Pacto Sustentável amplia possibilidades no Pajeú

Foto de plantio de algodão próxima, de cima para baixo, com uma mangueira de hirrigação ao centro

A produção de algodão, em consórcio com outras culturas, é um símbolo da Associação Agroecológica do Pajeú (Asap) | Foto: Joana Darc

As imagens vêm à nossa mente. Por muitas décadas, a identidade exportada do sertão foi a de seca e miséria, um lugar estereotipado e supostamente fadado à estagnação. Ainda hoje, a Caatinga, que abrange 70% do território nordestino, é vista como um bioma sem vida tomado por espinhosas cactáceas e aridez do solo rachado. Na contramão dos mitos históricos, o Sertão do Pajeú, no interior de Pernambuco, tem trabalhado iniciativas de desenvolvimento sustentável, que provam aquilo que supostamente seria improvável.

“A gente produz milho, feijão, algodão, gergelim, amendoim, girassol, crotalária, mucuna-cinza, mucuna-preta… Só na minha roça, em 2023, eu consegui produzir 12 culturas. Quando a gente vai para alguma feira fora do Pajeú, ainda ouço: ‘isso é do Sertão? Tem certeza?’. Muitos não acreditam que a gente consegue produzir no Semiárido”, afirma Joana Darc, agricultora, mãe e sócia fundadora da Associação Agroecológica do Pajeú (Asap).

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A Asap foi fundada em 2010 e formalizada em 2012, com 36 famílias. Em 2023, 210 famílias compunham o quadro de membros, formado por mulheres em sua maioria (cerca de 60%). Mulheres que, assim como os homens, encontraram na Agroecologia sua principal fonte de renda. Joana, nascida e criada no campo, fala em uma pequena revolução. O grupo realiza o plantio em consórcio, quando diferentes culturas dividem a mesma área. O que é colhido garante a segurança alimentar das famílias e o excedente é vendido.

Em 2018, a Asap começou a receber o apoio técnico e financeiro da Diaconia, uma organização que promove ações de justiça social em diferentes sertões brasileiros. No Pajeú, território que engloba 17 municípios do interior de Pernambuco, o projeto começou com foco na produção de algodão agroecológico. Mas, com o trabalho dando resultado, e os conceitos da Agroecologia sendo incorporados pelos agricultores, se viu a possibilidade de expandir os horizontes do negócio.

Foto de paisagem feita do alto com névoa mais ao fundo sob céu nublado. Há relevos vegetados ao redor, estrada de terra sinuosa ao centro e cactáceas em primeiro plano à esquerda

Serra do Giz, unidade de conservação da Caatinga no Sertão do Pajeú, em Pernambuco, durante o período chuvoso | Foto: Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan)

“No Sertão do Pajeú,  segundo o Censo Agropecuário de 2017, 81,5% dos agricultores têm até 20 hectares, e 16% têm entre 20 e 100 hectares. Ou seja, são, em sua maioria, pequenos produtores que potencialmente se enquadram na categoria de Agricultura Familiar. Uma vez que se fortalece essa produção agrícola, ocorre um grande dinamismo econômico, pois os trabalhadores passam a produzir alimentos para a região, a consumir na cidade mais próxima… é uma dinâmica que vai além de atingir o básico para conseguir sobreviver”, explica Grazielle Cardoso, economista e gerente do Programa Raízes da Caatinga.

O Programa chegou ao Pajeú em 2022, sob a liderança da Iniciativa para o Comércio Sustentável (IDH), que também atua no Sertão do Cariri, na Paraíba, e Sertão do Apodi, no Rio Grande do Norte. A instituição, em parceria com a Diaconia e WRI-Brasil, fez contato com os atores locais e, como conhecia de perto suas realidades, elaborou uma estratégia para fortalecer as cadeias produtivas. Em dezembro de 2023, por meio de um memorando de entendimento, o IDH formalizou o Pacto Pajeú Sustentável, um convite para que o setor público, o privado e as comunidades locais unam forças em prol do território.

O pacto busca atrair investimentos para a região, e tem como base três pilares: a produção sustentável, a preservação ambiental e a inclusão social. Dos 17 municípios do Pajeú, apenas a Prefeitura de Afogados de Ingazeira assinou em um primeiro momento. Outro desafio para expansão diz respeito ao setor privado, ainda pouco participativo. Uma das entidades que se juntou recentemente ao pacto foi o Serviço Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

“Damos consultoria e orientação aos produtores, com soluções e boas práticas, com avaliação do produto, com avaliação da terra. Nosso objetivo é levar os produtos da Agricultura Familiar para o mercado formal, e só conseguimos isso quando temos produtos certificados”, conta Leila Rosie, analista da unidade do Sebrae em Serra Talhada. Ela explica que quem certifica os produtos são os órgãos de governo, a exemplo do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), mas o Sebrae também auxilia na hora de dar entrada no processo.

Graças a essas parcerias, hoje a Asap produz diversos produtos orgânicos certificados, como a pasta de amendoim, o óleo de gergelim, o feijão macassar, dentre outros. “O Sebrae consegue fazer muita coisa junto ao agricultor familiar sem deixar de ter um olhar de preservação da Caatinga, sem esse horizonte de destruição”, relata Leila.

Dados recentes do BDQueimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontam que o bioma teve mais de 21 mil focos de calor em 2023, o maior índice desde 2010. A principal causa apontada é a ação humana. Segundo este relatório científico publicado na Revista Nature, apenas 11% da vegetação nativa do bioma permanece intocada. Ao contrário do que diz o senso comum, a Caatinga, como maior floresta tropical seca da América do Sul, possui uma ampla biodiversidade. Uma lista recente registrou 3.347 espécies de plantas, sendo 526 espécies endêmicas, só encontradas pelos sertões.

“Nesse cenário de mudança climática, a IDH entende que o Semiárido brasileiro é um exemplo para o mundo dada sua diversidade, tudo o que já foi construído pelos moradores e toda a resiliência social e climática do lugar. A gente (de fora) só precisa virar essa chave da pobreza e começar a olhar para lá como um território de oportunidades que apenas precisa de recursos e planejamento”, diz Grazielle. Ela aponta que o pacto sustentável tem como objetivo deixar um legado no Sertão do Pajeú para que os atores locais tenham cada vez mais autonomia técnica e financeira para tocar seus projetos.

Foto de um grupo de quatro mulheres sentadas ao redor de uma mesa retangular, todas de costas enquanto uma mulher usando calça jeans, blusa vermelha, máscara preta e óculos dá uma explicação sobre uma projeção na parede. No canto superior esquerdo há um garrafão de água apoiado em metade de um filtro de barro sobre uma mesa

Capacitação do Sebrae junto às pequenas produtoras rurais inseridas no pacto sustentável | Foto: Sebrae / Serra Talhada (PE)

Para a agricultora Joana Darc, o pacto trouxe visibilidade para o trabalho da Asap, o que tem feito com que outras famílias se integrem ao coletivo. O poder do exemplo de quem, na linha de frente, transforma sua realidade. Hoje a Asap tem membros em oito municípios. Com a unidade de beneficiamento, os produtos do roçado são melhorados, com ainda mais valor agregado de mercado.

“Hoje a gente consegue ter nossa renda. Mas eu quero que chegue a mais pessoas. Ainda existe fome. Ainda existe muita família carente. Quero que mais pessoas possam entender o processo e ver que a Agroecologia é o único jeito de continuarmos no campo”, diz Joana, disposta a passar seu conhecimento adiante. Feito a muitas mãos, o Pacto Sustentável do Pajeú é um processo longo, ainda em andamento, e, portanto, aberto a novos interessados (sociedade civil, setor público e privado).

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