Secretário de Meio ambiente alega benefícios econômicos diante da inevitabilidade da dependência de termoelétricas ante o quadro energético atual do País, enquanto Ministério Público, academia e ambientalistas levantam diversos impactos que não mais justificam o investimento em energias fósseis
Na semana que passou, o Conselho Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Coema) aprovou, sob protestos, a Licença Prévia de Instalação da Usina Termoelétrica Portocem (UTE Portocem), a ser construída na Área Não Alfandegada da Zona de Processamento para Exportação (ZPE) do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), em audiência realizada na Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). Dos 37 conselheiros, 35 compareceram. Foram 25 votos favoráveis ao parecer técnico, cinco contrários e cinco abstenções.
O parecer foi elaborado pela Semace, autarquia vinculada à Secretaria do Meio Ambiente (Sema), com base no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) / Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do projeto.
A usina terá potência nominal total de 2.189,6 MW, para três módulos distintos: UTE Portocem I, II e III, com capacidades respectivamente de 1.047,00 MW, 571,30 MW e 571,30 MW, numa área de 29,78 hectares. Mas a área total do empreendimento é de 108,16 hectares, nos municípios de Caucaia e São Gonçalo do Amarante, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). A UTE Portocem terá um consumo de 8,4 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia (MM m3/d).
A Eco Nordeste ouviu, com exclusividade, o presidente do Coema e titular da Sema, Artur Bruno; o procurador geral da República no Estado do Ceará e conselheiro que representa o Ministério Público Federal (MPF) no Coema, Alessander Sales; presidente da Comissão de Direito Ambiental (CDA) da Ordem dos Advogados do Ceará Secção Ceará (OAB-CE), João Alfredo Telles Melo; e o físico, professor titular da Universidade Estadual do Ceará (Uece), representante da Uece no Fórum Estadual de Mudanças Climáticas e Biodiversidade e membro do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, Alexandre Araújo Costa.
Artur Bruno destacou que a aprovação da licença prévia é o início para a empresa fazer mais estudos, habilitar o projeto e que não há nenhuma garantia, até agora, de que o empreendimento vai ocorrer. “Ele só começa a se instalar com a licença de instalação. A licença prévia é para dizer que está dentro dos parâmetros e que precisa fazer os estudos complementares, as chamadas condicionantes. Primeiro as empresas que vão concorrer em leilões de energia precisam de licença prévia. O leilão vai ocorrer em outubro. Pode ser até que essa empresa não ganhe o leilão e não se viabilize. Ganhando o leilão, vai realizar todos esses estudos complementares e apresentar à Semace, que vai analisar se está dentro do exigido. Não é obrigada a apresentar, neste primeiro momento, todos os estudos. Os conselheiros têm acesso ao relatório e, se quiserem, podem ter acesso aos estudos, que são muitos”.
Garantia da estabilidade
O secretário disse, ainda, que não tem a menor simpatia por termelétrica, mas que quem determina, legisla sobre energia é o Governo Federal, o Ministério de Minas e Energia (MME): “Ele define, quando vai haver um leilão de energia, qual o percentual de termelétrica, hidrelétrica, eólica, solar, etc. Mesmo não gostando de termelétrica, eu tenho que aceitar a realidade. Hoje, o Ceará está estimulando muito as energias renováveis, tentando recuperar a liderança que já teve. É o terceiro maior hoje em eólica e a ideia é voltar a ser o primeiro. Essa é a prioridade do Estado. Só que essas energias, tanto a solar quando a eólica, são intermitentes, ou seja, solar durante o dia e os ventos não são constantes o dia todo. Hoje 70% da energia do Brasil vem de hidrelétrica. É o que segura a estabilidade. Mas depende das chuvas. Tem época que, por causa da seca, as hidrelétricas produzem menos porque a prioridade é água para o consumo e não para produção de eletricidade. Quem garante essa estabilidade são aos termelétricas, que são mais caras, mas constantes. Nós não temos ainda no Brasil a condição de se desfazer das termelétricas. Se o País começar a crescer nós podemos ter um colapso energético”.
“Se não for no Ceará, vai ser em outro Estado. O problema do Efeito Estufa é mundial. Se é para ter termelétrica, que vai ter que ter, infelizmente ainda por um bom tempo, nós precisamos que seja aqui. Primeiro porque é um investimento de 6.7 bilhões de reais. Depois da Siderúrgica, é o maior investimento que está sendo feito no Estado do Ceará nas últimas décadas e vai gerar, só na construção, 3 mil empregos diretos. Se considerar que para cada emprego direto são quatro indiretos, são 12 mil e geração de ICMS. Se o Ceará não aceitasse, podia ser em qualquer lugar. Dá no mesmo”, afirma Artur Bruno.
Por fim, o secretário destaca que, por exigência da Semace, que não ia aceitar tirar água do Castanhão, essa termelétrica vai utilizar água do mar, ao contrário das outras que estão lá, terminando o contrato de 20 anos, inclusive a carvão, o que o governo não vai se aceitar mais: “A gás é a que menos polui. Impacto, qualquer tipo de energia tem. Não podemos viver sem impacto, infelizmente. É preferível ser água do mar que das nossas represas e isso foi um grande avanço em relação às outras termelétricas”.
E diz mais: “Recentemente, nós simplificamos a aprovação de eólicas e solares. Ou a gente simplificava ou as empresas iam para outros estados. Algumas dessas pessoas que estão criticando agora também criticaram quando estávamos simplificando para solar e eólica. Sem gerar impacto infelizmente não se gera desenvolvimento, emprego e renda. Mas tem que mitigar, compensar. É isso que nós estamos tentando fazer. A prioridade do Ceará é a energia renovável. Comprovação disso: o último leilão, no qual o Ceará foi campeão porque o governo tem incentivado, simplificado. Agora, infelizmente o Brasil precisa de termelétrica. E se tiver que ter termelétrica, que seja aqui porque vai gerar emprego, renda, imposto”.
Procedimento falho
“A minha posição, como conselheiro do Ministério Público Federal, é contrária à aprovação do projeto de usina termelétrica gás votado no Conselho Estadual do Meio Ambiente porque entendo que o procedimento de licenciamento contém falhas significativas e com relação aos estudos técnicos. Não é possível aferir a real dimensão dos impactos quando se posterga a apresentação desses estudos para o licenciamento de instalação. Por tudo isso, o Ministério Público Federal votou contrário à aprovação do parecer técnico da Semace e, consequentemente, do licenciamento ambiental prévio para esse empreendimento”, afirma o procurador Alessander Sales.
Para o advogado João Alfredo, a atração de mais uma usina termelétrica para o Ceará é de “um equívoco brutal, ainda mais nestes tempos de emergência climática. Já não se fala mais de mudança climática, mas de quase colapso ambiental, a postura de qualquer governo comprometido com a questão ambiental deveria ser a de abandonar as atividades com energias fósseis, porque apesar do nome, gás natural, é energia fóssil e emite CO2, metano, é uma atividade poluente, que contribui para o Aquecimento Global”.
E finaliza destacando a questão legal: “No meu entendimento, inclusive, isso fere as leis federal e estadual de Mudanças Climáticas que trazem claramente que o os governos vão abandonar gradualmente as energias fósseis e vão estimular as energias renováveis. Esse dado não foi observado pelo governo estadual, que inclusive está muito atrasado na elaboração do Plano Estadual de Mudanças Climáticas. A grande contradição é ter atraído uma termelétrica e falar em Plano de Mudança Climática. A última ilegalidade, no nosso entendimento, é a falta de estudos de alternativas técnicas e locacionais. Nós sabemos que há outras técnicas de produção de energia que são bem menos poluentes que as térmicas, a matriz eólica e a solar”.
Emissões presumidas
“Eu fiz as contas. No mínimo, vai emitir mais de seis milhões de toneladas de CO2 por ano. Isso é mais do que a soma do transporte de passageiro e carga do Estado do Ceará. E é vendido como melhor que petróleo e carvão. Omitem o fato de que as emissões fugitivas relacionadas a gás natural são um gravíssimo problema climático. O metano é 34 vezes mais potente que o o CO2″, ressalta o professor Alexandre Costa.
Ele também questionou possíveis impactos do uso da água do mar; ” Falam que não vão utilizar água dos nossos reservatórios. Mas o fato de usarem água do mar me parece assustador porque envolve fauna marinha. Primeiro puxam uma quantidade enorme de água para dentro da usina, que aquece muito, um monte de biota marinha já morre aí. Depois devolvem a água 3 graus mais quente e com o dobro da salinidade. Ninguém sabe o impacto disso na fauna marinha local”
Como representante da Uece no Fórum Estadual de Mudanças Climáticas e Biodiversidade, ele acrescentou que, na prática, o Fórum não se reúne há mais de um ano, que ele mesmo provocou várias vezes o Fórum para discutir essa questão e que a Assembléia Legislativa, na audiência pública, também indicou essa convocação, que foi ignorada.
“O Plano Estadual de Mudanças Climáticas estava muito bem encaminhado, o secretário argumentou que precisava de um novo inventário de emissões que não é necessário porque o tem o Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa). Se colocar numa licitação, as mais capacitadas são as ONGs que já trabalham com o Observatório do Clima. Abriu um edital para fazer outro Plano. Se já tivesse o Plano, não ia caber mais um empreendimento com emissão de carbono. A Lei Estadual de Mudanças Climáticas, a meu ver, está sendo violada, mesmo tendo sido aprovada de forma muito fragilizada, há um ano e meio.
Indígenas não consultados
“Não contém uma consulta à Funai para saber o impacto desse empreendimento nas comunidades indígenas vizinhas, não contém também vários estudos essenciais para o licenciamento prévio que foram jogados para o licenciamento de instalação esvaziando a possibilidade de análise pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente e não contém um parecer jurídico que, no intendimento do Ministério Público, é essencial para o licenciamento”, afirma Alessander Sales.
João Alfredo faz o mesmo destaque em relação às comunidades indígenas do entorno: “Há uma ilegalidade da própria Semace, que em sua instrução normativa de licenciamento ambiental uma determinação de que quando a área envolver terras indígenas demarcadas ou em processo de demarcação a Funai tem que ser consultada e ela não foi”.
E diz mais: “Não houve consulta às populações indígenas. Os Anacé estão em toda a área dos municípios de Caucaia e São Gonçalo do Amarante, comprovado por um estudo feito pelo antropólogo Sérgio Brissac e pelo geólogo Jeovah Meireles, a pedido do Ministério Público Federal. A terra não está demarcada ainda. O que existe é uma reserva indígena que foi desapropriada pelo Governo do Estado para assentar os indígenas que foram desterritorializados pelos grandes empreendimentos que estão no Complexo do Pecém. Mas não é só neste local. Os Anacé estão em mais de 20 comunidades, são mais de 800 famílias em toda a área do Pecém, inclusive nas proximidades de onde se quer construir essa termelétrica. A Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) exige que haja uma consulta das populações indígenas”.
De acordo com o parecer da Semace, a terra indígena mais próxima, Área em Estudo da Etnia Anacé, está a 10,94 Km da área da UTE, e o limite para empreendimentos pontuais como termoelétricas é 8 Km. Já o território quilombola mais próximo é o da comunidade Boqueirão da Arara a 10,5 Km.