Por Murilo Gitel
Colaborador

Polêmica que envolveu até Caetano Veloso teve final feliz para à UFRB | Foto: Alessandro Farias/Google Street View

Santo Amaro – BA. A “força da grana que ergue e destrói coisas belas” não foi suficiente para fazer com que um terreno doado à Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), em Santo Amaro (BA), às margens do Rio Subaé, passasse a pertencer à empresa Orbi Química, de São Paulo, conforme desejavam alguns políticos da cidade natal do cantor e compositor Caetano Veloso.

Polêmica, a possível transferência do terreno foi informada à Agência Eco Nordeste no domingo (26), pela leitora Leila de Lourdes Longo, que é docente do Setor de Ciências Biológicas do Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas (CCAAB) da UFRB. “A Prefeitura cancelou a doação do prédio para a UFRB com o objetivo de doá-la a uma empresa de produtos químicos, que será instalada às margens do manguezal do Subaé. Nós, pesquisadores, junto com a população, pedimos socorro”, publicou a professora no perfil da Eco Nordeste no Instagram, por ocasião do Dia Mundial de Proteção aos Manguezais.

Antes disso, no sábado, Caetano Veloso havia publicado um vídeo em seu perfil no Instagram, no qual cobrou que os vereadores de Santo Amaro não permitissem a instalação da fábrica no local. “Eu peço aos vereadores de Santo Amaro, minha cidade, que se lembrem que a Câmara de Santo Amaro é pioneira na independência do Brasil. Que se respeitem, que pensem profundamente nos problemas que Santo Amaro já vem enfrentando com muitas dificuldades há muitos anos por conta de questões ambientais causadas por aquela fábrica de chumbo”, disse o cantor, ao fazer alusão à Companhia Brasileira de Chumbo (Cobrac), que deixou toneladas de escória de chumbo e cádmio na cidade entre 1960 e 1990.

Na segunda-feira (27), em sessão marcada por tensão e até gritaria, a Câmara Municipal de Santo Amaro votou o Projeto de Lei (PL) que passava a posse do terreno, anteriormente doado à UFRB, à Orbi Química. E foi por pouco. Em convocação extraordinária, por nove votos a favor de passar a área para a fábrica e cinco contrários, a universidade obteve a vitória porque seriam necessários dez votos para a aprovação da pauta, uma vez que o regimento da casa exige dois terços dos votos para que um projeto siga em tramitação. Um dos parlamentares não compareceu à sessão porque está com suspeita de Covid-19. Com isso, os vereadores favoráveis à empresa deixaram de obter os votos necessários.

Alegações

Enquanto parte dos vereadores queria garantir a destinação do terreno à empresa, que estimava levar 120 empregos e movimentar a economia da cidade, a oposição, no entanto, justificou que a área possui, sim, titularidade da universidade, e que na região situada em volta do rio trabalham cerca de 20 mil pescadores e marisqueiras, portanto, a instalação da atividade industrial no local poderia colocar em risco o ecossistema, sobretudo os manguezais.

Já segundo a Prefeitura de Santo Amaro, o terreno teria voltado legalmente para a posse do Município, pois a UFRB teria descumprido o compromisso de entregar o campus da cidade até 2016, além de ter deixado de solicitar a revalidação da doação. A Reitoria da Universidade, contudo, disse que foi surpreendida com a notícia na página da Prefeitura no Facebook de que uma audiência pública teria sido realizada no dia 22 de julho.

Estranheza

“É estranho que em nenhum momento a Universidade tenha sido convidada para algum diálogo ou sequer informada sobre as pretensões da Prefeitura em relação ao local”, diz a nota da UFRB. Diretor do campus, que funciona provisoriamente em uma escola, Danillo Barata argumentou ao Jornal Correio que, se a posse fosse mesmo da Prefeitura, não haveria necessidade de o prefeito criar um projeto para transferir a titularidade. “É mentira e não se sustenta. Se fosse da Prefeitura, ela poderia fazer destinação direta”, explicou.

O presidente da Câmara Municipal de Santo Amaro, Herden Cristiano, chegou a criar uma emenda substitutiva para o projeto, com o objetivo de que a fábrica viesse a ser instalada em uma outra área da cidade, mas a empreitada também não obteve os dez votos exigidos. “Já existe em Santo Amaro um Polo Industrial, de autoria do próprio prefeito, votado em 2018. A gente solicitou que essa empresa fosse implantada neste local, até para o crescimento da cidade, e para que outras empresas viessem. Infelizmente, votaram contrários à ida da empresa para o Polo Industrial”, explicou.

Lamentações

O prefeito de Santo Amaro, Flaviano Rohrs, publicou um vídeo em seu perfil no Facebook, em que diz: “Com desculpas esfarrapadas, votaram contra. Não fez questão nem ambiental e nem politicagem. Quem perde é o povo de Santo Amaro. Quem perdeu a oportunidade foi nossa juventude, as mães e pais de família que clamam por empregos”, disse.

Na mesma linha, o CEO da Orbi Química, Rogério Fiorotto Seabra, também lamentou que as decisões não foram favoráveis à aprovação da ida da empresa para Santo Amaro, mas disse respeitar o voto do Legislativo Municipal e garantiu que ainda tem interesse em se instalar na Bahia, não necessariamente na cidade.

“Poderíamos, de mãos dadas com o município de Santo Amaro, com nossos sérios propósitos e valores empresariais, sociais e ambientais expandir a nossa operação e desenvolver esta região, melhorando a qualidade de vida de seus munícipes. Temos a consciência tranquila quanto à lisura no trâmite da aquisição da área que infelizmente não foi aprovado. Desejamos toda sorte ao município e agradecemos a acolhida recebida”, ressaltou Seabra.

A Prefeitura de Camaçari entrou em contato com a empresa e eles estão em conversa adiantada para que a fábrica se instale neste outro município a 50 quilômetros de Salvador, que é conhecido como “Cidade Industrial”, por abrigar o Polo Industrial de Camaçari.

As associações civis de Santo Amaro elaboraram, nos últimos dias, um documento que foi encaminhado aos Ministérios Público estadual e federal explicando o fato. O texto menciona infrações ao Código Ambiental de 2019, à Lei Orgânica do Município e ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU).

Processo

O lote foi doado pela Prefeitura de Santo Amaro, conforme documento de 2012, para que a UFRB implementasse um campus universitário até 2016. O órgão municipal alega que, se o prazo não fosse cumprido, a posse voltaria para o Município. Entretanto, a Universidade ainda arca com todos os impostos pelo terreno, mas não conseguiu recursos suficientes para a reformulação da área, onde funcionou, por 30 anos, a Fundição de Aço Tarzan.

“O contexto econômico do nosso país se alterou muito de 2015 para cá e isso comprometeu nossas expectativas iniciais. Não construímos [o campus] porque não tivemos condições financeiras”, explicou o reitor da UFRB, Fábio Souza dos Santos, o qual estima que para a reformulação e implementação do campus seria necessário o investimento de R$ 55 milhões, que tentaram ser captados com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de Obras de Cidades Históricas, com o Ministério da Educação e emendas parlamentares.

Insuficiente

A reforma não teria como vir do orçamento da Universidade, pois, segundo o reitor, a verba deste ano para investimentos é de somente R$ 1,7 milhão. “É um valor muito baixo, porque ainda estamos em fase de consolidação”, completou Souza. A UFRB, criada em julho de 2005, funciona desde então em espaços provisórios cedidos pela Prefeitura. “A manutenção do terreno é fundamental para a implantação do nosso campus próprio”, acrescentou.

O campus atende atualmente um público de 1,5 mil pessoas e oferece cursos de Licenciatura em Música Popular Brasileira, Licenciatura Interdisciplinar em Artes, Bacharelado Interdisciplinar em Cultura, Linguagens e Tecnologias, além de cursos superiores em Política e Gestão Cultural e ainda em Artes e Espetáculo.

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