribui para a alimentação de rios e açudes da região. Ele completa que esses dados, entre outros, estão sendo analisados para posterior publicação em periódicos científicos internacionais.

Passado revelado

Uma observação importante dos pesquisadores que têm se debruçado sobre essas áreas do sertão paraibano é que, além da rica biodiversidade, essas áreas apresentam inúmeras inscrições rupestres de povos indígenas que habitaram a Caatinga no passado, antes da chegada do colonizador europeu, e também de registros fósseis, tanto de plantas quanto de animais que habitaram essas terras, inclusive antes do estabelecimento do clima Semiárido, portanto, apresentam também alta importância arqueológica e paleontológica.

“Esse rico patrimônio, se bem protegido e gerido, é também uma fonte de geração de emprego e renda permanente para a população da Caatinga, por meio do ecoturismo, o que ainda é realizado de forma muito pontual em algumas áreas desse bioma”, ressalta.

Ele reconhece que a Pedra do Capacete, localizada no Lajedo do Pai Mateus, no município de Cabaceiras, e os afloramentos da Pedra da Boca, em Araruna, já são mundialmente conhecidos, com impacto direto na economia desses municípios.

“Isso mostra um pouco dos resultados positivos obtidos por meio da exploração racional dessas áreas. Entretanto, parafraseando o poeta Carlos Drumond de Andrade, para além dessas pedras no meio do caminho, existem muitas outras à espera de reconhecimento e exploração sustentável nesse bioma”, declara.

‘Ilhas’ a serem preservadas

Foto de um cenário natural em uma área de vegetação típica de clima semiárido, possivelmente na caatinga. No primeiro plano, há uma poça de água formada sobre uma superfície rochosa, que reflete o céu azul e algumas nuvens brancas, criando um efeito espelhado bonito. O terreno é predominantemente rochoso, com pedras de diferentes tamanhos e formatos espalhadas pelo local. Ao redor da poça, crescem diversas plantas adaptadas ao clima seco, como cactos altos e finos, além de bromélias e pequenos arbustos verdes. A vegetação densa e verde ao fundo, composta por árvores e arbustos, sugere um ambiente de transição entre áreas secas e mais úmidas. Uma pessoa, vestida com roupas claras e um chapéu, está posicionada mais ao fundo, agachada sobre uma rocha, aparentemente observando ou explorando o local
Lajedo na APA do Cariri, em Cabaceiras, na Paraíba, um dos municípios menos chuvosos do Brasil | Foto: Bartolomeu Souza

O professor frisa que a preservação dessas áreas também é fundamental ao se considerar no quadro atual de degradação na Caatinga e da tendência de piora dessa situação com as taxas de desmatamento atuais para produção agropecuária, e as projeções climáticas futuras para o bioma, com previsão de escala na escassez de chuvas.

“Diante desse quadro, é de extrema importância termos remanescentes florestais que possam resguardar espécies de grande importância para a sobrevivência de animais e pessoas que habitam esse bioma, sejam capazes de recolonizar as áreas degradadas e sirvam de refúgios para diversas espécies da fauna nativa”, sentencia.

Dentre as principais ameaças a esses ambientes, o pesquisador destaca as ligadas ao desmatamento, para usos múltiplos da madeira e extração de granito, particularmente para a produção de paralelepípedos: “a destruição desse rico e insubstituível patrimônio é favorecida pelo fato de muitos lajedos não terem declividade acima de 45º, portanto, não se enquadrarem, dentro das leis ambientais, como Áreas de Preservação Permanente (APPs). Portanto, urge uma atenção especial a essas ‘ilhas de umidade’ também do ponto de vista jurídico, com a inclusão, de alguma forma, como zonas ambientalmente protegidas, dada a sua importância para a biodiversidade, recursos hídricos e história da evolução das paisagens da Caatinga”, finaliza.

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