Abelhas são essenciais para a manutenção da vida no Planeta

Ivete Sangalo apresentou suas colmeias no Fantástico e chamou a atenção para a criação de espécies com ferrão atrofiado em casa. Mas a atividade já era comum entre povos indígenas das Américas e pode ser oportunidade para agricultores.

A jandaíra (Melipona subnitida) é uma das cerca de 400 espécies nativas brasileiras sem ferrão já catalogadas, mas fortemente ameaçadas de extinção, principalmente pelo desmatamento e uso de agrotóxicos | Foto: Eduardo Queiroz

Por Rose Serafim
Colaboradora

Pentecoste (CE) / Buriti dos Montes (PI). No município de Pentecoste, na região Norte do estado do Ceará, Brena de Araújo Camilo se juntou ao pai e à irmã caçula em um negócio com abelhas jandaíra (Melipona subnitida). A família reuniu 20 caixas de abelha e produz o mel a ser comercializado pela Rede Néctar do Sertão, formada por jovens meliponicultores da região orientados pela Agência de Desenvolvimento Econômico Local (Adel).

Em Jatobá Medonho, distrito do município piauiense Buriti dos Montes, Francisco Gilmar Rodrigues zela por uma pequena criação da jandaíras desde 2014, após passar por uma formação oferecida pela Oscip Associação Caatinga, com sede no Ceará, e entender as possibilidades de criação da abelha e os benefícios da manutenção da espécie nativa.

Numa casa de praia no litoral norte da Bahia, a cantora Ivete Sangalo e o marido, Daniel Cady, cuidam de 50 colmeias da uruçu, segundo informações de matéria divulgada no Fantástico. Cady ganhou uma caixa com as abelhas e decidiu aprender a cuidar delas para aumentar o cultivo.

O ponto em comum dessas histórias é a adoção de uma atividade já bem conhecida dos povos originários das Américas: a criação de abelhas com ferrão atrofiado. Além de produzirem mel de qualidade e até com usos medicinais, essas espécies são consideradas mansas e podem ser cultivadas até mesmo em casa. Pode ser incentivo a esse investimento de tempo e recursos na criação de abelhas indígenas o fato de elas promoverem também a preservação ambiental, já que são polinizadoras naturais e dependem de espécies de árvores nativas para a criação de ninhos.

“É interessante falar que são abelhas nativas porque as abelhas da apicultura, as apis (Apis mellifera), embora consideradas domésticas, foram introduzidas. Vieram primeiro da Europa e depois outras subespécies foram trazidas da África. Hoje, há uma mistura grande dessas abelhas e elas são chamadas de africanizadas. Essas foram introduzidas, mas as abelhas sem ferrão são nativas”, explica o biólogo Ulysses Madureira Maia, mestre em Ciência Animal pela Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa) e doutorando em Zoologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA).

Além de serem fáceis de manejar, possibilitando a criação tanto em ambientes rurais quanto urbanos, as abelhas sem ferrão têm pouca produção anual de mel, considera o biólogo. Assim, o produto passa a ter valor elevado para comercialização e pode ser uma fonte de renda sustentável, principalmente para agricultores, argumenta Maia.

Geradoras de vida

Colônia de abelhas sem ferrão uruçu (Melipona scutellaris) criadas no meliponário da UFBA

Decidimos fazer esta matéria porque hoje é celebrado o Dia Mundial das Abelhas, estabelecido pela ONU, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas em dezembro de 2017. A data escolhida foi uma homenagem ao esloveno Anton Janša, nascido em 1734 e considerado o pioneiro da apicultura moderna. Segundo a ONU, a data foi proclamada para lembrar a importância da polinização para o desenvolvimento sustentável.

Uma frase atribuída ao famoso físico Albert Einstein diz que, se as abelhas desaparecessem, a humanidade também padeceria em poucos anos. Ulysses explica que a fala ganha sentido quando se percebe o papel fundamental desses pequenos insetos voadores na manutenção dos ecossistemas.

A principal função delas é a polinização, simplifica o biólogo. “Já que as plantas não se movimentam, elas dependem de agentes polinizadores. E, dentre esses agentes, as abelhas são os principais a promover polinização, geração de frutos que geram sementes e, essas sementes, de forma natural, podem gerar uma nova planta”, sintetiza. Dessa forma, ao executar um serviço ambiental, as espécies nativas ou não-nativas de abelhas se tornam as principais responsáveis pela manutenção da biodiversidade, defende Maia.

Se não tivesse abelha, também não haveria essa formação de novos frutos, novas sementes, e também não haveria formação das plantas. E as plantas fazem fotossíntese, liberam oxigênio para a atmosfera. Então, no fim, sem planta, ficamos sem oxigênio e sem ele, acabaria não só a humanidade mas acarretaria um grande desastre ecológico global”, assevera.

As abelhas podem ser responsáveis por até 70% das plantas cultivadas para alimentação do ser humano, indica Guido Laércio Bragança Castagnino, professor do Curso de Zootecnia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Segundo o especialista, existe uma relação interespecífica entre esses insetos e vegetação, já que teriam evoluído conjuntamente.

São mais de 20 mil espécies de abelhas. No Brasil, já foram catalogadas aproximadamente 400 espécies nativas, também conhecidas como abelhas sem ferrão, explica Guido. Contudo, grande parte dessas espécies estão sob ameaça de extinção, indica o pesquisador. Isso ocorre principalmente pela perda da biodiversidade natural, aplicação de pesticidas, desmatamento e monocultura.

No caso das abelhas sem ferrão, conhecidas como meliponas (por isso uso do termo meliponicultor para criadores), como elas são adaptadas aos biomas brasileiros, tornam-se responsáveis por 90% das árvores nativas, indica Castagnino.

A abelha Melipona scutellaris, também conhecida como uruçu, espécie criada pela cantora Ivete Sangalo e o marido, é encontrada na região Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe). Mas, mesmo ocupando uma grande área geográfica, está ameaçada de extinção nos fragmentos de Mata Atlântica do Nordeste, conta Guido.

Ele também lembra a mandaçaia (Melipona quadrifasciata), presente em toda a costa atlântica do Brasil. A uruçu-cinzenta (Melipona fasciculata) pode ser encontrada no Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil (Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí, Tocantins), indica.

Há ainda a uruçu-amarela (Melipona rufiventris), conhecida por oferecer um mel saboroso, mas ameaçada de extinção por pertencer a áreas do Cerrado atualmente ocupadas pelas plantações de algodão e soja.

Além da iraí (Nannotrigona testaceicornis), comum em zonas urbanas de vários estados e regiões do País; e a jataí (Nannotrigona testaceicornis), outra abelha também bem adaptada aos ambientes urbanos e distribuída em diversos países da América tropical, informa Guido.

Árvores nativas

No Brasil, não é preciso ter autorização ambiental para criar abelhas sem ferrão em casa, desde que não haja comercialização do mel, das colmeias ou quaisquer produtos envolvidos na criação dos insetos.

Dessa forma, adotar o cultivo de abelhas nativas pode ser um hábito pela manutenção da biodiversidade, sugere Ulysses Maia. Além disso, plantar árvores nativas nos biomas contribui para a preservação dessas espécies, indica o biólogo.

“Em vez de plantar um pé de nim na frente de casa, troca por uma árvore nativa que vai se dar muito bem com o ambiente, não precisa de tanta aguação [no caso do Semiárido]. Você pode ter uma abelha sem ferrão no quintal, pode coletar um pouco de mel durante o ano e ainda estar promovendo, sem saber, que um vizinho tenha maracujá em casa, porque a abelha foi lá; ter goiaba, pois as abelhas visitam várias plantas frutíferas. Você acaba também gerando um bem-estar para outra pessoa sem saber”, defende.

O agricultor Gilmar Rodrigues, citado no início dessa matéria, argumenta de forma ainda mais incisiva que o cuidado na existência de abelhas nativas serve de herança para as próximas gerações:

“Quando você destrói um pé de pau, destrói praticamente tudo. Vai simbora uma abelha, uma formiga. [Por isso], você tem mais é que preservar”, explica o piauiense que ainda levanta: “As pessoas pensam que a função da gente é produzir mel e exportar pra todo canto. Também é isso, mas é mais para nunca se acabar. Um dia, meus filhos podem chegar pra mim e perguntar o que era a jandaíra e vou ter que dizer que não tem [mais]”, finaliza.

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