Polo da Borborema lança o ‘Flocão da Paixão’, livre de transgenia e de agrotóxicos

Uma notícia animadora para quem cultiva o milho crioulo no território e para os/as amantes do fubá

O cuscuz faz parte da tradição alimentar nordestina e, se o milho for cultivado sem transgenia e livre de agrotóxicos, melhor ainda | Foto: Marília Camelo

Por Verônica Pragana
Para AS-PTA

Recife – PE. “Mãe não precisa se preocupar em comprar outras coisas pra comer no café da manhã. Se tiver cuscuz, tá ótimo”, me disse um dia desses meu filho Tito de 19 anos. Nascido e criado no Recife, Tito é um jovem urbano, apaixonado como milhares e milhares de nordestinos por esta iguaria feita a partir da farinha do milho hidratada com um pouco de água, temperada com sal e cozida em banho maria.

“O cuscuz é o nosso café, almoço, jantar”, destaca Gizelda Beserra, uma das dirigentes do Polo da Borborema e presidenta da CoopBorborema, nascida e criada no Cariri paraibano e que mora, hoje, em Remígio, um dos municípios que fazem parte do território da Borborema paraibana. “[O cuscuz] é o alimento sagrado na mesa do/a nordestino/a. É cultura. É prazer”, emenda.

Para a legião de fãs do cuscuz tipo flocão – bem mais fácil de preparar do que o da farinha bem fininha – tem uma notícia alvissareira, daquelas capazes de alegrar a todo nordestino-raiz. Foi iniciada a produção de flocão com o milho da paixão, livre de transgênico, livre de todo tipo de agrotóxico, na região da Borborema paraibana.

Neste dia 21 de maio, os primeiros sacos de meio quilo do flocão começam a ser postos à venda. Primeiro, nas seis Quitandas da Borborema e nas 12 feiras agroecológicas do território. Em seguida, o Flocão da Paixão vai ser ofertado nos pontos de comercialização que ficam em Campina Grande, João Pessoa, Recife e Paulista, na região metropolitana da capital pernambucana (ver endereços abaixo). E, a depender da safra de milho livre de transgênico das famílias agricultoras da Borborema paraibana, esse flocão pode e deve chegar a muitos outros destinos.

Cuscuz saudável que não existe mais

Depois que foi liberado o cultivo comercial de milho transgênico no Brasil, em 2008, de praticamente todos os pacotes de cuscuz vendidos nos supermercados, seja ele tipo flocão, seja da farinha mais fina – têm o selo do triângulo com o T dentro, que indica que se trata de alimento transgênico. Só se salvam os fubás orgânicos, com preços mais elevados e que, por isso, não são acessíveis para todas as pessoas.

E alimento transgênico significa que foi produzido a partir de sementes com modificações genéticas induzidas em laboratório e cultivadas com o uso de agrotóxicos, em extensos monocultivos, em áreas desmatadas. Além dos males para a saúde que os agrotóxicos fazem, ainda não se sabe, ao certo, o que a alteração genética no milho pode provocar no organismo humano quando esse milho é ingerido por anos a fio.
Ou seja: para os nordestinos e nordestinas, amantes do cuscuz, em cujo sangue corre os nutrientes do milho, a imposição dos fubás transgênicos foi um golpe fatal.

Livres do domínio da indústria alimentícia

Um longo processo de organização da agricultura familiar no Polo da Borborema foi necessário até se chegar ao Flocão da Paixão | Foto: Túlio Martins / AS-PTA

O que o território da Borborema tem de especial para produzir um flocão livre de transgenia? Para ser respondida esta pergunta, é preciso que se conte uma história sobre a organização da agricultura familiar neste pedaço da Paraíba.

Uma história que começou há 25 anos com um processo de fortalecimento dos espaços organizativos das famílias agricultoras, como os sindicatos rurais e as associações de produtores/as. Hoje, esta organização se apoia também em redes que agregam pessoas como os guardiões e guardiãs das sementes crioulas, pessoas que criam abelhas, pessoas que participam dos bancos comunitários de sementes da paixão, além de outras redes.

Os guardiões e guardiãs de sementes são aqueles que as mantém por gerações. Pelo tempo de existência, estas sementes são materiais extremamente adaptados aos costumes, hábitos alimentares, gostos e às condições locais de solo, clima, etc.

E, para unir as pessoas que fazem parte das várias redes que existem neste território paraibano, foi posta em marcha uma dinâmica de troca de conhecimento entre famílias agricultoras, de valorização do saber tradicional, assim como das sementes crioulas.

“Eu era um agricultor apagado. Nós tivemos uma assistência muito grande. Participamos de muitas visitas de intercâmbios. A AS-PTA (organização da sociedade civil que assessora o Polo da Borborema) enxergou o futuro que nós tinha. Nós que produz para a nossa sociedade, para nós comer e preservar o meio ambiente”, lembrou seu João Miranda, um dos agricultores que está vendendo seu milho crioulo para virar o flocão e outros produtos beneficiados.

Para unir as pessoas que fazem parte das várias redes da Borborema paraibana, foi criada uma dinâmica de troca de conhecimento, de valorização do saber tradicional, assim como das sementes crioulas | Foto: Túlio Martins / AS-PTA

Tanto investimento para ampliar as capacidades de gestão coletiva dos bens naturais das comunidades rurais foi dando asas ao Polo da Borborema para ampliar a venda dos produtos beneficiados e in natura da agricultura familiar agroecológica. O Polo congrega 13 sindicatos rurais do território, mais de 150 associações comunitárias, além de uma associação de produtores e produtoras agroecológicos – a EcoBorborema – e uma cooperativa – a CoopBorborema.

Estas asas que foram crescendo no Polo tornaram possíveis – a partir de muito trabalho, erros, acertos – a superação de vários desafios que se impunham para a agricultura familiar. Desafios como a dependência dos atravessadores que compravam os produtos dos roçados a preço de banana e as dificuldades de produção para quem vive numa região árida, num pequeno pedaço de terra e com o solo já desnutrido por um manejo que não repunha os nutrientes necessários para manter a sua fertilidade.

Por que barrar os transgênicos?

A luta é diária e árdua para criar uma barreira que diminua o impacto da contaminação dos milhos da paixão. Os avanços não são lineares e constantes. Aqui e ali se tem notícias de que as sementes crioulas de milho de uma família agricultora foram contaminadas e se recorre à estratégia de substituir rapidamente esta semente para que ela não se multiplique ainda mais. Por isso, a importância de ser rede, porque permite uma troca grande de sementes e conhecimentos entre as pessoas, famílias, comunidades de vários municípios dentro do mesmo território.

Mas, com muita garra e determinação, a rede de famílias guardiãs das sementes da paixão vai acumulando vitórias a partir do seu engajamento nas ações de proteção e multiplicação das variedades crioulas. Um bom exemplo disto é a campanha Não planto transgênicos para não apagar a minha história, que tem orquestrado um conjunto de estratégias para ampliar a adesão dos/as agricultores/as.

Uma destas estratégias é comprar o milho livre de transgenia e livre de agrotóxicos por um valor 30% acima do mercado para que ele seja beneficiado e transformado em diversos produtos, como o próprio Flocão da Paixão.

“É fundamental destacar a unidade de beneficiamento como um instrumento de enfrentamento à contaminação dos milhos pela transgenia. É um local onde se faz os testes de transgenia, se distribui as sementes, se realiza as formações com os/as agricultores/as, se estoca as sementes e se faz o processamento dessas sementes para ter os produtos da marca Do Roçado”, conta Emanoel Dias, assessor da AS-PTA.

Produção do Flocão da Paixão

A primeira remessa está sendo produzida com 7,2 toneladas de milho colhidos dos roçados da Borborema paraibana em 2020 | Foto: Túlio Martins / AS-PTA

Emanoel destaca também que quanto mais milho livre de transgenia for produzido no território, mais aumenta a produção de beneficiados e mais diminui os custos da produção, que vão ser repassados para o consumidor final. “Nós estamos fazendo parcerias com outros territórios para ter mais matéria-prima e as famílias agricultoras do próprio território estão plantando mais, com bastante cuidado para evitar a contaminação. Isso tudo vai possibilitar ter uma produção dos derivados do milho que cubra o valor da produção e permita um preço acessível do flocão para todo mundo.”

A primeira remessa está sendo produzida com 7,2 toneladas de milho colhidos dos roçados da Borborema paraibana em 2020. Cerca de 5,4 toneladas vão ser transformadas em farelo de milho e quantidade igual vai virar fubá e xerém.

Experimentadores da primeira leva

Por enquanto, as primeiras levas do flocão estão sendo distribuídas para degustação e aprovação de quem produz os milhos. E quem come deste flocão não economiza elogios. “Ave Maria, quando cozinha dentro de casa, fica com a casa toda cheirando a pamonha. Nunca mais tinha comido um fubá com aquele gosto”, diz com entusiasmo Seu João Miranda, que vendeu o excedente de sua produção de milho pontinha para ser beneficiado. Esta variedade de milho acompanha a família de seu João desde 1977. De lá para cá, a esposa, dona Terezinha de Jesus, os filhos e ele têm cuidado destas sementes como quem cuida de alguém da família.

E a que se deve um gosto tão bom desse flocão? A grande diferença do Flocão da Paixão para os outros está no modo de produção, desde o cultivo no campo, de forma consorciada com outras plantas que aumentam a fertilidade do solo, a colheita no tempo certo e o manejo diferenciado das sementes pós-colheita.

“Sem falar que as sementes cultivadas pelas famílias agricultoras são variedades docinhas, saborosas, cheirosas. Eles foram selecionando estas sementes ao longo dos anos. E o milho da empresa é uma variedade feita para produzir muito, ou para produzir uma espiga grande, numa planta pequena, ou uma planta com duas espigas. Mas as empresas não cuidaram de selecionar milhos mais doces, mais agradáveis ao sabor”, comenta Emanoel.

Segundo seu João, “nem se sabe quantos anos tem o milho que produzimos: 180, 200 anos.” Com relação à variedade que ele planta, seu João afirma que é uma semente que está sob cuidado dos agricultores e agricultoras da região há 400 anos.

Por enquanto, as primeiras levas do flocão estão sendo distribuídas para degustação e aprovação de quem produz os milhos | Foto: Túlio Martins / AS-PTA

Consumidores com água na boca

Enquanto isso, no Recife, depois que conversei com seu João, Emanoel e Gizelda, comentei em casa esta diferença do Flocão da Paixão – produzido do milho pontinha cheio de histórias – para os outros cuscuz industrializados. Isso aguçou a vontade de Tito que perguntou “quando poderia experimentar o flocão do Polo tão suculento”. “Tá mais perto do que nunca, filho! Em breve, saborearemos pra nossa felicidade”, respondi com o coração muito grato por este privilégio.

Apesar de ainda ser um privilégio, que pode ser acessado por uma parcela muito pequena dos/as nordestinos/as, é muito bom saber que em algum lugar do Semiárido nordestino, há muitas pessoas envolvidas na desafiadora tarefa de proteger as sementes crioulas de milho do avanço da transgenia, tornando possível termos produtos derivados do milho livres de modificações genéticas produzidas em laboratório e livres de substâncias que causam câncer e uma variedade imensa de doenças que levam à morte.

“O Flocão da Paixão é uma grande oportunidade de dialogarmos com a sociedade. De falarmos da Agroecologia e sua capacidade de gerar renda para as famílias agricultoras e segurança alimentar para as pessoas que vivem no campo e na cidade”, disse Emanoel com muita lucidez. E eu fico na torcida para que o Flocão da Paixão se torne um grande garoto propaganda da Agroecologia nos centros urbanos.

Onde vai ser vendido o Flocão da Paixão

Feira Agroecológica do Museu do Algodão – Campina Grande
Todas as quartas | a partir das 4h
No Museu do Algodão, na Estação Velha

Feira Agroecológica do Catolé – Campina Grande
Todas as sextas | a partir das 6h
Em frente ao Du Bu, Catolé

Feira Agroecológica de Esperança
Todas as sextas | a partir das 6h
Avenida Manuel Cabral (próximo à Padaria Cabral)

Feira Agroecológica de Lagoa Seca
Todos os sábados | a partir das 6h
Ao lado do Mercado Municipal

Feira Agroecológica de Alagoa Nova
Todos os sábados | a partir das 6h
Ao lado da Câmara Municipal

Feira Agroecológica de Remígio
Todas as sextas | a partir das 6h
Rua da Prefeitura

Feira Agroecológica de Casserengue
Todas as quintas | a partir das 6h
Praça 29 de abril

Feira Agroecológica de Areial
Todas as sextas | a partir das 6h
Praça Central

Feira Agroecológica Massaranduba
Todas as sextas | a partir das 6h
Em frente ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais

Feira Agroecológica de Arara
Todas as sextas | a partir das 6h
Ao lado da Igreja Matriz

Feira Agroecológica de Solânea
Todas as sextas | a partir das 6h
Em frente ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais

Quitanda da Borborema de Remígio
Rua Bento Vitório, 11 – Centro
De segunda à sábado, de 8h às 12h
Contato: 83 81802637

Quitanda da Borborema de Arara
Rua Padre Ibiapina s/n – Centro
De segunda à sexta, de 8h às 11h e aos Sábados de 8h as 9:30h
Contato: 83 986751771

Quitanda da Borborema de Solânea
Rua Josefa Crispim, 50 – Centro
De segunda à sábado, de 7h às 11h
Contato: 83 93698804

Quitanda da Borborema de Esperança
Praça da Igreja Matriz (Dentro do Sindicato Rural) – Centro
De segunda à sexta, de 7h às 11h
Contato: 83 33612298

Quitanda da Borborema de Queimadas
Rua Otaviano Araújo do Rêgo, 20 (Dentro do Sindicato Rural) – Conjunto Mariz
De segunda à sexta, de 7h às 12h
Contato: 83 93675387

João Pessoa/PB
Rede de feiras ligadas à CPT (Comissão Pastoral da Terra) e na Ecovaza, cooperativa ligada também à CPT
Empórios

Recife/PE
Agroecoloja
Armazém do Campo (MST)

Paulista/PE
Quitanda Agroecológica

Serviço

Quem: Rede de Sementes do Polo da Borborema
O quê: Live Comunidades Livres de Transgênicos / lançamento de produtos beneficiados de milho livre de transgênicos e agrotóxicos
Onde: Facebook @polodaborborema / YouTube Aspta Agricultura Familiar e Agroecologia
Quando: 21 de maio de 2021 – 15h

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