Por Alice Sales
Colaboradora

O pôr do sol abraçou o Parque do Cocó de forma mágica neste domingo | Foto: Mateus Monteiro

“O mar se deitou n`areia
Ouvindo a canção nagô
É a mãe da terra inteira chamando
Os filhos de toda cor
É a mãe da terra inteira chamando
Os filhos de toda cor (…)”

Fortaleza-CE. No embalo desses versos entoados pela música do grupo Maracatu Solar, que se apresentou na Praça do Ferreira, na última quarta – feira (20), a capital cearense deu as boas-vindas para a sua primeira edição do evento Virada Sustentável e convidou toda a população a participar do movimento para a sustentabilidade que organiza o maior festival sobre o tema no Brasil. Em uma data mais que oportuna, em que se celebra a Consciência Negra no País, a apresentação de maracatu deu início a mais de 170 atividades multiculturais que ocorreram em 20 pontos diferentes da cidade, nos últimos cinco dias.

O festival, que atualmente é realizado em sete cidades do Brasil, tem como cerne promover uma visão positiva e inspiradora sobre sustentabilidade por meio de atividades culturais. Durante a cerimônia de abertura, no Cineteatro São Luiz e que foi toda traduzida simultaneamente em Libras, o jornalista André Palhano, um dos idealizadores do evento, ressaltou a importância de entender a sustentabilidade não só como algo relacionado às questões ambientais, mas também às questões humanitárias, como educação de qualidade e acesso à cultura.

A ideia foi reforçada pelo discurso do secretário de Cultura do Estado do Ceará, Fabiano Piúba: “é impossível pensar em desenvolvimento sustentável quando há preconceito, racismo, homofobia e quando não há arte e cultura. Não podemos ter uma visão limitada sobre a sustentabilidade, pois a maior forma de combater a pobreza é a cultura”.

Maristela Crispim, jornalista e coordenadora do Projeto Virada Sustentável Fortaleza, alertou sobre o papel de cada indivíduo para que seja possível alcançar a sustentabilidade e ressaltou que todos devem estar mais atentos aos hábitos cotidianos e modo de vida. Cliff Vilar, diretor corporativo do O POVO, co-realizador do evento na capital cearense, destacou que o festival nasce com o propósito de lançar questionamentos sobre nossas práticas e políticas públicas.

O espetáculo Duas Estações, da Edisca, encheu o Cineteatro São Luiz de emoção na noite de abertura | Foto: Eduardo Queiroz

A cerimônia de abertura da Virada Sustentável Fortaleza 2019 contou com o espetáculo “Duas estações” apresentado pela companhia de dança Edisca, escola que privilegia crianças e adolescentes de classes sociais desfavorecidas. O espetáculo apresentou como temática o povo e a cultura do Nordeste brasileiro, trazendo à tona os repentes, emboladas, levadas de cocos e maracatus. A noite de festa foi encerrada com show de Xenia França, cantora baiana que traz em seu canto a reverência à cultura negra em uma musicalidade essencialmente pop enlaçada à música eletrônica, jazz, samba-reggae, rock e R&B.

A cantora Xenia França encerrou a abertura, repleta de significado, no Dia Nacional da Consciência Negra | Foto: Eduardo Queiroz

Ovos fritos e a crise do clima

A instalação Eggcident, do artista holandês Henk Hofstra, alertou para os impactos do Aquecimento Global | Foto: Mateus Monteiro

Pela primeira vez no Brasil, a exposição Eggcident do artista plástico holandês Henk Hofstra foi um dos destaques do festival. De forma inusitada e criativa, a exposição instalada na Praia de Iracema teve como intuito alertar para a crise climática. A obra apresentou ovos gigantes estalados, como se estivessem sendo fritos no chão. Para o artista, os ovos representam as formas de vida do planeta, que por causa dos efeitos do aquecimento global estão sendo fritas pela própria Terra, como em uma panela. Diversas pessoas que passaram pela exposição puderam conferir e interagir com a ideia do artista.

A crise climática também esteve em discussão durante o Painel sobre Jovens Lideranças pela Sustentabilidade, realizado no Cineteatro São Luiz. Na ocasião, os jovens ativistas Beatriz Azevedo, fundadora do Instituto Verdeluz e Gabriel Aguiar, membro do Comitê Gestor do Parque do Cocó, retrataram o protagonismo de jovens lideranças sobre as questões ambientais como a crise hídrica, os problemas causados pela presença de Usinas Termelétricas, intervenções em Unidades de Conservação e desmatamento de áreas verdes.

Negócios Sustentáveis

Casos de sucesso de negócios sustentáveis foram expostos durante o evento. Um deles foi o exemplo da Agência de Desenvolvimento Econômico Local (Adel), que desde 2007 apoia jovens empreendedores rurais. Na ocasião, Gláucio Gomes, diretor de Desenvolvimento da Agência, falou sobre a história da Organização. Segundo ele, tudo começou quando oito jovens da região norte do Ceará ingressaram em universidades da capital, mas decidiram voltar para suas cidades para contribuir para o desenvolvimento de suas terras natais.

Para Gláucio, a missão da Adel parte exatamente desse princípio: valorizar talentos e saberes dos jovens rurais para que eles possam prosperar e contribuir para o desenvolvimento de seus lugares e não sintam a necessidade de migrar para as capitais.

Em sua trajetória, a Adel já beneficiou mais de três mil jovens, oferecendo suporte em seus empreendimentos, conhecimento, crédito orientado e tecnologias. “Nossa intenção é dar condições aos jovens rurais para que eles coloquem em prática suas habilidades”, enfatiza.

Outro caso de negócio sustentável apresentado foi o Compromisso Verde, da C.Rolim Engenharia. Durante o painel, Ticiana Rolim, diretora comercial construtora, falou sobre o projeto que desde 2009 assume a iniciativa de a cada um metro quadrado de área de terreno adquirido para a construção de empreendimentos imobiliários, será plantada uma muda de árvore de espécie nativa ou em extinção em um local público, sob autorização, para o benefício da cidade. Até o momento, já foram plantadas ou doadas mais de 50 mil mudas.

Na ocasião, o moderador do painel, jornalista Jocélio Leal, apresentou o caso da água AMA, da AmBev, que tem 100% do lucro obtido com suas vendas revertido para projetos de acesso à água potável no Semiárido brasileiro.

Líder do povo das florestas

Tendo como suporte uma estrutura leve, reutilizável e de baixo impacto ambiental, sendo impressa em tecido de 10 metros x 7 metros, a imagem de autoria de Gigi Barreto, que retrata o líder indígena Raoni Metuktire, esteve exposta no Parque Estadual do Cocó durante a Virada Sustentável. Como uma espécie de cortina o público pôde “atravessar” a imagem por meio de cortes verticais na parte inferior do tecido. Por trás da imagem, caixas de som reproduziram falas e canções do povo Caiapó, permitindo aos visitantes interação com a exposição ao mesmo tempo em que conheciam mais sobre essa etnia.

Jumento Amostrado

Também exibida durante o festival, a exposição Jumento Amostrado foi desenvolvida pelo Instituto Nordeste Cidadania (Inec) e reúne seis esculturas de jumento, em tamanho real, com pinturas temáticas que remetem a elementos da cultura nordestina e com relação direta a seis projetos desenvolvidos pelo Inec.

Produzidas com uma estrutura em arame e tela coberta e moldadas por fibra de vidro, as esculturas foram customizadas por seis artistas plásticos cearenses e por crianças e adolescentes alunos do projeto LABInec, do Bom Jardim. Entre os elementos regionais utilizados na produção das obras estão os cangaceiros, o cordel, os desenhos rupestres e as marcas do gado, além do grafite urbano.

Luthieria sustentável

O público do festival  pôde participar da oficina de luthieria sustentável experimental, proposta pela Tapera das Artes (Aquiraz) e ministrada pelo sociólogo e auxiliar de luthier Edson Silva e o músico multi-instrumentista, aprendiz de luthier e arte educador Alexandro Freitas (Sã). A oficina teve como proposta conscientizar e mostrar a possibilidade de contribuir com o meio ambiente de forma criativa e musical, simples, prática e com um custo financeiro baixo comparado a construção de instrumentos convencionais. O intuito é diminuir o lixo de uma forma divertida, musical e criativa.

A programação da Virada Sustentável Fortaleza 2019 também ofereceu atividades de saúde e bem-estar, como reiki, barra de access, yoga, reflexologia tailandesa, shiatsu, therahealing, tuina e renascimento, oferecidas pelo Mundo Akar, clínica de medicina integrativa que visa a busca pelo bem-estar emocional e físico; e pelo Espaço Clara Luz, criado para acolher todas as pessoas que estejam buscando práticas que levem a uma consciência maior de si, do outro e do mundo, através de aulas regulares de yoga, práticas de meditação, palestras e cursos.

Além dessas atividades, o festival contou com exposições, palestras, intervenções culturais, cinema, dança, música, rodas de conversa, contação de histórias, circo, oficinas, feira de troca, jogos, performances artísticas, teatro e muitas outras atividades que  agregaram arte, cultura e conhecimento à programação.

No sábado (23), o público pôde desfrutar do show da cantora Larissa Luz, no Parque do Cocó e no domingo (24), para encerrar a programação, toda gratuita, a alegria de Dona Onete contagiou a plateia presente no Cocó.

Virada Sustentável

O movimento consiste em uma mobilização para a sustentabilidade que organiza o maior festival sobre o tema no Brasil. Começou em 2011, em São Paulo, e já é realizado anualmente nas cidades do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador, Manaus e Campinas. A concepção temática da Virada Sustentável é pautada nos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), que são também os princípios que orientam a programação do festival em todas as cidades.

O evento envolve articulação e participação direta de organizações da sociedade civil, órgãos públicos, coletivos de cultura, movimentos sociais, equipamentos culturais, empresas, escolas e universidades, entre outros, com o objetivo de apresentar uma visão positiva e inspiradora sobre a sustentabilidade e seus diferentes temas para a população, além de reforçar as redes de transformação e impacto social existentes nas diferentes cidades.

A Virada Sustentável Fortaleza 2019 é uma realização do Instituto Virada Sustentável, Secretaria Especial de Cultura, Ministério da Cidadania, Ambev Ama e co-realização do Grupo O POVO. O evento conta com o apoio do Grupo CMPC .

Sem Comentários ainda

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Pular para o conteúdo