A área em questão compreende as últimas dunas parabólicas de Fortaleza, que possuem mais de 1900 anos de existência | Foto: Beatriz Azevedo

Por Alice Sales
Colaboradora

Permanece suspensa a norma que revogou a Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) Dunas do Cocó. Com isso, a Unidade de Conservação (UC) formada por dunas milenares, que integram o ecossistema do Parque Estadual do Cocó, continua sob proteção legal. A Segunda Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) confirmou a liminar de suspensão da norma durante sessão que ocorreu na última quarta-feira (12). O Município de Fortaleza havia recorrido da decisão da 15ª Vara da Fazenda Pública de Fortaleza, de 16 de outubro de 2017.

Com a decisão, o Município de Fortaleza deverá se abster de praticar qualquer ato administrativo que permita, ao próprio ente municipal ou a terceiro (pessoa física ou jurídica, pública ou privada), a realização de atividades como: limpeza de terreno, desmatamento, destocamento, extração de areia, escavação, terraplanagem, estocagem de material de construção, instalação ou colocação de equipamentos para construção, início de obras, construções, edificações ou qualquer outra intervenção não condizente com o objetivo de conservação da natureza na área protegida definida pela Arie Dunas do Cocó. Caso já tenham sido praticados tais atos ou concedidas tais autorizações, estes também deverão ser suspensos.

A juíza Ana Paula Feitosa Oliveira, titular da 15ª Vara da Fazenda Pública de Fortaleza, atendeu o pedido do MPCE e suspendeu os efeitos do artigo 283 da Lei Municipal Complementar Nº 236/2017, que revogou a criação da Arie, extinguindo a Unidade de Conservação, sem observar princípios e regras constitucionais e infraconstitucionais. A extinção da Arie, vinha sendo impulsionada pela Prefeitura de Fortaleza dentro da tramitação da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo de Fortaleza (Luos) – Lei Complementar Nº 236/2017. Assim, uma emenda apresentada ao texto da Luos em agosto de 2017 revogava a Lei Municipal 9502, de 2009, de autoria do ex-vereador João Alfredo (PSOL), que criou a UC.

Na Ação Civil Pública (ACP) promovida pela 2ª Promotoria de Justiça de Meio Ambiente e Planejamento Urbana de Fortaleza, os promotores de Justiça Socorro Brilhante e José Francisco de Oliveira Filho tiveram como argumento para a sustentação da liminar que suspende a extinção da Arie, o princípio da proibição do retrocesso ambiental, além do fato de que o artigo Nº 283 da Lei 236/2017 revogou a Lei Nº 9.502/2009 sem permitir a participação social na discussão acerca da extinção da Arie e sem observar os deveres do Município de proteger o meio ambiente. A norma também viola a legislação que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc) – Lei Nº 9.985/2000, na qual a desafetação ou redução dos limites de uma Unidade de Conservação só pode ser feita mediante lei específica.

Condução antidemocrática

Segundo Beatriz Azevedo, advogada e diretora do Instituto Verdeluz, uma das instituições que promovem o movimento popular Fortaleza Pelas Dunas, a Lei que sustenta a revogação da Arie foi conduzida da forma mais antidemocrática possível. “Por isso, os movimentos socioambientais se organizaram para levar essa denúncia ao Ministério Público do Estado do Ceará, que solicitou a suspensão da norma. Com essa medida, qualquer ação de degradação ambiental e construções na Arie serão consideradas ilegais. É importante que os movimentos continuem dando visibilidade a essa área, para que a sociedade entenda sua importância e a gente possa dialogar com o judiciário”, ressalta.

Para o deputado estadual Renato Roseno (Psol), a suspensão da norma é uma decisão muito importante em um momento em que o Brasil passa por vários atrasos ambientais. “A suspensão da lei da Arie das Dunas do Cocó tem sido buscada há tempos sorrateiramente por setores do capital imobiliário. Na tramitação da Lei, foram várias tentativas. Isso demonstra a sanha destrutiva do capital imobiliário. A decisão do TJCE reafirma a necessidade de ampliação de Unidades de Conservação na cidade, sobretudo nos seus ecossistemas mais frágeis”, destaca.

Por ora, a Arie permanece protegida com base em uma liminar. O mérito da questão ainda será julgado para que a causa tenha um desfecho definitivo. Gabriel Aguiar, biólogo e membro do Conselho Gestor do Parque Estadual do Cocó alerta para que sociedade civil esteja atenta ao assunto: “A Unidade de Conservação permanece protegida, mas existe a possibilidade de a situação ser mais uma vez revertida, pois estão tentando por várias frentes jurídicas revogar a Arie”.

Participação popular

Para o biólogo, é importante pontuar a relevância da participação popular em todo o processo. “A revogação da Arie foi barrada na justiça justamente por não seguir os princípios da Constituição, sobretudo porque não houve qualquer participação popular no processo. É primordial que a sociedade civil entenda essa questão, participe desse processo, apoie essas iniciativas e reivindique o que é dela”, sustenta.

Como medidas futuras para assegurar a proteção das Dunas do Cocó, os movimentos ambientais de Fortaleza estão articulando um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que visa a criação de uma grande Unidade de Conservação de Proteção Integral que deverá abranger todo o cordão de dunas do Parque do Cocó. Outra iniciativa é um veto popular ambiental que já está tramitando no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), no intuito de realizar um referendo com a população de Fortaleza, para que as pessoas votem se querem ou não proteger as dunas.

Por que conservar a Arie Dunas do Cocó?

A área em questão compreende as últimas dunas parabólicas de Fortaleza, que possuem mais de 1900 anos de existência. Cobertas por uma vegetação que abriga centenas de espécies de animais silvestres e plantas, as Dunas do Cocó compõem um ecossistema único em nossa região.

Além disso, elas prestam grande serviço hídrico para a Cidade, pois absorvem e limpam as águas das chuvas abastecendo nossos reservatórios e impedindo alagamentos. As dunas são ainda relevantes para a realização de pesquisas científicas e para as comunidades que as utilizam como local de lazer, prática de esportes, cultos religiosos e atividades de ecoturismo.

A Assessoria de Comunicação da Prefeitura Municipal de Fortaleza foi procurada, mas não houve nenhum retorno em relação ao assunto.

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